Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

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4 de novembro de 1973 

Perón com a foice e o martelo

Quando se escrever a História deste lamacento e confuso final de século, o recuo do tempo porá em evidência uma velada e subtil manobra comunista, a qual – tanto quanto eu saiba – vem passando despercebida, até aqui, aos observadores da política mundial.

Para que se compreenda tal manobra, é necessário ter em vista a verdadeira missão do terrorismo dentro do quadro geral da estratégia comunista.

Nos países em que o proselitismo do PC, ao longo de anos inteiros, não obtém um número ponderável de adeptos, como fazer progredir a revolução social? Em princípio, se os contingentes comunistas não crescem, a vitória do comunismo só pode resultar de um enfraquecimento dos obstáculos que se opõem a este. Se uma determinada massa de água não chega a superar uma alta barreira, é preciso abaixar a barreira a um nível inferior ao da água...

Esse processo de demolição das estruturas atuais se dá em várias fases.

Para obter a debilitação do adversário, os comunistas – em uma primeira etapa – se bifurcam. No campo estritamente ideológico e político, continua o PC (legal ou clandestino), a desenvolver, como pode, seu proselitismo. Mas um setor de comunistas inconformados com a marcha lenta do Partido, rompe com este e inicia o Terror. A fim de evitar que o público perceba o artificial dessa cisão, ambas as partes, de quando em vez, se injuriam copiosamente.

O processo entra, então, na segunda fase. Enquanto o PC fica na penumbra, o terrorismo – praticado em geral por um mero punhado de agitadores – entra para o centro do cenário político, assaltando, confiscando, destruindo, seqüestrando, torturando e matando quanto pode.

Esse tipo de atividade, inusitado e agressivo, incute pânico na classe burguesa. E dá à "saparia", ao clero de esquerda e aos democristãos, oportunidade para inculcar à burguesia a suposta necessidade das famosas "reformas de base" como o melhor meio de aquietar o terrorismo. Com isto vão concordando, gradualmente, nas fileiras da maioria anticomunista, todos os catacegos para os quais a fórmula "ceder para não perder" é o auge da sabedoria. Está feita a preparação do ambiente para a demolição da classe dos proprietários.

O processo entra assim em sua terceira fase.

Com efeito, depois de o terrorismo ter praticado largamente sua ação psicológica sobre os tímidos burgueses, faz-se subir ao Poder (preferivelmente por eleições) um governo que efetue com força o desmantelamento do movimento terrorista. A população inteira começa a respirar aliviada. E abre um ilimitado crédito de confiança no governo, em quem julga ver o anteparo ideal contra o comunismo.

Baseado nessa confiança geral, os governantes – esgrimindo sempre contra o terror – passam então a assumir atitudes que lhe valem o aplauso categórico, se bem que discreto, do PC (que, como vimos, tinha ficado na sombra). Dá-se-lhe a liberdade política perdida. Instalam alguns de seus expoentes em importantes cargos administrativos ou até políticos. Aparecem de quando em quando declarações governamentais de simpatia para com este ou aquele aspecto do socialismo e até do comunismo. E, pari passu, começa a enxurrada de leis estabelecendo a invasão do Estado no setor econômico privado, e extinguindo gradualmente a propriedade individual.

Sem embargo, os jornais continuam a alardear a ação antiterrorista do governo. E os proprietários, entre confiantes, aturdidos e acuados, vão cedendo. O governo "anticomunista" terá abaixado a barreira a uma altura que o PC possa transpor.

*    *    *

Descrevo este processo com os olhos postos na Argentina, onde ele se vem desenvolvendo com uma clareza impressionante, embora numa ordem cronológica algum tanto peculiar.

Progressos eleitorais importantes, o PC jamais os alcançara ali. Explodiu, pois, o Terror. Em seguida, entra em cena Perón, desempenhando o papel de condestável das classes conservadoras, apavoradas. O velho caudilho põe-se então a espandongar as organizações terroristas. A direita e o centro aplaudem enfaticamente. Mas, enquanto isto, Perón não se esquece de atirar olhares doces e palavras suaves para o lado do PC. E a enxurrada das leis estatistas e confiscatórias se despeja sobre o país. Contudo, os jornais continuam a aclamar Perón como o anticomunista por excelência.

