Legionário, N.º 342, 2 de abril de 1939

 

DIRETÓRIO PROTESTANTE NO BRASIL

Normalmente, os livros enviados à redação do “Legionário” são comentados pela seção “Letras Nacionais e Estrangeiras”. Nesta semana, porém, chegou-nos às mãos um livro de importância tão capital, que fiz questão de lhe consagrar o artigo de fundo do número de hoje. Trata-se do “Diretório Protestante no Brasil”, de autoria do Rev.mo Pe. Agnelo Rossi. Esse livro, se é importante pela matéria de que trata, é sobretudo notável e excede de muito a importância de uma obra literária qualquer, para constituir a abertura de um capítulo novo na esfera do apostolado.

O “Diretório Protestante” é um relatório minucioso e luminosamente concreto sobre a atividade reformista no Brasil. Para se ter uma idéia da largueza de visão com que a obra foi concebida e realizada, um rápido sumário bastará.

a) histórico das investidas protestantes de Villegaignon dos holandeses, com um sucinto porém impressionante relato das perseguições sangrentas dos hereges contra os católicos; é ótimo este histórico para desmascarar a tolerância adocicada com que habilmente se apresenta hoje a propaganda protestante;

b) histórico dos esforços cada vez mais desabridos do protestantismo no Brasil, desde que nossas leis lhe concederam alguma liberdade de proselitismo; é ótimo para mostrar qual é o termo final de certas liberdades que alguns católicos ingenuamente aplaudem;

c) a organização do esforço protestante missionário, feito mediante a íntima colaboração das seitas as mais hostis entre si, para o combate à Santa Igreja; verificação altamente concludente para provar que a estrutura da mentalidade protestante consiste muito mais no ódio à Igreja Católica do que na crença positiva em alguns pontos de Fé, que eles de boa vontade abandonam, quando se trata de passar sobre divergências intestinas, a fim de combater o catolicismo;

d) magnífica enumeração de todas as sociedades missionárias, sociedades de ensino, de divulgação bíblica, de filantropia e de educação física, mantida pelos protestantes no Brasil;

e) enumeração de todas as seitas que operam no Brasil, e de suas doutrinas, seguida de uma indicação sumária dos argumentos que se lhe podem opor. Esta parte constitui um excelente manual de consulta para todos os católicos que tenham de refutar os erros protestantes.

Como se vê, a obra do Pe. Agnelo Rossi constitui um conjunto esplêndido, que abrange sob todos os pontos de vista o problema do combate ao protestantismo, de tal maneira que se pode ser considerada como um apêndice inseparável da estupenda obra do Pe. Leonel Franca, SJ. Porque, se a obra do Pe. Franca é uma verdadeira Summa doutrinária contra o protestantismo, a obra do Pe. Agnelo Rossi habilita os católicos a constituírem em torno do protestantismo uma insuperável “Linha Sigfried” ou “Linha Maginot”, que lhes barre o caminho na ordem concreta dos fatos. A obra definitiva e insuperável do Pe. Franca no terreno doutrinário, e a obra do Pe. A. Rossi no terreno da ação concreta, são ambas indispensáveis. O Pe. A. Rossi se revelou, em toda a linha, um esplêndido cooperador que faz honra ao seu ilustre e insigne mestre, o Pe. Camilo Crivelli, SJ, autor do estupendo “Diretório Protestante na América Latina”.

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Eu disse, inicialmente, que a obra do Pe. Rossi abre um capítulo novo nas nossas atividades apostólicas. E temo sempre o alheiamento em que grande número de católicos  e, por quê não dizê-lo?, a maioria deles vive em nossos dias. Dedicados não raramente até o heroísmo, exemplarmente disciplinados, de uma ortodoxia irrepreensível, seu apostolado teria todos os elementos para surtir efeito, porque Deus não recusa suas bênçãos às sementes apostólicas lançadas com tal pureza de intenções. No entanto, Deus quer nossa cooperação em toda a linha. E, infelizmente, se a cooperação dos católicos nos planos de Deus tem sido generosa e até exuberante em muitos campos, ela tem claudicado francamente no que diz respeito ao conhecimento das condições concretas do meio em que vivemos. Entretanto, a essas condições o apostolado se deverá adequar, se quiser ser fecundo. Para que se veja que não vai aí apenas uma opinião desenvolvida a esse respeito pelo Pe. Dabin, SJ, quando fez em São Paulo uma série de conferências sobre a Ação Católica. Não se fartou, então o insigne jesuíta, em mostrar que, sem um conhecimento perfeitamente exato do ambiente, conhecimento este haurido através dos meios mais técnicos e mais modernos de estatística, dos inquéritos e da pesquisa, não é possível desenvolver com proveito o esforço apostólico.

