"Folha de S. Paulo", 6 de fevereiro de 1978

Psico-tornassol

O presente artigo não é propriamente sobre os direitos humanos, mas sobre certa psicologia (melhor seria dizer psicose) que a respeito destes vem criando o Carter, "a bombos y platillos" e em nível internacional.

Claro está que não tratarei aqui do apoio choramingão ou festivo – conforme o modo de ser dos vários ambientes – que essa campanha encontra nos meios de esquerda. Como o esquerdismo é o grande beneficiário da onda mundial "carteriana" pró-subversivos e terroristas, é perfeitamente banal que toda a esquerda seja simpática a ela.

Atrai-me especialmente a atenção, isto sim, que incontáveis não-esquerdistas assumam, nesta matéria, uma atitude ilógica, da qual passo a tratar.

Por não-esquerdista entendo aqui especialmente o burguês, grande, médio ou pequeno, perfeitamente cioso de seus interesses individuais, e que acompanha, com olhar apressado e vago, o noticiário referente às bagatelas que se situam fora desse círculo. Convicções religiosas, têm-nas ele? – Não o sabe. O único sintoma a dar idéia de que talvez existam é que ele reza de vez em quando para safar-se dos apertos de negócios ou de saúde pelos quais passa. Convicções políticas, sociais e econômicas? – No fundo, só uma: o Brasil é a terra do sossego, onde jamais haverá modificações trágicas em nada. É só despreocupar-se, absorver-se no trabalho individual, faturar, e em seguida gozar uma pequena parte do lucro obtido.

Em suma, eu antes: o Brasil depois; e na rabeira o mundo; eis o arejado, nobre e arguto feitio mental dessa simpática gente.

Curioso é que, não sei por quais mandingas, essa mesma gente, tão perfeitamente egocêntrica, foi picada pela mosca dos direitos humanos. Sempre que um terrorista está para ser morto, esse tipo de burguês se mostra pronto a apoiar qualquer voz que se erga para preservar o condenado da aplicação da lei. Se é preso um subversivo que ameaçava seu pais com uma guerra social, o burguês do citado gênero, logo que disso tem conhecimento, se põe a torcer pela impunidade do delinqüente.

Mas – dir-se-á – tais atitudes provêm apenas do receio de que haja excessos na repressão do subversivo ou do terrorista; ora, a favor desses excessos, quem poderá ser?

Concordo. Ninguém pode apoiar excesso algum. Mas o vastíssimo filão burguês de que estou cuidando não se limita a ser contrário aos excessos. Ele tem um fraco em favor da pura e simples impunidade dos culpados. Ou quase tanto.

Extra partidário como sou, não me meto em certo gênero de questões. Assim, não tratarei aqui de "aberturas". Porém não posso fechar os olhos para o fato de haver quem as peça nos cinco continentes. E no timbre das vozes que pronunciam a elástica palavra "abertura", é me fácil perceber que, não raras vezes, levam incubada precisamente a conotação de "impunidade". É esse anseio, o mais das vezes inconfessado, pela impunidade dos terroristas e subversivos, que constitui a grande característica psicológica dos tais burgueses. Eles só se desprendem da esfera dos interesses pessoais quando se trata de pleitear esse gênero de impunidades.

Que curiosa fissura é essa na muralha do egoísmo deles? Gente que parece absolutamente sem ideal, sem horizonte que vá além do circuito do próprio abdômen, deixa ver de repente um "xodó" em prol... do terrorismo e da subversão!

Não duvide o leitor de que grande parte dos que, na América do Norte e fora dela (oh!, muito mais fora do que dentro), constituem a claque do sr. Carter, é constituída por gente assim. Essa claque vai minguando a olhos vistos. Mas seus esquadrões fiéis, que não recuam nem se entregam, são formados por gente desta. E enquanto houver mentalidades assim na terra, haverá gente que goste de ter em casa, cercado de flores, preferivelmente de palha, um quadrinho do "santo" laicista e ecumênico que, em meio a seus amendoineiros da Geórgia, elaborou os "slogans", com vago saborzinho filosófico, ou quiçá teológico, que circulam pelo mundo conclamando pelos direitos humanos.

Não se iluda, porém, caro leitor, esse gênero de burgueses não existe apenas longe de seu âmbito pessoal. O sr. o poderá encontrar na casa em frente, no passageiro de ônibus a seu lado, no prédio de apartamentos em que habita, talvez dentro de seu próprio apartamento. Talvez dentro de si mesmo.

Para esclarecer esta última eventualidade, bastará que faça uso de um pequeno teste, fácil, direto, insofismável. Se está indignado, furioso com este artigo, sentindo zumbir dentro de si a exclamação: "esse Pli-i-i-nio é assim mesmo!", o sr. é bem da grei. Comigo o sr. não quererá, nem abertura, nem entendimento, nem diálogo. Tudo isso é só a favor dos terroristas!

Mas esse é apenas um sintoma de avaliação interna. Como distinguir tal estado de alma, não em si mesmo, porém nos outros?

Posso igualmente pôr a seu alcance um teste iniludível.

Numa roda, comente qualquer feito terrorista ou subversivo. Vitupere contra o feito como entenda. Mas, em seguida, faça entender que tais ou tais outras atenuantes recomendariam um "generoso" perdão para os culpados. Talvez algum "cabeça quente" o apoie expressamente. Isto, para nosso caso, não tem grande importância. Pois o tal filão de burgueses nunca é constituído por "cabeças quentes". É possível que alguns circunstantes o aprovem discretamente. Isso já tem alguma importância. Mas, sobretudo, pode dar-se que outros, enfim, mudem de conduta a seu respeito, no restante do convívio. Passarão a olhá-lo com olhos doces, a prestar mais atenção no que o sr. lhes diga (especialmente se o que o sr. disser for bem trivial), a responder de modo particularmente ameno a suas perguntas. Está caracterizado o tal tipo de burguês-eixo das minguantes hostes "carterianas".

Se o sr. quiser uma contraprova que leve ao total, ao pleno, ao apoteótico a certeza do teste, conte a seus interlocutores alguma desgraça que haja ocorrido a alguém não qualificável de subversivo nem de comunista. Em tal caso, seu "amaciado" interlocutor não lhe dará atenção, não participará de sua compaixão e mudará de assunto quanto antes.

Estará caracterizado seu homem, caro leitor. Terá apresentado todas as notas típicas do burguês de que trato.

No próximo artigo lhe darei ao conhecimento uma série de fatos capazes de despertar em burgueses tais, reações desse gênero. Como papéis de tornassol, eles, em contato com as diversas mentalidades, lhe farão conhecer o grau de acidez "carteriana" que contêm.