Legionário, N.º 247, 6 de junho de 1937

Uma situação que não pode continuar

Está se tornando cada vez mais necessária uma forte pressão do elemento católico brasileiro sobre nossas autoridades federais, para fazer cessar uma situação de clamorosa injustiça, em que está empenhada a própria dignidade do Brasil. À vista do conflito que dilacera a Espanha, todas as nações civilizadas se dividiram em dois grupos, um dos quais é francamente favorável ao governo nacionalista, enquanto o outro mantém uma atitude de simpatia e de cooperação velada com os governistas.

Evidentemente, as nações  que auxiliam os governistas cometem um grave crime de lesa-civilização, e maculam as páginas de sua História com uma mancha indelével. Não há argumento político bastante forte para justificar a atitude de cumplicidade de uma nação qualquer com o grupo de aventureiros internacionais que infesta a Espanha, incendiando as igrejas, devastando os lares e trucidando os melhores elementos da população. Seja qual for a vantagem política ou econômica colimada pelos países que auxiliam os comunistas espanhóis, essas vantagens não terão outro significado, aos olhos dos moralistas imparciais, do que o dos trinta dinheiros nas mãos de Judas.

O Brasil, portanto, não deve de modo nenhum, em caso nenhum, sob pretexto nenhum, enfeudar-se a este grupo de nações traidoras, abandonando os governos que estendem fraternalmente a mão à Espanha, auxiliando-a a libertar-se da insólita agressão que contra ela pratica a III Internacional. Isto é para o Brasil, como para qualquer outro país, uma questão de honra.

Entretanto, com viva dor, somos forçados a confessar que tal não se tem dado.

Nosso Governo tem mantido uma atitude de absoluto alheamento em relação às duas facções em luta. Ao que sabemos, o Itamaraty nem sequer foi promover a realização de qualquer outra obra de auxílio às vitimas dos vermelhos. A despeito da intervenção insolente que o bando de Largo Caballero procurou praticar na política brasileira há não muitos meses, continua nosso Ministério do Exterior em uma atitude de absoluta cordialidade com o Governo de Valência, fingindo ignorar tudo quanto se passa na Espanha.

Infelizmente, não é só isto que se verifica. Há ainda pior. Até agora, não foi possível persuadir o Itamaraty de que deve restabelecer relações diplomáticas normais com o Governo de Burgos.

Qual a razão que pode ser alegada por nosso Governo, para explicar essa injustificável atitude? De um lado, há assassinos vulgares, criminosos que só se diferenciam dos outros pelo caráter particularmente celerado de seus delitos. Do outro lado, há um grupo de bravos generais, tendo atrás de si todo o escol intelectual e moral da Espanha. Entre os dois grupos, qual deles é reconhecido pelo nosso Governo? O dos homens de bem? Não. O dos salteadores internacionais. Logo que consigam sufocar o Movimento Nacionalista se atirarão sobre a América Latina, procurando atear nela o incêndio das lutas sociais. Foi este o caminho que nossa diplomacia preferiu...

Uma noticia publicada por “El Pueblo”, o valoroso diário católico de Buenos Aires, informou-nos de que o Governo de Lima está disposto a iniciar uma série de démarches diplomáticas junto a todas as Repúblicas sul-americanas, para induzi-las a romper as relações com os comunistas espanhóis.

Nossos jornais não reproduziram esta auspiciosa noticia. Nós, no entanto, insistimos em torná-la conhecida de nossos leitores. Porque desejamos que eles possam observar a linha de conduta que o Itamaraty vai seguir nesta emergência.

Se as declarações que tantos e tantos dos próceres situacionistas proclamam que nosso Governo quer dirigir o Brasil de acordo com os princípios da “civilização cristã” forem verídicas e sinceras, o Brasil romperá com Valência. Ou, quando nada, também reconhecerá oficialmente os representantes do Governo de Burgos, que este já constituiu em nosso território e que, por enquanto, não são reconhecidos como agentes diplomáticos ou consulares por nossas autoridades.

Mas se o Itamaraty silenciar, nós, católicos, já poderemos tirar uma conclusão rica em frutos para o futuro: os católicos não podem confiar nesse vago “cristianismo” de encomenda que, para fins eleitorais, brota hoje, a todo propósito e até sem propósito, nos lábios de nossos políticos.