Legionário, N.º 345, 23 de abril 1939

SELEÇÃO E FORMAÇÃO

O fato que domina o panorama religioso de todas as fases da história brasileira é a ausência absoluta de quaisquer movimentos heréticos de importância. Tivemos, é certo, atividades heterodoxas em nosso País. Mas, sempre que Roma as condenou, perderam elas as raízes no espírito nacional. Foi este o caso do jansenismo, como de muitas outras doutrinas que grassaram entre nós durante algum tempo, mas que não puderam sobreviver à condenação da Igreja. Quanto aos movimentos explicitamente anticatólicos, nunca passaram de pequenas seitas sem importância, que sentem tão bem a sua própria impotência, que procuram arrastar as massas não por meio do ataque aberto contra a Igreja, mas fingindo uma íntima afinidade doutrinária com esta. É este o caso, entre outros, da famosa Igreja Católica Brasileira, do Sr. Salomão Ferraz, o qual sente tão bem que é só em nome do catolicismo que os brasileiros se levantam, que procura assumir para a sua igrejola ares de catolicidade com que embair o povo. É esta uma curiosa e involuntária homenagem que os protestantes prestam inadvertidamente, e a todo momento, à força do catolicismo no Brasil.

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Entretanto, se o Brasil é um povo inteiramente católico no sentido numérico da palavra, é forçoso reconhecer que ele não é totalmente católico na sua vida política, econômica, intelectual, artística e social. Esta verificação serve para definir com irrecusável clareza o problema religioso do Brasil. Não devemos considerar como a primeira de nossas questões a conversão dos ateus, protestantes e espíritas que por aqui se encontrem. A nossa verdadeira luta deve ser pelo avivamento e esclarecimento da Fé católica já professada por nosso povo. A catolicização dos católicos é o primeiro e o maior de nossos problemas na ordem prática, e para a solução deste problema a Ação Católica tem um papel providencial a desempenhar, uma vez que ela se destina “a promover e entreter a vida sobrenatural, primeiramente e principalmente entre os próprios católicos” (Memorandum do Cardeal Pizzardo, publicado a 24 de julho p.p. no “Catholic Herald”).

Como, indubitavelmente, o indiferentismo e o confusionismo religioso, alimentados principalmente pela ignorância do catecismo, constituem os fatores profundos da situação religiosa em que nos encontramos, a Ação Católica deve desempenhar antes de tudo a missão providencial de ser um definidor de limites, marcando nitidamente a diferença que existe entre tudo que é católico e anticatólico, tomando por lema, no Brasil particularmente, a afirmação de Nosso Senhor: “Quem não for por mim é contra mim”.

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Esta missão, a Ação Católica só a poderá realizar convenientemente na medida em que ela for real e autenticamente uma arregimentação de católicos de escol, em cujas fileiras não se encontrem senão elementos cuidadosamente selecionados. A rigorosa seleção e aprimorada formação de seus membros é hoje a primeira e mais premente tarefa da Ação Católica.

Penso que não seria supérfluo uma enumeração sintética das razões que estribam este ponto de vista. É o que, sem maiores pretensões, ofereço hoje à apreciação dos leitores do “Legionário”:

I - Devem os membros da Ação Católica, de acordo com todos os documentos pontifícios, ser dotados de uma preparação e formação efetivamente rigorosa e esmerada;

II - Além desse motivo, inspirado na própria essência da Ação Católica, cumpre lembrar que a expansão e eficiência do apostolado desta não serão prejudicadas por um autêntico rigor na formação de seus membros; pelo contrário, a eficácia do apostolado está na razão direta da formação espiritual dos que o exercem, pelo que só poderá lucrar a Ação Católica com um rigor prudente na admissão de seus membros;

III - Que, de mais a mais, o apostolado exercido nas fileiras da Ação Católica requer uma formação especializada, que dificilmente pode ser obtida fora dela, máxime em se tratando de pessoas que jamais pertenceram a outras associações religiosas;

IV - Que o compromisso da Ação Católica, pelas graves obrigações que impõe, e pelo acesso que dá às fileiras da milícia universal fundada por Pio XI, deve normalmente ser a coroação e o termo final da formação dos candidatos, e não seu proêmio;

V - Que as condições locais da Arquidiocese de São Paulo, dado o grande surto de vida religiosa que aqui se observa, permitem, dentro das exigências acima formuladas, a organização de fortes e pujantes núcleos de Ação Católica, não existindo qualquer das circunstâncias locais que, em outras dioceses, podem talvez sugerir temporariamente uma orientação diversa.