Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

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2 de dezembro de 1980

Recortar, perguntar... meditar

"Quando o homem não age conforme pensa, acaba por pensar conforme age": a reflexão é do romancista francês Paul Bourget (*), o qual, algum tanto esquecido hoje, encheu entretanto, com o brilho de seu nome, o mundo culto do "avant-guerre" [final do séc. XIX até 1914, n.d.c.] e do "entre-deux-guerres" [1919-1939].

Bourget tinha razão. Tal é a natural realeza do pensamento em tudo quanto é humano, que o homem não consegue perdurar em conflito com ele. Em consequência do que, ou o homem se deixa dirigir pelo que pensa, e acerta no caminho; ou então deforma seu pensamento, e rola no abismo. Por isto, a caudal dos historiadores não marxistas reconhece à história do pensamento um lugar central na história dos homens.

Em nossa época, entretanto, vai crescendo dia a dia o número – não dos que acertam ou dos que erram – mas dos que simplesmente não pensam.

O homem de hoje pensa cada vez menos e, em seu espírito, o vazio deixado pelo pensamento vai sendo substituído por não sei que despóticas e sutis psicoalavancas manuseadas por não sei que dedos.

Em consequência, ajudar aos que ainda pensam a não se deixarem tragar pela indiferença é obra de indiscutível mérito.

Assim, leitor, ponho-lhe em mãos uns textos que lhe facultem despertar em torno de si o hábito de pensar. Com eles, o sr. poderá ajudar os que estão afundando no vazio mental, como também reerguer do fundo desse vazio quem se tenha deixado cair nele.

Essa obra boa, o sr. poderá fazê-la quase à maneira de um jogo de salão. Se quiser, recorte cada tópico destes, e mostre-o a alguns amigos fazendo-lhes as seguintes perguntas:

1) se é verdade o que diz o recorte;

2) quem lhe parece ser o autor de cada tópico;

3) segundo seu interlocutor, como reagiria face a cada recorte um "esquerdista católico", caso este o atribuísse: a) a outro esquerdista; b) a um anticomunista.

Por esse simples jogo, o interlocutor, seja de esquerda ou não, se porá a refletir. E o leitor terá assim contribuído para arrancar – ou para preservar – alguém do abismo do não-pensamento.

Passo agora a apresentar os trechos:

1. "É muito importante o apoio dos setores religiosos à revolução. (...).

"Se a revolução na América Latina adotasse um caráter anti-religioso, semearia a divisão no meio do povo. (...).

"Não há dúvida de que o movimento revolucionário ganharia muito, o movimento socialista, o movimento comunista, o movimento marxista-leninista ganharia muito na medida em que dirigentes honestos da Igreja Católica e outras Igrejas voltassem ao espírito cristão da época dos escravos de Roma. E, digo, não só ganharia o socialismo e o comunismo, ganharia também o cristianismo. (...).

"Estou absolutamente convencido de que a receita é altamente explosiva" ("Vida Nueva", Madrid, 11-10-80).

Assim, cooperando com os comunistas, os católicos tomam uma atitude explosiva.

2. Os setores progressistas do clero, que lutam pela liberdade e pela defesa dos interesses do povo, "são hoje aliados" do PCB. A Igreja nos últimos tempos passou a se preocupar "com os que vivem na terra". Por esse motivo, o clero tem entrado em conflito "com os exploradores". Ora, "é melhor que o cidadão entre no céu com saúde do que doente". Nesse contexto, a nova posição da Igreja "é justa e correta" ("A Tarde", Salvador, 2-11-80).

Se o autor dessas declarações é comunista, a "receita explosiva" já estaria em curso. Mas é mesmo comunista esse autor?

3. "A Igreja está infiltrada por organizações acatólicas que trabalham politicamente para a derrubada do regime e pela sua substituição por uma organização econômica e política de caráter socialista e centralizador. Bispos e cardeais sabem que, no encaminhamento de reivindicações de suas dioceses, caminham, lado a lado, com o MR-8, o Partido Comunista do Brasil e seus congêneres. "Sabem e gostam, porque jamais denunciaram essa situação. Pelo contrário, há bispos que sabem ter participado de reuniões práticas com representantes dessas organizações e nada viram de errado nisso" ("Jornal do Brasil", 31-10-80).

Agora, vamos aos autores:

1º) Quem é o do tópico número 1? – Fidel Castro. Acrescento que "Vida Nueva" é uma das mais importantes revistas de "esquerda católica" da Espanha. Se eu – ou algum companheiro de pensamento ou de ação – tivesse feito declarações análogas sobre a presente impostação socioeconômica de tantos dirigentes da "esquerda católica", seríamos tachados por esta última de irreverentes, de caluniadores etc. Como a assertiva procede de Fidel Castro, que nos conste ninguém da "esquerda católica" protestou. "Dize-me com quem andas, dir-te-ei quem és", afirma o velho adágio. "Dize-me com quem és propenso a brigar, e te direi quem és... Dize-me com quem és propenso a não brigar, e também te direi quem és". Esses são dois corolários que, à guisa de comentário, deixo consignados aqui.

2º) Esta análise dos "setores progressistas do clero", da "nova posição da Igreja" é do sr. Giocondo Dias, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, e faz lembrar declarações congêneres, ainda mais estrepitosas, de Luís Carlos Prestes. Para muito "católico de esquerda", análoga afirmação da TFP seria tachada sumariamente de caluniosa. Mas, procedendo do dirigente do PCB, não tem importância: ele é bom amigo... ("dize-me com quem és propenso a brigar, dize-me com quem não és propenso...").

3º) O autor é o sr. Elio Gaspari, diretor-adjunto de "Veja". Citando-o, não tenho a intenção de o qualificar ideologicamente. Mas é certo que essas suas afirmações, feitas em artigo para o "Jornal do Brasil", passaram sem o menor protesto da "esquerda católica". Fosse dizê-las algum católico anticomunista...

Agora, prezado leitor, se o jogo lhe agrada, é só recortar, perguntar, ouvir, discutir e meditar.

(*) Nota: Paul Bourget (1852-1935); “Le démon de midi”.


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