Legionário, N.o 275, 19 de dezembro de 1937

Para que a independência do Brasil não seja um mito

Desde que o golpe de Estado de 10 de novembro colocou o Brasil em situação política inteiramente nova, o “Legionário” não tem poupado esforços para orientar seus leitores sobre o modo pelo qual devem encarar as numerosas reformas que tem sido feitas por meio de decretos leis ou anunciadas em discursos ou entrevistas dos membros do governo. No cumprimento desse dever, seguindo nossa invariável linha de conduta, temos timbrado em assumir atitudes da maior clareza, evitando a ambigüidade e a timidez com que a maior parte dos jornais paulistas tem encarado os últimos acontecimentos políticos.

Logo após o golpe de Estado, publicamos um artigo em que estudamos minuciosamente a situação jurídica criada para a Igreja pela nova Constituição e o destino que esta última deu às gloriosas conquistas católicas de 34. A seguir, mostramos que, no regime novo como no anterior, os católicos deveriam trabalhar ativamente para a recatolização do Brasil, e acentuamos que é dessa obra espiritual que depende, em última análise, o êxito de qualquer regime que aqui se venha a instaurar. No seu último artigo, finalmente, o “Legionário” definiu sua posição, quer perante a política corporativa, quer perante a política educacional adotada pelo Estado novo. Em matéria corporativa, mostramos que todos os católicos, seja qual for sua posição política, devem aplaudir a introdução do corporativismo no Brasil. Acrescentamos ainda que, se bem que o corporativismo se possa prestar a excessos condenados pela Igreja, nada há na legislação até aqui promulgada que indique qualquer tendência de nosso governo nesse sentido. Quanto à política educacional, esclarecemos que o fato de o Estado adotar uma filosofia como base de suas atividades pedagógicas o coloca em um dilema: ou essa filosofia será católica ou não. No primeiro caso, o atual Governo terá prestado ao País um dos mais assinalados serviços que lhe poderia prestar.

Serão reais os perigos que, segundo afirma a imprensa estrangeira, ameaçam a independência do Brasil?

Evidentemente, o que tem caracterizado nossos comentários é uma atitude de colaboração e de expectativa simpática. E nem poderia deixar de ser assim. Católicos e exclusivamente católicos que somos, estamos na disposição de cooperar com qualquer regime que não hostilize a Igreja. E, nessa atitude, outra coisa não fazemos senão obedecer as diretrizes da própria Igreja. Evidentemente, não queremos dizer que essa cooperação obrigue todos os católicos a qualquer incondicionalismo político. Mas todos os católicos são obrigados a cooperar com as autoridades em tudo que elas empreenderem de favorável à orientação católica, com reserva de sua independência em outros pontos. Parece-nos impossível falar mais claro.

A posição do “Legionário”, pois, é a mesma que sempre teve: sem compromissos políticos com quem quer que seja, sem incondicionalismo de espécie nenhuma, sem intromissão em qualquer questão que não interesse à Santa Igreja, ele está disposto a aplaudir tudo quanto se fizer de bom e também, tanto quanto lho permitirem as leis em vigor, a discordar de tudo quanto não lhe pareça conveniente. Se, no cumprimento desse dever, tiver de “pisar nos calos” de A ou B, tanto pior; nem por isto, deixaremos de seguir nosso caminho.

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Fizemos estas considerações para que se compreenda exatamente a posição inteiramente apolítica com que vamos abordar um dos pontos mais delicados da política brasileira atualmente, que é a influência estrangeira no Brasil.

Católicos, e exclusivamente católicos, somos exatamente por isto ardorosos patriotas. Sem tender para um jacobinismo imbecil, repugna-nos também aceitar uma atitude de displicência em relação aos mais fundamentais interesses de nossa soberania, pois que esta última atitude, além de imbecil, seria criminosa. Falaremos, pois, com toda a clareza possível.

Qualquer observador, ainda que inteiramente desprevenido, não poderá deixar de verificar que os artigos e comentários de imprensa européia e americana, relativamente ao Brasil, se tornam cada vez mais freqüentes, extensos e documentados.

Há poucos anos atrás, não era assim. Os jornais europeus se preocupavam com o Brasil como os do Brasil se preocupavam com as populações do interior da África ou do fundo da Austrália: ignoravam-lhes os nomes, e só tratavam delas para referir casos maravilhosos de serpentes que voam, de peixes que gritam, ou de estrelas que caem do céu carregadas de ouro.

