Legionário, No 261, 12 de setembro de 1937

O discurso do Sr. Getúlio Vargas

Toda a Nação esperava com ansiedade o discurso que o Presidente da República ia pronunciar no dia 7 de Setembro.

Para tanto, sobravam as razões. Em primeiro lugar, o Sr. Getúlio Vargas é incontestavelmente, no terreno político, o homem mais poderoso do Brasil. Segundo a tradição republicana, todos os Presidentes, ao cabo do primeiro biênio, entram em decadência política, e, nos últimos dias do quatriênio, já não valem nada. O Sr. Getúlio Vargas, pelo contrário, conserva seu prestígio tão fresco e tão intacto como se tivesse assumido ontem a suprema magistratura da Nação. A prova manifesta disto está na conduta que os Srs. José Américo e Armando Sales assumiram perante S. Ex.a. Destemperado como é, o Sr. José Américo não tardaria a dizer algumas coisas desagradáveis ao Sr. Getúlio Vargas. E disse-as. Mas, comparando as pedras que atirou ao Presidente da República com as que costuma atirar a todos e quaisquer cidadãos que têm a desventura de lhe desagradar, vê-se que elas não passaram de insignificantes pedregulhos de jardim, projétil bom para folguedos entre crianças ou namorados, e nunca arma adequada para polêmicas de caráter partidário. A verdade é que o Sr. José Américo parece ter respeito e medo do Sr. Getúlio Vargas.

E é preciso confessar que não é fácil meter medo no intrépido político nordestino. Quanto ao Sr. Armando Salles, assumiu perante o Sr. Getúlio Vargas uma atitude perfeitamente getuliana. Rompeu com ele. Aliou-se a todos os seus adversários. Lança ao Sr. Flores da Cunha um olhar cheio de compaixão e de solidariedade. Porém nunca abandona a precaução eminentemente getuliana de não fazer uma única declaração que lhe possa fechar a retaguarda para uma eventual reconciliação com o ilustre habitante do Palácio Guanabara. Ao menos até o presente momento, é o que se nota. Estes fatos e muitos outros provam que o Sr. Getúlio Vargas continua a ser o árbitro da política nacional, e que é ainda dos lábios sibilinos de S. Ex.a que sairão as palavras que marcarão os rumos que o Brasil seguirá nos dias tormentosos que vivemos.

Por tudo isto, e porque são inúmeros e gravíssimos os problemas que dependem de uma solução presidencial, esperava a opinião pública que o Sr. Getúlio Vargas fizesse no dia 7 de setembro um discurso político de larga sensação.

* * *

 

Que rumo tomará o Brasil? Ou, melhor, por que rumo empurrarão o Brasil?

 

Indubitavelmente, havia certa ingenuidade em esperar-se do Sr. Getúlio Vargas um discurso de sensação. S. Ex.a é inimigo das coisas barulhentas, porque barulho e despistamento são coisas inconciliáveis. Mas, apesar de todos os pesares, havia uma razão que parecia justificar a expectativa geral. É que inúmeros boatos circulam atualmente e, neles, se atribuem ao Sr. Presidente da República intenções algumas das quais são muito pouco lisonjeiras. O Sr. Pedro Vergara, prestigioso político dos mesmos pampas em que o Sr. Getúlio Vargas nasceu, escreveu há dias, em letra de forma clara e legível, que o Sr. Getúlio Vargas está preparando um golpe comunista “pour épater les bourgeois” e ter pretexto para se desvencilhar da Constituição. Outros propalam que o Sr. Getúlio Vargas chamará ao poder os integralistas, abandonando o candidato escolhido pessoalmente por S. Ex.a com o qual foram assumidos compromissos gravíssimos. Outros, finalmente, dizem que o Sr. Getúlio Vargas ainda não abandonou a idéia de um “tertius” misterioso cujo nome ninguém conhece, mas cujas iniciais até mesmo os que são muito pouco maliciosos adivinham: G. V. Outros dizem que não é bom assim, mas GG.

À vista disto, pareceria do interesse do Sr. Getúlio Vargas definir-se. Está disposto a reprimir o comunismo? Quer continuar a governar sob o signo do barrete frígio? Prefere mandar às urtigas o fraque presidencial para envergar uma camisa verde? Quer voltar às doçuras da vida privada? Pareceria urgente uma definição.

Entretanto, essa definição S. Ex.a não a fez. Em alguns tópicos, há críticas que tanto se pode supor que foram dirigidas ao Sr. José Américo, como ao Sr. Plinio Salgado e até, se se quiser, ao Sr. Armando Sales. Outro trecho faz o elogio das democracias fortes. Ora, o Sr. José Carlos de Macedo Soares deu a entender que é preciso consolidar o poder do Estado no regime democrático atualmente vigente, enquanto o Sr. Plinio Salgado afirma que vai implantar no Brasil a democracia forte que só se realizaria plenamente sob o regime integralista. Com qual das duas receitas de “democracia forte” ficará o Presidente da República? Por outro lado, em um dos tópicos de seu discurso, o Sr. Getúlio Vargas afirma que é essa a última alocução que dirigia aos Brasileiros como Presidente da República, e, um pouco mais adiante, insinua que é preciso revogar as constituições que atrapalham a vida política de um país. O que fará S. Ex.a? Cumprirá a Constituição, deixando o poder? Ou revogará a Constituição? Seu discurso abre margem para ambas estas hipóteses.

* * *

A opinião pública está extenuada com os atuais acontecimentos políticos de que ela é mera paciente espectadora.

 

Infelizmente, pois, o País não ouviu, no seu natalício político, a palavra clara e tranquilizadora que queria ouvir. E por isto os boatos continuarão a fervilhar incoerentes, alarmantes, contraditórios e anarquizadores.

Mas ninguém se contrariou. A opinião pública está extenuada. Nada mais a comove, nada mais lhe causa pasmo, nada mais a pode indignar. No atual estado de coisas, quando se desenrola uma política de que ela é mera paciente e espectadora, ela não procura intervir, nem reclamar, nem mesmo compreender. É nessa dolorosa situação, que o Brasil festejou o 115º aniversário de sua independência.