Ora, o certo é que, a respeito de nossos principais problemas, esse conhecimento ainda é imperfeito. Para prová-lo, citemos algumas questões das quais dificilmente se daria resposta.

a) qual a porcentagem dos católicos que, em São Paulo, assistem a missa dominical? Essa porcentagem é a mesma para a missa de preceito nos dias santificados? Em caso negativo, por quê?

b) quais, em São Paulo, os principais obstáculos para a penetração da influência católica nos altos círculos sociais, bem como nos meios operários? Quais os modos concretos de se superarem esses obstáculos, aliás tão diversos em cada um desses meios? Quais os preconceitos a vencer?

c) o que se deve dizer da instrução religiosa existente nos círculos católicos? Conhecem todos, devidamente, a doutrina que professam? E nos círculos afastados da Igreja?

d) qual o número, em São Paulo, dos espíritas, dos maçons, dos cismáticos, dos budistas (em São Paulo há 200.000 japoneses: quantos deles são católicos)? Quais seus meios de propaganda? Quais os seus focos de irradiação? O que dizer-se sobre a atual situação da propaganda comunista? E da propagada nazista? Onde é ela mais intensa? Como se desenvolve? Quais os ambientes em que medra mais facilmente? Por que?

Podemos afirmar que são pouquíssimos os trabalhos sérios e metódicos de católicos a respeito dessas questões vitais.

Inegavelmente, a obra do Rev.mo Pe. Rossi é o trabalho mais sério, mais documentado e mais profundo que possuímos, sobre o protestantismo, uma das inúmeras pragas religiosas que assolam em nossos dias a Terra de Santa Cruz. E, sob esse ponto de vista, constitui ele uma luminosa inovação. Queira Deus que seu autor se dedique inteiramente a esse gênero de trabalhos. Será impossível dizer o quanto a Igreja e a Pátria com isto lucrariam.

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Para documentar a sincera exuberância de nossas palavras, bastará que mencionemos alguns dados concretos.

O Pe. Rossi cita, em ordem alfabética, mais de setecentos lugares onde existe, no Brasil, propaganda protestante efetiva e metódica. Além disto, discrimina rigorosamente quais as seitas operando em cada lugar, as instituições de propaganda por meio das quais as seitas etc., e, nessa discriminação, desce aos mais minuciosos pormenores, com uma inteligente compreensão da importância de cada qual. Além disso, estuda ele, em capítulos especiais, as principais instituições protestantes, como o famélico “Exército da Salvação” e as insidiosas “Associações Cristãs de Moços”, sem falar em documentos interessantíssimos sobre o Mackenzie College. Finalmente, para amordaçar a linguagem confusa dos protestantes, vem um ótimo resumo da Encíclica “Immortalium animos”, contra o pancristianismo.

Qual, no Brasil, o trabalho mais completo, mais documentado, mais profundo e mais exato, sobre qualquer das inúmeras ofensivas anticatólicos que aqui se delineiam na sombra? Francamente, não tenho a fortuna de o conhecer.

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Não estranha, pois, que as bênçãos da Santa Igreja desçam copiosas sobre tal trabalho, e que o grande pastor de almas que é S. Ex.a Rev.ma o Sr. D. Francisco de Campos Barreto, Bispo de Campinas, tenha declarado que a obra do Pe. Rossi é “um grito de alarme patriótico e cheio de amor, pelo triunfo da Fé, patenteando uma séria e perigosa infiltração protestante no Brasil”.

Aliás, o insigne Côn. E. Salim, em prefácio à obra citada, narra um fato que prova como a Santa Sé aplaude e julga conformes ao seu espírito trabalhos como esse. Conta o Côn. Salim que o Santo Padre Pio XI, conversando certa vez com o Sr. Luiz Guimarães, embaixador brasileiro junto à Santa Sé, revelou a este dados surpreendentes sobre a propaganda protestante no Brasil. Foram tão precisas e tão exatas as indicações do Sumo Pontífice, que o diplomata brasileiro se alarmou e pediu pormenores. O Santo Padre o encaminhou então à Cúria Generalícia, onde deveria procurar o ilustre Pe. Crivelli, autor do Diretório Protestante na América Latina. E este, por sua vez, encaminhou o diplomata a um de seus melhores alunos, e máximo cooperador na parte referente ao Brasil: este cooperador era o próprio Pe. Agnelo Rossi, então seminarista.

A atenção dada pelo Santo Padre ao relatório do Pe. Crivelli, atenção esta que chegou ao ponto de impressionar nosso diplomata, não é o melhor elogio que as obras desse gênero poderiam receber? Pois nessas obras se mostrou insigne o Pe. Rossi, cujo trabalho hoje assinalamos com fervorosa admiração e afetuosa simpatia.