A título de exemplo, publico aqui algumas declarações do velho caudilho em favor do comunismo. No próximo artigo, pretendo escrever sobre as leis ou os projetos de lei confiscatórios e dirigistas inspirados pelo Peronismo.

Toda essa política está ainda "in ovo" nestas declarações discretas de Perón:

"Nós (os Peronistas) constituímos um movimento de esquerda. Mas (...) uma esquerda justicialista acima de tudo; não uma esquerda comunista nem anárquica (...)". "Somos revolucionários porque caminhamos para reformas estruturais que tornem mais felizes os argentinos (...)" ("La Nación", 3-8-73).

Mas, dirigindo-se pouco depois às mulheres peronistas, este "esquerdista não comunista" abre o jogo. Falando sobre a China vermelha, proclama:

"Há um exemplo que está patente e vivo: a China. Era um país onde anualmente morriam de fome de doze a quinze milhões de habitantes, porque a produção alimentícia, de acordo com o emprego dos habitantes, não bastava para todos. A sabedoria do sistema instaurado na República Democrática da China abriu lugar para a mulher, e hoje ela produz ao par do homem. Esse país, onde anualmente morria de fome um setor de grande importância, não somente satisfez suas necessidades, mas conseguiu seu desenvolvimento em todos os órgãos, e hoje em dia dá-se ao luxo de exportar comida" ("La Nación", 28-8-73).

Em consonância com estas palavras, o Ministro do Bem Estar Social, Lopez Rega, anunciou que haverá um "intercâmbio de visitas infantis" da Argentina com a China comunista, e elogiou o "funcionamento das gendarmerias infantis naquele país, que os meninos argentinos poderão conhecer quando começarem as viagens" ("La Prensa", 8-8-73). Meninos-gendarmes: há algo de mais típico de totalitarismo policialesco?

Ainda pouco depois, Perón ostenta um evolucionismo histórico de sabor todo marxista:

"O homem não intervém senão subsidiariamente na evolução (histórica). A evolução é obra do determinismo e às vezes do fatalismo histórico (...). Assim, fomos feudais, demo-liberais, hoje socialistas; porque o mundo vai indubitavelmente nessa direção, e não sabemos o que seremos na etapa universalista, talvez mais próxima do que todos nós imaginamos" ("La Nación", 1-9-73).

Nesta linha de pensamento, é claro que a etapa posterior ao socialismo é o comunismo...

A tudo isto se acrescenta um gesto inexplicável e até escandaloso para um país em franca crise econômica: a Argentina comprometeu-se a emprestar a Cuba até um bilhão de dólares, sendo duzentos milhões por ano!

*    *    *

O Partido Comunista argentino bem sabia quanto podia esperar do antiterrorista Perón. Realizou ele um congresso do qual foi nomeado presidente de honra Leonid Brejnev. Participaram delegados do Soviete Supremo russo. Ao fim do Congresso, o Partido Comunista argentino resolveu apoiar a candidatura de Perón porque "grandes massas do Peronismo estão operando uma ampla rotação para a esquerda" e porque devem ser salientadas todas as coincidências que há entre Peronismo e comunismo ("La Nación", 24-8-73).

Em discurso, o Secretário do PC havia elogiado as leis de reformas enviadas pelo Poder Executivo ao Congresso, a restituição da liberdade para o PC, a promessa da abolição das discriminações ideológicas, o reconhecimento dos governos de Cuba, Vietnã do Norte, Coréia do Norte, bem como da República Democrática Alemã ("La Nación", 21-8-73).

Os delegados do PC russo visitaram Perón. Permaneceram uma hora com ele. E por seu turno a Rússia declarou que apoiará os "países de democracia popular, entre os quais, a seu juízo, se encontrará a Argentina" ("La Nación", 29-8-73).

Assim, enquanto com o martelo Perón demole o Terror, com a foice colhe os proveitos políticos do apoio que lhe dá o PC e a Rússia.