Legionário, n.º 337, 26 de fevereiro de 1939

EM TORNO DO CONCLAVE

Plinio Corrêa de Oliveira

Graças a Deus, podemos dizer que o público católico tem mantido, em geral, uma esplêndida atitude perante a dupla sucessão, aberta com os falecimentos de S. Excia. Revma., o Sr. Arcebispo Dom Duarte Leopoldo e Silva, e Sua Santidade o Papa Pio XI. Efetivamente, é pequena, e tende a decrescer sempre, a lastimável fauna dos "torcedores" e dos "boateiros", que tem seus "candidatos" e seus "furos". De um modo geral, os fiéis, espelhando-se na edificantíssima conduta de nosso Clero, limitam-se a rezar para que Deus Nosso Senhor envie para a Santa Igreja Universal, e para o sólio metropolitano de São Paulo, Pastores segundo o Coração de Jesus. E, na prática assídua da oração, à qual se deve juntar, especialmente durante a Quaresma, a penitência, encontram os católicos o único meio lícito e seguro para trabalhar pela maior glória de Deus, em tão delicadas circunstâncias.

Este dever da penitência e da oração deve ser considerado como particularmente imperioso, enquanto o Sacro Colégio Cardinalício, encerrado em inviolável clausura, escolhe o novo sucessor de São Pedro.

Sem prejuízo desse grande dever, podemos, entretanto, analisar o curso dos acontecimentos. Encontraremos, assim, abundantes motivos para nossa edificação.

Notemos em primeiro lugar a conduta da imprensa. No próprio dia do falecimento do grande Pio XI, certas agências telegráficas, desrespeitando o silêncio reverente que se faz geralmente em torno dos mortos, e que deveria ser especialmente grave e impressionante em torno do mais augusto dos esquifes, começou a fazer circular boatos estranhos e escandalosos.

Segundo tais agências, o Sacro Colégio dos Cardeais estaria cindido por divergências profundas: os Cardeais místicos contra os políticos, os italianos contra os não-italianos, os que são simpáticos às direitas contra os que lhe são contrários, e assim por diante. Atrás de cada Cardeal, haveria grandes forças políticas em ação. Os Cardeais norte-americanos votariam segundo indicações do Presidente Roosevelt. Os Cardeais-Arcebispos de Lisboa e Varsóvia estariam pensando em suas próprias candidaturas. Também o Cardeal Copello viria de Buenos Aires decidido a impor um Papa sul-americano que, entretanto, não seria o Cardeal D. Sebastião Leme. Diante de tantas candidaturas, estaria a situação muito comprometida para a Itália, se não fosse o fato de dispor o Sr. Mussolini de uma forte facção cardinalícia, que lhe seria fiel.

Em suma, os políticos, os banqueiros e os jornalistas, habituados em via de regra - quando não são católicos - a considerar as coisas com olhos inteiramente humanos, e sem o menor pensamento a respeito do sobrenatural, supunham que a sucessão de um Papa poderia dar lugar, hoje em dia, aos mesmos conflitos de interesses vis e mesquinhos que dominam, habitualmente, por ocasião da sucessão dos chefes de Estado.

Segundo o noticiário telegráfico, a "política" em torno da escolha do novo Papa estava apenas nos seus primórdios. Quando chegassem a Roma, os Cardeais incumbidos da eleição, "a coisa haveria de ferver muito mais". E não seria difícil entrever, através da urdidura subtil das confabulações, qual o interesse nacional, ou partidário que tinha conseguido, em última análise, ditar a grande escolha.

Dias depois, começam a chegar a Roma os Cardeais de todas as partes do mundo. E, paradoxalmente, quando as coisas - segundo as agências telegráficas - iriam entrar na fase mais ruidosa, ativa e renhida, um silêncio enorme se faz. Silêncio tão grande até, que os jornais, inteiramente à mingua de informações, consagram apenas um ou outro telegrama à parte ritual e protocolar da preparação do Conclave, sem encontrar o menor vislumbre de notícia que justifique o boato interessante e sensacional.

