Legionário, N.º 349,  21 de maio de 1939

 

“ACTION FRANÇAISE

Mostrei em meu ultimo artigo que o Santo Padre Pio XI, se bem que compreendesse perfeitamente, como Papa que era, a política de cooperação dos católicos com todo o elemento de boa vontade situado fora do aprisco da Igreja, constituiu um modelo insuperável da sabedoria, pela clarividência com que soube distinguir os homens de boa vontade dos traidores desleais que ofereciam aos católicos não o auxílio honesto do Cireneu, mas o sorriso falacioso do Simão, o fariseu.

Devo dar hoje mais um exemplo a que já aludi anteriormente: o da “Action Française”.

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O caso da “Action Française” tem estranhas analogias com o do nazismo. Estas analogias não são tão notáveis no terreno doutrinário. No que, sobretudo, elas se patenteiam é na política seguida por ambas para com a Igreja.

Como o nazismo que, aliás nasceu muitíssimo mais tarde do que a “Action Française”, esta corrente monárquica apresentava dois aspectos. Um, público, para efeito de propaganda. Outro, esotérico, para uso quase exclusivo dos íntimos.

Publicamente, a “Action Française” se apresentava como a paladina da França monárquica, aristocrática, federal e tradicional, de base profundamente familiar, que a Revolução Francesa derrubou estúpida e criminosamente. Melhor do que muitos católicos, os dois dirigentes da “Action Française”, Maurras e Daudet, souberam compreender as instituições maravilhosas da França do “Ancien Régime”, o sentido profundamente cristão que as inspirara, a ordem vital e orgânica que explicava sua aparente desorganização. Por outro lado, compreenderam eles claramente o que de nocivo havia na Revolução Francesa e no espírito diabólico que ela disseminara. E traçaram por isto um programa de reconstrução política da França pelo qual eu, pessoalmente, tenho - sob certos pontos de vista - a mais viva simpatia.

Assim, pois, a “Action Française” se apresentava aos católicos praticantes e militantes como a reivindicadora dos direitos da França tradicional e católica contra a Revolução anticatólica e desnacionalisadora. E, em torno desse tema central, sua magnífica propaganda eleitoral erguia um vozerio habilíssimo arrebatado e ensurdecedor que colocava a opinião católica nessa terrível alternativa: ou a “Action Française” ou a solidariedade explícita, declarada, confessada, com as forças secretas da imensa conjuração do demônio contra o Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Mas... e nesse “mas” vai um abismo, os dirigentes da “Action Française” não eram católicos. Eles não criam na veracidade da doutrina da Igreja, nem sequer aceitavam uma filosofia mais ou menos próxima do tomismo. Genialmente bem orientados em muitos pontos de política concreta, sua orientação doutrinária e filosófica era a pior possível. E, enquanto os seus propagandistas berravam em praça pública que todo católico cem por cento deveria filiar-se à “Action Française”, os dirigentes da corrente, em escritos muito menos veiculados pela propaganda do partido, intoxicavam de princípios errados os seus adeptos.

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Um destes princípios, aliás, era de toda a evidência. Leão XIII afirmara categoricamente ser a Igreja indiferente a questões de forma de governo. Com que autoridade, pois, a “Action Française” queria impor aos católicos a inscrição nas suas fileiras como condição indispensável para evitar a apostasia?

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Erram, e erram miseravelmente os que supõem que se faz política retilineamente, doutrinariamente, abstratamente, como se defende uma tese em uma academia científica. Esse processo só é viável para os católicos que, senhores da Verdade inteira e absoluta, tem uma tática que só os filhos da luz podem ter. E assim mesmo essa luminosa tática, rigorosamente inspirada no Evangelho, não deve ser desacompanhada da astúcia da serpente, que o próprio Evangelho recomenda.

A “Action Française” provou claramente que aos filhos das trevas, outros expedientes táticos convêm melhor. Filha das trevas, a “Action Française”, com sua habilíssima propaganda, encheu de trevas doutrinárias de densa confusão de idéias o ambiente francês. A tal ponto que muitos católicos qualificados - e quais! - se deixaram prender nas malhas do erro, acompanhando Maurras e Daudet sem jamais ter feito um estudo sério dos princípios por estes professados. Contentavam-se com manchetes de jornal, com pedações de frases pronunciadas em discursos, com impressões pessoais sobre Daudet e Maurras cuja conversão esperavam a todo o momento... durante anos inteiros.

E enquanto algum católico escrevia contra a “Action Française”, denunciando seus erros mais ou menos disfarçados, tais correligionários nossos comentavam com ares de piedade: “coitado ainda está intoxicado de liberalismo!” ou então “essa incompreensão de nossa situação acabará apartando da Igreja seus melhores aliados; preferível seria que esse católico fizesse calar sua estreita intransigência”.

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Não pensou assim o Cardeal-Arcebispo de Lyon. E, tendo feito um estudo não apenas dos “slogans” de propaganda, mas de toda a doutrina de Maurras e Daudet, provou que:

1) de um lado, as afinidades políticas entre a “Action Française” e a doutrina da Igreja eram inegáveis;

2) mas que, de outro lado, havia uma insanável incompatibilidade filosófica e religiosa entre o pensamento dos chefes da “Action Française” e a doutrina católica, incompatibilidade que, como é claro, se projetava necessariamente sobre muitos “itens” do programa político da “Action Française”.

A publicação do estudo daquele eminente Prelado causou uma verdadeira tempestade. Não faltou quem, conquanto altamente qualificado, dele dissentisse. A imprensa cogitou largamente do assumto. E o Vaticano foi solicitado a intervir.

Como interveio o Papa? Com a esperança de converter a “Action Française”, contemporizou ele? Ou, com o receio de permitir a apostasia dos católicos a ela filiados, condenou ele o movimento? Dos dois sentimentos, qual foi o mais poderoso em seu coração? O de conquistar novas ovelhas, ou o de conservar as que já tinha?

Sem vacilação, sem dúvidas, sem hesitações, Pio XI condenou severamente o movimento, como já narrei em artigo anterior. E com isto rejeitou a cooperação.

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Agiu bem? Como católicos, vemos evidentemente que sim. Mas os anti-católicos, como teriam considerado o fato? Tenho a este respeito o depoimento do próprio Daudet. Quando lhe perguntavam o que achava da condenação pontifícia, respondeu ele simplesmente: “Ela deveria ter vindo muito antes”...