Enfeites e pingos

 

"O Legionário" Nº 207, 30 de agosto de 1936

 

Como já tivemos ocasião de declarar, nos bastidores políticos já vai acesa a luta em torno da sucessão do Sr. Getúlio Vargas. Os ingênuos dirão talvez que a questão está sendo suscitada muito prematuramente, e que o Sr. Getúlio Vargas e os Governadores dos Estados deveriam tratar dos grandes interesses nacionais, em lugar de se absorverem em uma luta política inteiramente estéril para a Nação.

Estamos de acordo com essa observação. Realmente, os grandes interesses nacionais nada têm a lucrar com essa pressa que os políticos manifestam, de escolher o sucessor do Sr. Getúlio Vargas. Do ponto de vista do patriotismo, a questão pode e deve ser adiada.

Isto do ponto de vista do patriotismo. Mas, do ponto de vista das preocupações pessoais, a coisa é outra: não apenas é oportuna como até já é um pouco tardia a realização das atuais "démarches" políticas.

Realmente, a Constituição Federal, no art. 52, § 6º combinado com o art. 112 nº 1, determina que os Governadores dos Estados que queiram candidatar-se à Presidência da República devem resignar as suas funções um ano antes das eleições presidenciais.

Evidentemente, a Constituição é dura. Ninguém pode candidatar-se sem renunciar a seu cargo com larga antecedência. E nem mesmo o mais inocente dos brasileiros ignora quanto a palavra "renúncia" soa mal aos ouvidos da maior parte dos nossos políticos, seja qual for o sentido em que a palavra se aplique.

Sendo renúncia uma coisa tão penosa, ninguém se exporá a deixar definitivamente o cargo de governador, sem estar bem certo de que sua candidatura à Presidência da República é fortemente viável.

Por sua vez, ninguém pode ter esta certeza, sem fazer, a respeito, longas e prolixas conferências com os principais chefes políticos do Brasil inteiro. Essas conferências e "démarches" levando no mínimo um ano, elas devem ter início 365 dias antes da renúncia, isto é, dois anos antes das eleições. Ora estamos a menos de dois anos de distância da eleição do sucessor ao Sr. Getúlio Vargas, que se não nos enganamos, será em fevereiro de 1938. Chegamos pois, ao prazo mínimo dentro do qual o problema deve ser tratado.

Mas, dirá alguém, o que tem de ver o Brasil com tudo isto? A repressão ao comunismo exige um ambiente de paz que possa tornar possível a cooperação de todas as correntes políticas conservadoras ou reacionárias, contra o inimigo comum. À vista de uma situação tão grave, não seria de se esperar que os Srs. candidatos pacientassem um pouco?

Estamos de acordo. Mas... nossa política é assim.

* * *

Como está sendo colocada a questão, nos bastidores da nossa política? Como já dissemos em artigo anterior, São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul estão deliberando sobre o assunto. Consta até que mais de um Governador desses Estados - para bom entendedor meia palavra basta - está se enfeitando para a Presidência da República.

No que consiste esse enfeite? É fácil responder. Cada um dos futuros candidatos começa a mostrar qualidades morais ou intelectuais ao público. Alguns, como o pavão de Lafontaine, mostram a beleza de sua penas. Outros, como as gralhas, mostram a beleza de penas que não são suas. Uns e outros, em todo o caso, se exibem aos olhos do público, não diretamente, mas através de uma propaganda habilmente arquitetada.

Nosso público, porém, é um público desconfiado e "blasé". A propaganda partidária o impressiona pouco. E, por isto, os políticos mais hábeis no "fazer" a opinião do povo já estão lançando mão de um recurso novo. Consiste ele na propaganda indireta. Revistas admiravelmente bem feitas, mas sem um fim oficialmente afirmado; correntes ideológico-sociais sem um caráter partidário explícito; banquetes e homenagens sem uma intenção política patente; tudo isto que por aí prolifera não é outra coisa senão o árduo trabalho de "preparar" um candidato.

Basta abrir um pouco os olhos em torno de nós, para que percebamos que também em Piratininga a arte dos enfeites artísticos e complicados não tem sido desdenhada. Muito pelo contrário, neste terreno como nos outros, São Paulo está na vanguarda. Não sei de mais perfeitas oficinas de enfeites eleitorais do que as que atualmente aqui estão montando...

Nas alterosas, o Sr. Benedito Valadares também se enfeita. A raposa aristocrática e astuta que se chama Antônio Carlos Ribeiro de Andrada está renovando seu arsenal de atrativos eleitorais. E o Sr. Flores da Cunha já está limpando as esporas barulhentas e escovando o "ponch" aparatoso com que pretende impressionar as massas e arrastá-las atrás de si. Há até quem diga que S. Ex.a está pensando em utilizar novamente os seus bravos "pingos" muito conhecidos do obelisco da Capital Federal. O Sr. Oswaldo Aranha também não dorme. Dizem informantes seguros que mais de um emissário tem ido e vindo entre Washington e o Rio.

O que sairá dessa confusão? Querem os leitores nossa impressão? na "hora H", o Sr. Getúlio Vargas tirará da algibeira um papelzinho com o nome de sua preferência. E esse vencerá. Será católico ou não? Pouco importa. Os católicos terão de aceitá-lo de qualquer jeito...