Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

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14 de agosto de 1979

Salt 2, essa Munique 2

Nos Estados Unidos, as atenções do grande público se voltam muito especialmente – ao longo destes dias estivais – para dois temas de índoles aliás bem diversas: as descontraídas férias com suas opções e seus lazeres, e as preocupações geradas pela crise do petróleo. Transfere-se assim, para plano inferior, outra matéria. Isto é, os debates, na Câmara Alta, sobre a ratificação do tratado Salt 2.

A meu ver, este tratado constitui, entretanto, um dos maiores acontecimentos do pós-guerra.

"Pós Guerra"? Parece-me que a expressão começa a ficar ligeiramente imprópria e anacrônica, e que cada vez mais se evidenciará tal, à medida que o mundo vá percebendo que as décadas posteriores a 1945 não podem ser corretamente designadas assim, pela simples razão de que a Segunda Guerra Mundial não cessou. Ela mudou apenas de fase: em 1945 saiu da liça o Eixo, mas o conflito continuou, já agora entre os aliados vencedores. E ao mesmo tempo que continuava, mudava de tônica. Até Hiroxima, ela fora uma guerra essencialmente cruenta, de quando em vez agravada, de ambos os lados, por importantes ofensivas publicitárias. A partir de 1945, ela passou a ser uma guerra fundamentalmente publicitária, coadjuvada em determinados momentos, em uma ou outra parte do globo, por trágicas operações militares. Na confluência entre o propagandístico e o militar, aparece o terrorismo, ora "show", ora assassinato puro e simples. E assim se vem prolongando até hoje.

Ao longo desta guerra principalmente propagandística – a guerra psicológica revolucionária – os soviéticos conseguiram ir dilatando ao inimaginável suas mal veladas conquistas territoriais. E, pari passu, lograram – pelo menos em muito larga medida – isolar e minguar as correntes anticomunistas existentes nos vários países, e abafar-lhes a voz. Herdeira espúria do anticomunismo, nasceu assim, e se estendeu pelo Ocidente, uma opinião pública não pró-comunista, nem anticomunista. Ou, em termos mais gerais, uma opinião pública que não é pró nem antinada.

Sequiosos de popularidade, os governos ocidentais começaram igualmente a não ser pró ou anti qualquer dos contendores. Sem isto, a Rússia não poderia ter desdobrado tão impunemente, no mundo livre, os desmoronamentos sucessivos que todos conhecemos.

Ora, destes, o mais trágico, o que é a quintessência, a síntese e o apogeu de todos os outros (em matéria de desmoronamento, "apogeu" é sinônimo de ruína total), o acordo Salt 2, assinado – horresco referens – na encantadora e nobre capital austríaca, onde outrora refulgira a glória do Sacro Império Romano Alemão, onde mais tarde lutara com inteligência e morrera com dignidade o chanceler Dollfuss, e onde por fim sucumbira honestamente e com destemor o chanceler Schuschnigg.

A partir do momento em que a Rússia se torna, de um lado virtualmente mais forte do que os Estados Unidos no campo militar, e de outro lado vence a guerra psicológica revolucionária pela "dopagem" da opinião pública mundial, que chega a constatar com apatia o triunfo potencial do adversário, o que mais falta? Senhora da propaganda que desmobiliza os espíritos, bem como da primazia militar universal, o que a separa ainda do domínio universal?

Em bom português, a questão é esta e não outra.

E, humanamente falando, o futuro do mundo fica dependendo apenas desta pergunta: conseguirão os anticomunistas norte-americanos sustar a ratificação, pelo Senado, da Munique 2 que Carter subscreveu, chamberlainescamente? Caso sim, ainda será possível ao Ocidente retomar a melhor. Caso não...

A tal respeito, as esperanças são contudo maiores do que o público brasileiro pode avaliar pelo noticiário corrente. Os anticomunistas norte-americanos iniciaram uma brilhante batalha contra a Munique 2. E tudo leva a crer que aproveitam as folgas de verão para se enrijecerem e se articularem ainda mais.

Pretendo publicar no próximo artigo toda uma série de notícias a esse respeito. A título de aperitivo, vão as seguintes:

1. Em entrevista coletiva, o senador Gordon Humphrey e o deputado Robert Bauman anunciaram o início de uma campanha nacional contra o acordo Salt 2. Ambos lideram uma numerosa coalizão de entidades conservadoras e de grupos de ação política, a "Coalizão pela Paz através da Força", à qual pertencem duzentos deputados e senadores de ambos os partidos norte-americanos. O início da campanha foi marcado pelo envio de cartas pessoais a todos os senadores, assinadas pelas 350 organizações que compõem a coalizão, afirmando que seus dez milhões de membros trabalharão pela derrota, nas próximas eleições, de todos os senadores que votarem a favor do Salt 2. O escritor Howard Phillips, presente à entrevista, anunciou que a campanha constaria de conferências em todo o país, promovidas por altos oficiais da reserva, de abaixo-assinados, de cartas escritas por eleitores aos senadores, e de uma campanha de esclarecimento da opinião pública sobre o assunto. A coalizão iniciou o envio de cerca de vinte milhões de cartas a eleitores de todo o país, pedindo que escrevam aos senadores de seu Estado dizendo-lhes que votem contra o acordo Salt (cf. "The Review of the News", Belmont, Massachusetts, 27-6-79).

2. Em discurso perante a "Coalizão, por uma Maioria Democrática", o senador Jackson (democrata) declarou que o Salt 2 é uma capitulação aos russos tal e qual a dos ingleses frente aos nazistas na década de 30. "Aceitar um tratado que favorece os russos como este o faz, argumentando-se que seria pior sem ele, é uma capitulação em sua forma mais pura" (cf. "The Review of the News", Belmont, Massachusetts, 27-6-79).

3. A "Coalizão pela Paz através da Força" promoveu em Washington uma entrevista coletiva à imprensa de vários generais e almirantes da reserva opostos ao Salt 2. Nessa entrevista foi lançado um estudo de 78 páginas preparado pela coalizão analisando o tratado e mostrando que ele é "um símbolo da perda de nossa determinação de nos defendermos, e ao mundo livre, da expansão soviética". A coalizão afirmou que o acordo dará aos comunistas uma vantagem de 2 a 1 em armamentos ofensivos estratégicos, de 47 a 1 em armamentos defensivos estratégicos, e de 6 a 1 em megatonelagem de mísseis. Estiveram presentes ao lançamento da campanha, entre outros, os ex-chefes do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, o general Lemnitzer e o almirante Moorer; o ex-secretário da Marinha, Middendorf, e o ex-secretário da Aeronáutica, Reed; o general Stilwell, ex-comandante-em-chefe das forças da ONU na Coréia; o general Singlaub, ex-comandante do Estado-Maior das forças da ONU na Coréia; o general Keegan, ex-chefe do Serviço de Inteligência da Força Aérea; e o general Graham, ex-diretor do Serviço de Informações do Pentágono (cf. "Insider", Report of the Coalition for Peace through Strength, no. 4, maio de 1979).


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