Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

À margem do hitlerismo...

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, N.º 267, 24 de outubro de 1937, pag. 8

  Bookmark and Share

 

Nosso clichê representa milhares de braços num gesto entusiástico de solidariedade ao Führer alemão. O que significa esse gesto? Um juramento de fidelidade incondicional. A quem essa obediência prestada por milhares e milhares de pessoas? Ao Sr. Adolf Hitler, o homem sob cuja autoridade se está restaurando o culto dos velhos deuses mitológicos, que para honra da civilização todos os homens sensatos supunham definitivamente destruídos pela obra missionária de São Bonifácio. E quem presta este juramento idolátrico? Índios? Negros do Sertão da África? Amarelos das encostas do Tibet? Não, alemães que tem atrás de si uma tradição de mais de mil anos de civilização cristã. Desde que se comemora nesta semana o dia das missões, não é inconveniente examinar este tremendo surto de idolatria, no seio de uma das nações mais gloriosas e mais cultas do mundo.

* * *

Começamos por não saber, verdadeiramente, o que o católico deve recear mais, se o ateísmo radical da Rússia, se o paganismo do Sr. Rosenberg. O primeiro é cruamente materialista na sua essência, amoral nas suas consequências, brutal no seu método. Na doutrina como na prática, representa um extremo oposto ao catolicismo. O paganismo do Sr. Rosenberg pelo contrário, não é ateu e, em certo sentido, dir-se-ia até que não é brutal. Mas afirma deuses falsos, e uma religião cuja prática conduz a consequências políticas e sociais exatamente idênticas às do comunismo.

Os horrores do amor livre comunista não são maiores do que os do nudismo “rosenberguista”. Por outro lado, se o ateísmo é o maior dos males, porque representa a negação completa de Deus, ele fere tão a fundo as exigências mais fundamentais do sentimento humano que não pode ser de longa duração em um povo. Enquanto o paganismo, dando certa satisfação a essas exigências, tem longevidade maior e sob este ponto de vista é mais perigoso para a civilização.

* * *

Como explicar na Alemanha este surto de paganismo e de barbárie?

A explicação é fácil. Como muitos outros movimentos da direita, o “nazismo” apresentava uma doutrina flutuante, que sob muitos aspectos se prestava a múltiplas interpretações. Entendida em sentido católico essa doutrina, poderia ser altamente louvada sobre muitos pontos de vista. Mas ela comporta outras interpretações nitidamente hostis à Igreja.

Assim, as fileiras hitleristas apresentavam vultos os mais antagônicos como pensamento, desde católicos convictos até protestantes intransigentes, ou pessoas que criam em um Deus vago que ninguém sabia no que consistia.

O pretexto para a formação desse conglomerado fantástico era a frente única contra o comunismo ateu.

* * *

Mas havia realmente uma grande desordem doutrinária no hitlerismo? Ou pelo contrário havia um pensamento central que tendia a tornar-se mais nítido e a absorver os demais pensamentos representados em suas fileiras?

Entre os católicos, os mais argutos começaram a optar pela segunda hipótese. Havia nas fileiras hitleristas um grupo de orientação nitidamente pagã que pleiteava a restauração do culto dos deuses germânicos. Essa corrente era a mais barulhenta, e seus representantes subiam gradualmente na hierarquia do partido. E muitos católicos viam nela a bússola que indicava rumo que o hitlerismo iria seguir.

* * *

E Hitler? O que dizia ele?

 Pessoalmente, dizia-se católico. E para dar de sua catolicidade uma prova irrefutável... ou considerada tal pelos ingênuos, chegou a receber a Sagrada Comunhão.

E o paganismo rosenberguiano? Aos católicos que se manifestavam inquietos, dava-se imediatamente uma resposta tranquilizadora: doutrinariamente, o neopaganismo era um tal absurdo que morreria por si mesmo. Não se devia prestar muita atenção ao aspecto positivo [negativo] e construtivo [destrutivo] do hitlerismo, que poderia apresentar falhas. O que era necessário, isto sim, era combater o comunismo. Subindo ao poder, Hitler, que era católico, arranjaria tudo. Para que prestar atenção nas asneiras de Rosenberg quando, nas fronteiras alemãs, rugia o monstro de Moscou?

* * *

Como sempre, os ingênuos e os previdentes entraram em conflito. E as hostes católicas se cindiram. Von Papen e alguns outros tomaram o rumo hitlerista. E graças ao apoio deles Hitler subiu.

E o Episcopado? Iluminado pelo Espírito Santo, já havia discernido o que havia de venenoso no hitlerismo e, antes deste galgar o poder, já o havia condenado.