Por que tanta diferença entre 1937 e 1934? A razão é óbvia. Cada vez mais, se aproxima do atormentado mundo contemporâneo o espectro de uma grande guerra. E com isto o Brasil cresce de importância, porque é um celeiro inesgotável de recursos de toda a natureza, desde o petróleo que se afirma existir no nosso subsolo, para abastecimento dos reservatórios dos automóveis e dos tanks”, até os alimentos destinados à nutrição dos combatentes. Sem qualquer sombra de patriotada, é lícito afirmar que o Brasil pode ser um aliado de decisiva importância em qualquer conflagração mundial.

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Isto posto, não é difícil perceber que as potências internacionais (...) haveriam de intervir em nosso política interna, para assegurar o eventual apoio do Brasil em caso de guerra. Essa “intervenção” faz-se por dois processos. Um deles constitui na formação de grandes, sólidos e compactos núcleos de imigrantes em certos pontos do território brasileiro, núcleos estes que, de um momento para outro, se poderiam transformar em verdadeiras rochellas dentro do Brasil.

O outro processo consiste em “manipular” habilmente os fantoches da alta politicagem, extraindo deles todos os proveitos políticos e econômicos que se pode desejar. Ambos os processos tem muito êxito, e tem sido largamente praticados. Para que alguém se cientifique do segundo desses processos, bastará ler algum dos capítulos de Gustavo Barroso sobre o “Brasil, colônia de banqueiros”, livro que, ao par de muitas afirmações infundadas e injustas, contém uma boa soma de verdades que até aqui pouca gente tem tido coragem de publicar. Para que alguém se inteire do primeiro, é suficiente olhar para os grande núcleos japoneses e alemães existentes pelo Brasil a dentro, não só em São Paulo mas ainda em Santa Catarina. Só os cegos poderão não ver o perigo que aí se manifesta.

O imperialismo bancário e o imperialismo imigratório constituem um problema que precisa ser resolvido.

Para que se reconheça que o perigo dessas grandes concentrações de núcleos estrangeiros não é quimérico, basta atender para o que se deu nos Estados Unidos, por ocasião da entrada desse país na grande guerra. Os alemães, austríacos, húngaros, etc., residentes na República, e seus respectivos descendentes, eram tão numerosos que os Estados Unidos tiveram de vencer imensas resistências internas, para conseguir mandar tropas e víveres para os aliados. No próprio porto de New York, alguns navios foram clandestinamente postos a pique, quando seguiam carregados para a Europa, e evidentemente não foram os aliados os responsáveis por esses inexplicáveis naufrágios.

Onde quererá o “Legionário” chegar com tudo isto?

É muito simples. É necessário, hoje mais do que nunca, que sejam eliminados da política, de um ou de outro modo, todos os agentes de manobras internacionais, quer os politiqueiros de alta plana, (...) quer os agentes de certas grandes potências que sonham em transformar o Brasil em uma nova Coréia.

Quanto aos núcleos estrangeiros, é imperiosamente necessário que:

1) seja absolutamente vedada aos consulados estrangeiros toda e qualquer intervenção nos referidos núcleos, evitando-se assim formação de escolas consulares, e outros meios de formação de um espírito refratário à assimilação dos estrangeiros pelo ambiente brasileiro;

2) é indispensável que em tais núcleos sejam introduzidos gradual e lentamente importantes contingentes de populações brasileiras, como imigrantes nordestinos etc., ou ainda que se contrabalance um problema com outro, transportando para os núcleos já existentes, imigrantes de origem racial inteiramente diversa, mesclando as populações de modo total.

Sem estas duas providências, bem possível é que o Brasil, mais cedo ou mais tarde, se transforme em outra China.

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Em última análise, então, o “Legionário” é contra a imigração alemã e japonesa? Não, não e não. Pelo contrário, reputamos desejável e talvez até indispensável que se facilite o ingresso de imigrantes de ambas as procedências no Brasil.

O japonês apresenta admiráveis qualidades de trabalho e de disciplina. O alemão é um imigrante de primeiríssima categoria, cujo valor nem sequer a mais requintada má fé poderia negar.

Mas o que o “Legionário” não pode aplaudir é que os imigrantes japoneses e alemães continuem isolados da vida e do pensamento brasileiro, formados em grossos e densos núcleos, insulados em associações esportivas, culturais e beneficentes privativas deles, em lugar de se assimilarem ao ambiente brasileiro. Contra isto, levantaremos sempre nosso protesto.

E principalmente o que não podemos permitir é que, em tais núcleos, os consulados estrangeiros tenham uma autoridade moral - e às vezes até uma autoridade de fato - tão grande ou maior do que as próprias autoridades brasileiras.

E que patriota sincero e esclarecido ousará dizer que estamos errados?