Legionário, No 295, 8 de maio de 1938

Legítima Defesa

Tendo visto, no último artigo, a inteira inconsistência ideológica da doutrina de Monroe, vejamos agora quais devem ser nossas relações internacionais com os povos do Continente, à luz da doutrina católica. Isto posto, estará implicitamente definida a linha de conduta que, concretamente, deveremos assumir em relação aos Estados Unidos.

Para um católico, o vínculo mais estreito que pode unir os povos é o vínculo religioso. Nem a identidade de raça, idioma, costumes e tradições históricas, nem vizinhança geográfica, nem qualquer outra circunstância congênere pode competir em vigor, como meio de ligação ente os povos, com o vínculo religioso.

Os povos católicos podem, a justo título, considerar-se ligados ente si pela estreitíssima fraternidade que entre eles existe pela sua filiação a uma mesma Mãe, que é a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana. Essa filiação, que não é apenas uma ficção literária, mas uma palpitante realidade, cria para eles deveres ao mesmo tempo dulcíssimos e gravíssimos, aos quais não poderiam faltar, sem implicitamente apostatar de sua vocação religiosa e histórica.

Claro está que a cooperação de todos os povos contra o malfeitor internacional, que é o nazismo, pode e deve ser estabelecida por todos os povos do continente.

O primeiro dos deveres que têm os irmãos consiste no recíproco auxílio que se devem prestar uns aos outros para cumprir convenientemente seus deveres de filhos. O primeiro dos deveres dos povos católicos é, pois, de se coadjuvarem no cumprimento de suas obrigações para com sua Mãe comum, a Igreja. E um  dos mais graves dentre estes deveres é de propagar pelo mundo inteiro a Fé católica, e de obstar, por todos os meios indicados pela justiça e pela caridade, a que a heresia se alastre.

Os povos da América Latina estão, portanto, ligados entre si pela mais suave e eficiente das fraternidades, que é sua condição de filhos da Igreja. E, infelizmente, os países da América do Norte, conservando-se na heresia, colocam-se à margem desta especialíssima fraternidade, dessa verdadeira e autêntica liga religiosa das nações latino-americanas, e assim permanecerão enquanto perseverarem no erro, tendo apenas a seu benefício os direitos que os católicos devem dispensar a todos os povos da Terra.

Falamos em “Liga das Nações Latino-Americanas”. Realmente, se os governos latino-americanos tivessem consciência dos deveres que lhes incumbem, verificariam que eles constituem uma autêntica “Liga das Nações”, muito mais sólida, durável e razoável do que a artificialíssima e aliás já agonizante Liga das Nações. Realmente, para que exista uma “Liga” ou sociedade de Nações, bastará que existam o fim comum e uma autoridade que guie a todos para a realização desse fim. Ora, o fim comum dos povos latino-americanos é, antes de tudo, a preservação da Fé. Para este fim comum existe a comum autoridade da santa Igreja (“para este fim comum”, acentuamos, porque a Igreja nunca quereria chamar a si a “liderança” de qualquer grupo de povos para fins que não fossem exclusivamente religiosos). Existe, pois, uma “Sociedade” que corresponde a uma viva e profunda realidade sobrenatural e social.

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Isto posto, devemos lembrar que o recíproco entendimento das nações latino-americanas é facilitado por outros fatores ponderáveis, que caracterizaram ainda mais a unidade do grande bloco latino-americano. Em primeiro lugar, a língua e a raça. Em segundo lugar, a identidade das tradições históricas continentais e ibéricas. Em terceiro lugar, a identidade dos problemas com que todas elas se defrontam atualmente.

Para um católico, o vínculo mais estreito que pode unir os povos é o vínculo religioso. Nem identidade de raça, idioma, costumes e tradições históricas, nem vizinhança geográfica, nem qualquer outra circunstância congênere pode competir em vigor, como meio de ligação entre os povos, com o vínculo religioso.

Ora, precisamente todas estas circunstâncias nos separam da América do Norte. Não há identidade racial, nem de idioma, nem de tradições históricas, nem de problemas atuais.

Se não fosse a caridade que nos deve ligar a todos os povos da terra, poderíamos repetir até, a este propósito, o velho chavão: “nada nos une, tudo nos separa”, exceto o istmo do Panamá... que eles foram os primeiros a cortar.

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Entretanto, para o grande fim comum das nações latino-americanas, apresenta-se agora uma ocasião preciosa de cooperar com os Estados Unidos, em uma obra que é de salvação para toda a civilização.

Já dissemos claramente, e repetimo-lo agora, que reputamos o perigo da nazificação da América muito menos remota do que aparentemente se manifesta.

Economicamente, as nações da América Latina precisam de escoadouros para seus produtos. A Alemanha lhes oferece mercados tentadores. E os mercados norte-americanos nos apresentam vantagens cada vez mais problemáticas.

Entretanto, a Religião fica acima de tudo. Por isto, somos de opinião que a cooperação da América Latina com os Estados Unidos na tarefa de preservação do Continente contra a infecção nazista é do maior alcance.

O nazismo pode ser equiparado, sob o ponto de vista internacional, quase ao comunismo. E ainda assim este “quase” é muito problemático. Isto posto, claro está que a cooperação de todos os povos contra este malfeitor internacional pode e deve ser estabelecida por todos os povos do Continente.

Nisto, e só nisto, se cifra a nossa cooperação. Temos um inimigo comum: juntos, marchemos contra ele.