"Folha de S. Paulo", 21 de julho de 1978

O descontentamento da direita e do centro

Em artigo anterior prometi dar conhecimento, aos leitores, das múltiplas investidas que vêm sendo feitas nos EUA contra um certo esquerdismo muito generalizado ali.

Cumpro hoje a promessa. E faço notar, de início, que tratarei aqui de uma ofensiva que não é só da direita, mas também do centro ( e até menos da direita do que do centro, se tomada em consideração a preponderante importância dos meios lançados à luta por este) contra o que seria um "new look" do esquerdismo.

Com efeito, "esquerdismo" não é tomado no caso, tão só como um conjunto de reformas sócio-econômicas visando estabelecer, a prazo curto ou médio, a inteira igualdade entre os homens. É também tudo quanto corrói, corrompe ou dissolve a moral cristã, fundamento da civilização ocidental. O permissivismo omnímodo de nossos dias pode e deve ser tido como genuína expressão da mentalidade e da doutrina esquerdista. Pois ele é absolutamente tão característico dos regimes comunistas, quanto o é o totalitarismo estatal e econômico.

Obviamente, também a política em extremo concessiva do presidente Carter em relação à Rússia e satélites deve ser qualificada de esquerdismo.

Em suma, esquerdismo é tudo que está a caminho do comunismo, e este, por sua vez, é o ponto de chegada atual das várias modalidades e tendências do esquerdismo. Digo atual, pois o próprio comunismo tende, por seu turno, a desaguar no anarquismo.

Tudo isto dito, vamos aos fatos:

A "Coalizão por uma Maioria Democrática", influente organização do Partido Democrático, desempenhou papel importante na elaboração da plataforma presidencial de Carter. Agora, a "Coalizão" publicou uma crítica enérgica à política exterior do presidente, "revivescência de um perigoso modelo na formulação da política exterior (...) rejeitado pela Plataforma" ("Battle Line". Washington, abril de 1978).

O Sr. Paul Nitze, ex-subsecretário da Defesa e negociador da SALT I em 1974, revelou à imprensa, em entrevista coletiva, as concessões inadmissíveis feitas aos soviéticos em matéria de defesa nacional. Tais negociações, disse ele, darão à Rússia uma "avassaladora" superioridade nuclear sobre os EUA (Beattle Line", abril de 1978).

O general da reserva Daniel Graham, ex-diretor da "Defense Intelligence Agency" do Pentágono, e atual assessor, do grupo parlamentar "Conservative Union", asseverou que "a alegação do governo de que os soviéticos fizeram concessões significativas nas conversações SALT é fraudulenta". Segundo aquela alta patente militar, os russos estão obtendo enormes vantagens nas conversações SALT. Entre os dados concretos fornecidos pelo general impressiona a observação de que as restrições propostas para o alcance dos mísseis transportáveis em naves de guerra torna possível à Rússia ameaçar com mísseis "cruise" dotados de armas nucleares (cujo número não é limitado nos acordos SALT) 100% da população e da indústria da Europa Ocidental e do Japão, e 69% dos EUA, enquanto os EUA nas mesmas condições só podem atingir 15% da população e da indústria soviética. O deputado Phil Crane e o senador Jake Garn, presentes à entrevista, também fizeram críticas acerbas à política de Carter. Segundo Crane, ela "aumenta a perspectiva de guerra nuclear, ao invés de melhorar as possibilidades de estabilidade e de paz" (Battle Line", abril de 1978).

Num editorial, o "Wall Street Journal"(4.11.77), comentando a política exterior de Carter, diz se fôssemos os russos, "começaríamos por fazer concessões nos pontos remanescentes (dos acordos sobre desarmamento), a fim de manter viva a "détente", conservar Carter no poder, e fazer com que ele cumpra os acordos que já assinou, selou e nos entregou". E conclui: "Tirem os chapéus, aí vem o chefe (Brejnev)!

O deputado democrata Charles Wilson, que participou como observador da Comissão das Forças Armadas da Câmara nas conversações SALT em Genebra, se declarou "chocado com o espetáculo oferecido pela equipe de negociadores norte-americanos, os quais pareciam, em sua maioria, ignorar a realidade do poderio soviético e decididos a obter a assinatura de um tratado apenas para ter em mãos um tratado (Imperial Valley Press", 19-5-78).

