Em torno de um discurso

 

"O Legionário" Nº 201, 5 de julho de 1936

 

A oração do Sr. Paulo Nogueira Filho, que tão elogiosas e justas referências mereceu de toda a imprensa, também deve ser glosada por um comentário nosso. Resumindo em duas palavras o seu discurso, poderíamos dizer que sua senhoria começou por salientar o caráter social e moral da atual crise brasileira, e apontar o terreno das realizações sociais, como a arena em que se deve ferir a luta entre os defensores e os inimigos da civilização. De passagem, lembra o que, nesse terreno, já tem feito a Igreja. Finalmente, recorda que não seria justo, sob pretexto de enfrentarmos o problema brasileiro no terreno social, nos esquecêssemos do terreno político. Também aí, há uma tarefa a realizar. E esta tarefa, segundo o orador, consiste em rejuvenescer a democracia, pela formação de grandes partidos políticos, simultaneamente órgãos de educação física, cívica e moral, e de direção eleitoral.

Estamos de acordo com quase todas as teses do ilustre deputado paulista. A dizer a verdade, tais teses não são novas. Em todos os tratados de sociologia elas são demonstradas com grande abundância de argumentos.

O mérito do discurso do Sr. Paulo Nogueira Filho não está, pois, na novidade intrínseca dos conceitos que emitiu, mas da sua novidade no ambiente político brasileiro. Digamos a verdade: no Brasil, não se cuida senão muito raramente de política. Em geral, o que nossos homens de Estado fazem é politicagem. Ora o discurso do Sr. Paulo Nogueira Filho teve o mérito de abrir exceção à regra, e de cuidar de Política, no sentido nobre que esta palavra tem. Outra circunstância que merece nota e aplauso, é que o Deputado Paulista não falou em nome individual, mas em nome do Partido a que pertence. Ora para todos os brasileiros deve ser motivo de júbilo, ver que o Partido Constitucionalista está adotando diretrizes tão oportuna e tão novas, no cenário político brasileiro.

Fazemos essas afirmações com a mais rigorosa imparcialidade. Não queremos, com isto manifestar a menor preferência política por quem quer que seja, mas manda a justiça que se tributem louvores a quem os merece.

Uma grande restrição, porém, devemos fazer ao discurso do Sr. Paulo Nogueira: é no que relaciona com os partidos políticos.

Não acreditamos, de modo nenhum, nas virtudes que o Sr. Paulo Nogueira Filho vê, nos Partidos Políticos organizados à moderna, com campos de educação física, e departamento de formação intelectual e moral. Todos os Países europeus que têm organizado por essa forma os seus partidos sofreram, por isto, diversas crises.

Em primeiro lugar, a educação moral não incumbe a qualquer Partido, mas à Igreja e ao Estado. Manipulando violentamente a mentalidade das massas, os Partidos políticos hipertrofiam nelas a noção da importância da política. Aparece uma espécie de misticismo político, que coloca as preocupações partidárias acima do patriotismo, acima do sentimento de respeito à autoridade constituída, e principalmente acima do sentimento religioso.

Educar física e moralmente é função da Família, do Estado e da Igreja - esta moralmente apenas, - e cada vez que um indivíduo encontre sua educação física e moral, não no lar, nem na escola, nem na Igreja, mas no partido, ele começa a considerar o partido como alguma coisa infinitamente superior à Família, ao Estado e à Igreja.

Daí, em primeira plana, a idéia de que a ação católica é coisa de importância secundária, e que só a ação política, merece apoio e dedicação, porque só ela é fecunda em resultados imediatos e vigorosos.

Em segunda plana, vem a idolatria dos "leaders". Todos os "entraineurs" de massas sabem muito bem que, se uma multidão é capaz de um entusiasmo igual a X, por um determinado ideal, ela é capaz de um entusiasmo igual a X MAIS MIL, se esse ideal se concretiza em um homem apontado, por uma propaganda sagaz, como o salvador do País.

É curioso como a nossa época, que repudiou o Salvador, procura salvadores. Por toda parte eles pululam. Aos poucos, o prestígio de programa partidário vai desaparecendo, para só ficar o prestígio do mentor do Partido. É um homem, que se apodera da opinião pública, e que, com a onipotência nas mãos, governa o País, prescindindo do apoio de quaisquer forças organizadas, quer de ordem espiritual como a Igreja, quer de ordem econômica como as corporações, quer de ordem intelectual como as instituições culturais, as sociedades científicas, as associações técnicas, etc.

Chegados a essa altura, verificamos que, por um processo certíssimo, a vida partidária hipertrofiada, que o ilustre deputado Paulista preconiza, asfixiará e sufocará necessariamente a democracia. Teremos, portanto, como certo que o remédio produzirá efeito oposto ao que desejava quem o receitou.

Essa apoplexia das modernas democracias, provocada pelo excesso de vitalidade de seus órgãos, que são os partidos, será um bem ou será um mal?

Não nos pronunciamos a este respeito. Não somos liberais, nem democratas, nem integralistas. SOMOS SÓ CATÓLICOS, deixando a cada um de nossos leitores a liberdade de aliar às suas convicções religiosas qualquer preferência política legítima.

No entanto, uma pergunta aqui fica. Admitamos que o desideratum do Sr. Paulo Nogueira se realize. Diante da hipertrofia dos sentimentos partidários, nada terá a perder a ação católica, ainda incipiente e portanto ainda desaparelhada para formar devidamente seus elementos?