Mas e os católicos alemães? Como católicos, como alemães, e até como hitleristas, deveriam ter profundo espírito de disciplina. Por que não acompanharam seus Bispos?

Porque o movimento hitlerista era absorvente. Quem jurara fidelidade ao Führer e frequentava os círculos hitleristas perdia o espírito de disciplina em relação à Igreja. E quando ela chamou ao aprisco as ovelhas desgarradas, estas já estavam longe demais, e não encontraram o caminho da casa paterna.

* * *

E o Sr. Hitler?

Começou a mostrar as garras. Deu toda a força ao Sr. Rosenberg e, hoje em dia, a mentalidade do Sr. Rosenberg é a do partido hitlerista. O que parecia inverossímil aos incautos se realizou. E os previdentes passaram pela amarga dor de ver confirmados os seus prognósticos.

* * *

E por quantas andam as coisas na Alemanha atualmente?

Um pequeno fato esclarece tudo. Em recente artigo, o “Osservatore Romano” informava que o Sr. Hitler havia baixado instruções para que se economizasse o mais possível o vinho e o trigo necessários à Transubstanciação no Santo Sacrifício da Missa e a comunhão dos fiéis. Além disto, deveria ser queimado o menos possível de óleo nas lamparinas junto ao Santíssimo Sacramento.

Enquanto essa miserável economia se fazia para com o Sacramento do Amor, eis uma estatística do que se deglutiu no Congresso de Nuremberg: foram consumidas 3.300.000 refeições  diárias, 400 mil quilos de salsichas, 800 mil quilos de carne, além de outros víveres.

Não é expressivo?

* * *

Mas há outras coisas curiosas. Enquanto a economia alemã não comporta certa largueza nem no emprego de farinha nas hóstias, o Sr. Hitler presenteou Sr. Mussolini com as insígnias da grã-cruz da Águia alemã, guardadas em uma pequena caixa de prata, com incrustações de âmbar. As insígnias são de ouro, cravejadas com brilhantes.

Assim, gasta-se com um homem imensamente mais do que se recusa a Deus.

Mas há mais ainda.

Enquanto se faz economia com o culto divino, economias insignificantes e miseráveis que rebaixam quem as faz, o governo hitlerista abria largos créditos... para o governo russo (!) emprestando-lhe dinheiro exatamente no momento em que ele se preparava a intervir na China.

O dinheiro que se nega ao culto de Deus se gasta com um simples mortal e, mais ainda, se fornece aos próprios inimigos  da civilização.

À margem deste fato monstruoso mas verídico, perguntamos de  passagem se o Sr. Hitler podia estar certo de que este dinheiro não seria empregado pelos sovietes para alimentar as mesmíssimas  tropas comunistas que o próprio Sr. Hitler combate na Espanha...

* * *

Mas ainda há mais.

A este homem, tão carregado de culpas perante a Igreja e a civilização, o Sr. Benito Mussolini, que nas linhas gerais de sua atuação tem mais de uma vez agido em sentido católico, dá o abraço afetuoso de um irmão e de um correligionário.

É este homem que o Sr. Mussolini convida para visitar a Itália, naquela mesma Roma onde se encontra o Coliseu no qual o paganismo procurou esmagar o Cristianismo. É certo que o Sr. Hitler se sentirá bem na cidade onde imperou Nero. Mas a Itália de hoje não é a de Nero mas a de São Pedro. E a presença de Hitler na Capital do Mundo católico e da catolicíssima Itália não poderá ser aprovada por nenhum católico do mundo.

Entretanto, até a data da visita já está marcada. Será em  julho do ano vindouro.

* * *

Cortesias oficiais entre chefes de Estado apenas? Não. Hitler e Mussolini  tem timbrado em provar que não são apenas chefes de Estado amigos, mas de partidos irmãos.

Por isto, o Sr. Hitler recebeu as insígnias de oficial honorário das milícias fascistas.

Se fosse uma distinção meramente internacional, poder-se-ia ter dado ao “Führer” alguma graduação honorária no exército italiano, como é usual entre soberanos. Mas a condecoração foi da milícia fascista.

Não é expressivo?

* * *

Tomará o fascismo o caminho do hitlerismo? Pedimos ardentemente a Deus que não. O gênio político do grande Mussolini, que já uma vez o deteve à beira do abismo, poderá mais uma vez conservá-lo no bom caminho.

Mas é inegável que o fascismo tem gravíssimos erros doutrinários. A prova disto é que algumas obras fascistas estão condenadas pela Igreja. E a aproximação exagerada do fascismo e do hitlerismo cria agora perspectivas sombrias.

Queira Deus tornar vãos nossos receios, para o bem das almas, salvaguarda da civilização e glória da Itália!


Bookmark and Share