Carter iniciou uma série de ações penais contra agentes do FBI (Federal Bureau of Investigations), acusando-os de desrespeitarem os direitos de alguns terroristas e censurarem telefones de pessoas suspeitas. E a roupa suja começou a ser lavada em público. La Prade, diretor do FBI em Nova York, declarou à imprensa que o procurador-geral dos EUA, Bell, com a autorização expressa de Carter, promove investigações similares àquelas pelas quais os nomes do FBI estão sendo perseguidos. Essa réplica foi tida como um sinal, para o presidente, de que se ele prosseguir, o caso terá desdobramentos imprevisíveis ("New York Times", 17-4-78).

Um grupo de senadores e de altos funcionários do Governo, descontentes com a política externa de Carter, quer pôr as relações com Moscou em termos claros: se os soviéticos continuarem a se imiscuir em nações fora do bloco comunista, os EUA, bem ao revés do que tem feito o atual presidente, começarão a fazer propaganda nos países da Europa oriental, bem como junto aos grupos nacionalistas dentro da própria "União Soviética". E, além disso, desenvolverão uma política de maior aproximação com a China Comunista ("New York Times", 26-4-78).

Os 38 senadores republicanos assinaram um longo manifesto acusando a política exterior de Carter de "incoerente, inconsistente e inepta" e portanto perigosa para a segurança do país ("Time", 15-5-78). O documento muito pouco divulgado no Brasil, causou tal trauma na opinião norte-americana que, de então para cá, o presidente tem tomado sucessivas atitudes diplomáticas que vêm retificando em parte sua anterior conduta, e dando assim razão à categórica crítica da oposição republicana.

Carter empreendeu uma viagem para a reanimação de sua popularidade nos Estados de Califórnia, Colorado, Washington e Oregon. Na ocasião, o povo do Oeste não ocultou sua indignação por ter o presidente eliminado do orçamento as dezenove barragens projetadas, bem como por estar tentando executar uma reforma agrária socialista e confiscatória, com base numa lei de 1902. O governador Lamm, do Colorado, declarou que "a região toda está especialmente irritada com esse caso". Também no Colorado, o senador Haskell qualificou essa política como uma das mais odiadas da administração Carter. A uma reunião pública em que Carter iria falar, compareceram apenas 200 pessoas. Numa convenção de advogados de Los Angeles, o governador democrata da Califórnia, Brown, virou as costas ao presidente Carter pondo-se em conversa com outro convidado até que o supremo magistrado acabasse de falar ("Time", 15-5-78).

Há uma revolta surda na Marinha contra as decisões do secretário de Defesa Brown, de cortar drasticamente o plano de construções navais. O próprio secretário da Marinha, Graham Claytor, deixou entender seu desgosto por tal fato, em um discurso. E o subsecretário, Almirante Woolsey, declarou publicamente: "Foi um erro". No Congresso e nas organizações especializadas em assuntos de defesa também há muita oposição aos cortes aprovados pelo presidente. A Comissão para as Forças Armadas do Senado recomendou um aumento de 1,7 bilhão de dólares no orçamento, e muitos peritos do Congresso acreditam que o aumento possa ser superior a dois bilhões de dólares ("New York Times", 4-4-78).

Em depoimento no Senado, o general David Jones, chefe do estado-maior das Forças Armadas, confirmou a oposição deste organismo à retirada das tropas americanas da Coréia do Sul. O presidente Carter ignorou a decisão e anunciou a retirada. A oposição despertada por esse fato foi tal que o governo deliberou baixar de 6 mil para 3.400 o número de soldados a serem retirados ("Los Angeles Herald Examiner", 2-5-78).

O deputado Mc Donnald (eleito pelo Partido Democrático, o partido de Carter, na Geórgia, terra de Carter) e lideres de associações de ex-combatentes entraram em juízo para anular o ato de perdão aos desertores da guerra do Vietnã. Mc Donnald declarou à imprensa: "Após quinze meses de governo, a direção tomada pelo sr. Carter está, infelizmente, bastante clara". E o deputado democrata passa a lastimar a desastrosa política exterior de Carter ("Review of the News"17-5-78).

Note o leitor que mencionei de preferência os pronunciamentos de deputados e senadores do próprio partido que elegeu Carter, isto é, o Democrático. Ou de detentores de cargos públicos, sujeitos ao mando de Carter. Uns e outros interessados, pois, em afirmar precisamente o contrário do que afirmaram.

Tudo isso está longe de ser pouco.

E entretanto, quanto tudo isso está longe de ser tudo... Em próximo artigo mostrarei como a faixa de descontentamento norte-americana se estende aos demais aspectos do esquerdismo que se propaga pelo país no governo Carter.