Entretanto, não deveria ser assim. Quem são esses Cardeais de todos os continentes e de tão numerosas nações, que afluem rápida e silenciosamente para junto do sepulcro do primeiro Papa, a fim de lhe escolher o sucessor? Qual é esse cenáculo misterioso e impenetrável que eles constituirão para decidir em última análise a respeito do problema máximo da Cristandade na hora que passa? São homens em geral idosos, ou prematuramente alquebrados pela vida de oração, de penitência e de trabalho a que se dedicam. Entre eles, uma distinção nítida se observa. Alguns - os Cardeais da Cúria Romana - vivem em Roma, onde estão em um contato íntimo e diário uns com os outros, familiarizados no trato das questões de maior relevo para a Santa Igreja. Mas esse contato, exatamente por ser muito íntimo e por forçar a uma colaboração muito constante, põe em enorme evidência a diversidade dos temperamentos, dos pontos de vista e das opiniões. Por isso mesmo, conquanto indefectivelmente unidos em torno dos princípios católicos, existem entre eles divergências sobre questões de livre discussão, às vezes profundamente acentuadas. E o mais fácil e humano seria que tanta colaboração, em tão estreita intimidade, houvesse de degenerar em violento antagonismo, à vista de tantos motivos de divergência. Quanto aos outros Cardeais, muitas vezes não se conhecem entre si, e pouco conhecem aos Cardeais da Cúria Romana. Que contato, por exemplo, terá tido o Cardeal Kaspar, da Tchecoslováquia, com o Cardeal Mundelein, dos Estados Unidos? Ou o Cardeal Tappouni, da Ásia Menor, com o Cardeal Copello, da Argentina?

Se nenhum contato existe para os unir, muitas circunstâncias convergem para os separar. No entanto, no grande senado cardinalício, vemos lado a lado, em pacífica colaboração, franceses com alemães, italianos com um inglês, americanos do norte com um tcheco, um húngaro, um sírio e um brasileiro, em um fraternal e afetuoso convívio, onde é tão grande a harmonia, a despeito das possíveis variedades de opinião, que, mesmo antes de o Conclave os ter separado temporariamente do mundo, o jornalismo super- assanhado não conseguiu pescar nem sequer a mais insignificante piranha jornalística de um pequenino boato.

O que significa isto, senão que os interesses políticos e humanos, que dividem os homens, estão mil léguas abaixo das preocupações dos insignes conclavistas, que, ao contrário do que os homens do mundo podem supor, estão com os olhos exclusivamente voltados para as coisas de Deus?

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Um outro comentário rápido.

Dada a extrema gravidade da situação internacional, é evidente o interesse do Sacro Colégio em apressar o mais possível a escolha do novo Papa. A tal ponto é grande esse empenho, que houve hesitação sobre a data da reunião: 28 de fevereiro ou 1 de março. Porque, se os trabalhos de acondicionamento e instalação material, febrilmente executados, pudessem ir depressa, a reunião seria no dia 28, para assim se ganhar mais um dia. Os Cardeais sul-americanos não teriam sequer o tempo de tomar fôlego, e iriam diretamente, do tombadilho de bordo, para a cidade do Vaticano, e daí diretamente para a clausura do Conclave.

Ora, os trabalhos sofreram, apesar de tudo isso, o atraso de um dia. Porque S. E. o Cardeal Pacelli não quis que o repouso dominical dos operários fosse prejudicado e ordenou a suspensão dos trabalhos no domingo.

Belo exemplo do sumo respeito devido ao dia do Senhor! Se nem para apressar a escolha de um Pontífice Romano é lícito violar o domingo, que dizer-se de tanto patrão católico que por aí anda, a forçar seus operários ao trabalho dominical, valendo-se para isso dos mais fúteis pretextos?