Plinio Corrêa de Oliveira

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

27 de abril de 1980  Bookmark and Share

 

 

Acesso às Embaixadas, o Teste decisivo

 

É complexa a encruzilhada cubana. De um lado, a situação dos infelizes que se refugiaram na embaixada do Peru parece tendente a resolver-se pelo escoamento gota a gota – ou seja, aos magotes – dos dez mil "desesperados".

De outro lado, o infortúnio destes não constitui senão um aspecto do que merece ser chamado o "escândalo cubano". Há muito mais. Há o martírio de Cuba inteira. Explico-me. O que conheço de orogenia é nada. Bem sei que toda ilha marítima é o píncaro de uma montanha que se levanta das profundezas do mar. Consta-me que, de costume, as grandes montanhas não se erguem isoladas, mas fazem parte de cordilheiras. Assim também, por debaixo da massa líquida, há em torno de toda ilha montanhas menores, verdadeiras "ilhas" frustradas que não chegaram à luz do sol.

Análogos são certos fenômenos que se passam nas águas profundas da opinião pública. As paixões populares por vezes existem latentes, como "arquipélagos" frustrados que não chegam a se manifestar à luz do sol. Sem embargo, assim como a ilha, por menor que seja, indica a contiguidade com um vasto solo submarino rugoso e atormentado, assim também as grandes explosões de descontentamento público evidenciam a existência – em quão extensa escala! - de descontentamentos, e até de verdadeiras convulsões mudas.

O que aqui está dito sobre ilhas e montanhas é cientificamente exato? Não sei. Mas, pelo menos, "si non é vero, è bene trovato" [se não é verdadeiro, é bem achado – dito italiano, n.d.c.]para exprimir o que sinto acerca do escândalo cubano.

Dez mil refugiados (ou, mais precisamente, 10.800) fogem espavoridos através da primeira porta de embaixada que encontram aberta. Na ânsia de escapar, correm eles tão-só à casa para apanhar os familiares e fugir. Entre esses coitados. Há enfermos, velhos e crianças, que preferem ficar de pé ou sentados ao relento, comprimidos dias e noites a fio na imundície mais repugnante, na fome, a regressar a seus lares – comparativamente pequenos eldorados em que os esperam cama, asseio e nutrição. Eles preferem aturar esse verdadeiro inferno em terra, sob as imprecações de capangas fidel-castristas que, do lado de fora da embaixada, lhes atiram insultos, ameaças e por vezes até objetos. Não conheço caso de uma só embaixada, em todos os tempos, na qual se tenha verificado situação idêntica.

Tudo isto é muito mais do que a prova de que esses dez mil sofriam verdadeira tortura física ou moral, vivendo em Cuba. Em torno dessa "ilha" de inconformidade, que cordilheiras subjacentes, de sofrimento e de ódio! Cuba inteira é uma ilha concentracionária, uma ilha Lubianka.

Não é pois só dez mil que se trata de libertar, mas a ilha inteira.

É esta a realidade terrível que o Ocidente amolecido e acovardado, "pragmático", parece não querer ver.

O terceiro elemento do quadro são as "marchas de solidariedade" que Fidel Castro programou para tapar o sol com a peneira. Num povo sujeito ao terror, o que de mais fácil para um tirano do que meter numa rua, em hora marcada, dez ou cem mil desditosos "pragmáticos", um milhão até, que, pressionados, lhe batem palmas e lhe urram vivas? E, depois distribuir notícias tendenciosas desse "triunfo", aos jornais e às agências telegráficas?

Na realidade, depois do trágico episódio da embaixada do Peru, Fidel Castro só teria um recurso para provar sua popularidade, publicar oficialmente que, durante um mês, o acesso às diversas embaixadas estrangeiras estava absolutamente aberto a quem quisesse asilar-se nelas. "Pari passu", deveria ele convidar uma comissão internacional de alto nível para ir a Cuba a fim de fiscalizar a autenticidade dessa liberdade de acesso. Então, se apenas uma minoria insignificante se refugiasse nas embaixadas, estaria provado que descontentes em Cuba eram só (!) dez mil. Outrossim, Fidel deveria publicamente renunciar ao cargo se as embaixadas regurgitassem de refugiados. Isto, e só isto, seria significativo. Por que não o faz ele?

Como brasileiro, estou no direito de alvitrar para o caso este método de testagem. Pois em Brasília não há, às portas de qualquer embaixada, polícia para impedir a entrada de massas de desesperados. Pela simplicíssima razão de que essas massas não existem.

O mesmo ocorre em torno das embaixadas em todos os países do mundo livre. Estes têm, pois, base, não só para alvitrar, mas para exigir reciprocidade para suas embaixadas respectivas em Cuba.

Mais. Por analogia, as nações livres estariam todas no direito de exigir da Rússia soviética e de seus "satélites" que se submetessem ao mesmo teste de popularidade, o qual proponho aqui para Cuba. Eles, que gastam fortunas para a propaganda do comunismo no mundo inteiro, quanto lucrariam em declarar livre o acesso dos seus súditos – sob o indispensável controle de uma comissão internacional – rumo às embaixadas de nações não comunistas! Que golpe publicitário direto e triunfal o mundo comunista daria, provando assim quanto o povo se sente à vontade sob o regime marxista. Acredita o leitor que algum Estado comunista faça coisa igual?

O livre acesso às embaixadas tornou-se, com o "estouro" cubano, o teste decisivo das excelências de um regime. E este teste, pelo qual o Ocidente passa rotineiramente até sem o perceber, é para qualquer governo comunista um espantalho.

Antes de terminar, pergunto-me por que Carter, afetado missionário do moderantismo centrista na América Latina, ainda nada fez para desmanchar a ditadura do extremismo cubano, que é, de longe, a mais terrível até agora conhecida nas três Américas.

E pergunto também àqueles dos Srs. bispos, sacerdotes e freiras que andam por aí agitando "comunidades eclesiais de base": não receiam que o Brasil caia em regime análogo ao de Cuba, tão mais sinistro do que quanto possam afirmar, ou queiram exagerar, acerca da realidade brasileira? Por que então – já que se proclamam amigos dos pobres – não combatem o comunismo, mas, pelo contrário, o aplaudem e confiadamente com ele colaboram?

Não causa estranheza a referência a aplausos. Pois foi precisamente o que se notou, por exemplo, na escandalosa "noite sandinista" realizada no teatro da PUC, durante a qual o bispo d. Pedro Casaldáliga vestiu o uniforme de guerrilheiro, a ele oferecido na ocasião. Por que toda esta simpatia para com os vermelhos? Para que algum dia também em Brasília haja patrulhas em torno das embaixadas, cupidamente olhadas por multidões de infelizes desejosos de nelas entrar?


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