Legionário, N.º 237, 28 de março de 1937

A Intervenção no Distrito Federal

Para qualquer cidadão brasileiro dotado de uma pequena grama de bom senso, é evidente que o Sr. Pedro Ernesto Baptista, ex-prefeito do Distrito Federal, é comunista. Bastaria a designação do Sr. Anysio Teixeira para seu Diretor de Instrução Pública, bastariam as sabidíssimas conivências do ex-prefeito com elementos comunistas, bastariam as opiniões de S.Sa. geralmente conhecidas nos meios políticos do Rio de Janeiro, para comprová-lo exuberantemente. Mas essa comprovação não é necessária. Em São Paulo, está profundamente vincada no espírito público a persuasão de que o Sr. Pedro Ernesto é comunista. E, no momento, isto nos basta como ponto de partida para algumas considerações sobre nossa situação político-religiosa.

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Não ignoramos que a participação do Sr. Pedro Ernesto na revolução de 35 não é a única nem a principal causa de suas recentes desventuras políticas. Altas causas, relacionadas com a vida política do Distrito Federal e do País, contribuíram eficientemente para isto. Estas causas continuam em jogo no atual momento, quando se trata de intervir no Distrito Federal.

Entretanto, por mais prementes que sejam as causas da desgraça política do Sr. Pedro Ernesto, para qualquer brasileiro sinceramente católico, essa desgraça está amplamente justificada pelos pendores comunistas de S. Sa. Realmente, o Distrito Federal, como grande cidade que é, constitui ponto de infeção particularmente exposto à propaganda comunista. Colocado à testa do Distrito um comunista qualquer, está virtualmente colocado o fogo junto à palha. E o incêndio não se fará esperar.

Desgoste, pois, a quem desgostar, prejudique a quem prejudicar, irrite a quem irritar, um católico brasileiro não pode ser favorável à reintegração do Sr. Pedro Ernesto à testa do grande município carioca.

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Na sua linguagem ardente, repassada de uma santa violência, São Paulo se refere a uma espécie de gente cujus Deus venter est”, isto é, que fazem um Deus, de seu próprio ventre.

Não apenas os católicos, que reconhecem a Santíssima Trindade como único Deus verdadeiro, mas também certos burgueses adoradores do próprio ventre, teriam razão para não desejar a reintegração do Sr. Pedro Ernesto na direção do Distrito Federal. Há muitos burgueses que vivem exclusivamente do dinheiro, pelo dinheiro, e com o dinheiro. Para ganhar dinheiro, expõem-se aos maiores sacrifícios. Viver com dinheiro é para eles a suprema ventura. Praticar as maiores torpezas por amor ao dinheiro, constitui para eles gesto de vulgar bom senso.

Pareceria natural que essa gente visse no Sr. Pedro Ernesto  uma espécie de capeta, pronto a perturbar a sua vida “gozada”. E que, portanto, se não por amor ao Cristo, ao menos por amor ao ventre, estivessem dispostos a lutar contra o grave perigo que constitui a entrega do governo municipal da Capital do País a um assecla dos revolucionários de 1935.

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A confusão de nosso ambiente político é, porém, tão grande que poucos são os que pensam assim. Quase todos sacrificam seus interesses mais fundamentais, os espirituais como os materiais, por uma pequena vantagem política imediata. Pensam no dia de amanhã. Para depois de amanhã, poderá vir o dilúvio. Pouco lhes importa. O que é necessário é organizar a vida no dia de amanhã.

Deu disto um exemplo frisante a nossa Câmara Municipal, quando aprovou uma moção de protesto contra a intervenção no Distrito Federal.

Na Câmara Municipal, haverá talvez vereadores cujus Deus venter est”. Mas há muitos outros que timbram em dirigir suas adorações mais alto, aos pés puríssimos do Filho de Deus. Como em todos os lugares, há na Câmara Municipal alguns profiteurs de grande estilo. Mas há também idealistas de cuja sinceridade não nos seria lícito nem agradável duvidar.

Idealistas e profiteurs estes por interesse, aqueles por idealismo, deveriam ter silenciado ante a intervenção no Distrito Federal. Por mais altas que fossem as razões políticas que militassem em prol da moção, por mais nobre que fosse o espírito de autonomia que ditou a moção, não é consentâneo com os legítimos interesses do povo brasileiro que se coloque à testa do Distrito Federal a um comunista. Porque, não querendo ter um interventor nomeado pelo Sr. Getúlio Vargas (o que realmente não é agradável, e os paulistas o sabem melhor do que ninguém), os cariocas correm o risco de ter, na pessoa do Sr. Pedro Ernesto, um ditador-mirim governado pela III Internacional.

E o povo brasileiro não quer, não pode e não deve concordar com isto.