Legionário, N.° 354, 25 de junho de 1939

 

AÇÃO CATÓLICA E POLÍTICA

Mostrei, em meu último artigo, que os erros geralmente existentes a respeito das relações entre a Igreja e o Estado, quer estes erros consistam em estender, quer em reduzir exageradamente o papel da Igreja, são causados sempre pelo naturalismo.

É óbvio afirmar que esse naturalismo não paira nas regiões siderais das meras concepções doutrinárias e que serve, em geral, de capa para sentimentos menos confessáveis! Muitas vezes, vemos pessoas pusilânimes externarem doutrinas naturalistas, segundo as quais o papel da Igreja consistiria em atuar apenas portas a dentro dos edifícios do culto; no entanto, este naturalismo de encomenda não é senão um pretexto cômodo para encobrir a covardia dos que o alegam. Quantas vezes, ainda, vemos certos gaviões da politicagem ostentarem uma rubicunda convicção de que a Igreja deve ter, em questões não apenas espirituais, mas ainda políticas (“políticas” com “P” minusculíssimo), uma extensíssima ingerência; e no entanto esse ponto de vista naturalista que tenta arrancar à Igreja a sua esfera espiritual para atira-la ao campo inferior dos problemas temporais, disfarça apenas a ambição de se servir da Igreja como escada e instrumento.

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O “Legionário” é um semanário que se dedica, por enquanto, principalmente a obra de aperfeiçoar a formação dos católicos que já se elevaram a certo grau de fervor. Como tal, não tenho o propósito de combater nestas colunas os erros extremos que existem neste assunto.

Os (...) totalitaristas da pseudo-direita e os seus sósias da extrema esquerda pretendem reduzir a Igreja a mera função de organizadora de novenas. Os anglicanos, pelo contrário levam tão longe a ação temporal de sua igreja, que transformam os seus pastores em meros funcionários incumbidos de mil tarefas alheias ao culto como, por exemplo, de combater a febre aftosa de gado, explicando durante os ofícios religiosos os melhores meios preventivos ou curativos contra o mal.

Claro está que a generalidade de nossos leitores não professa nem esta forma maximalista, nem aquela atitude minimalista inspirada no naturalismo.

 O que, portanto, cumpre sobretudo apontar neste artigo é uma serie de opiniões intermediárias entre esses erros radicais e a verdade plena. O simples enunciado de tais  erros mostra  a gravidade dos inconvenientes de ordem prática que daí decorrem. E isto nos permitirá avaliar em toda a sua importância as resoluções do Episcopado Argentino sobre “Apostolado e Política”, que publicamos em nosso último número e nos propusemos comentar.

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Diga-se preliminarmente que, entre os católicos brasileiros, a tendência mais corrente consiste em um naturalismo minimalista, que constitui uma reminiscência ainda vivaz do indiferentismo que D. Vital e depois dele Jackson de Figueiredo combateram.

Nossos avós achavam que o católico pode ser indiferente, (...) liberal etc., contanto que assistisse pontual e assiduamente as cerimonias religiosas da respectiva irmandade. Certos católicos de hoje, dentro  de um estado de espírito igual a esse, acham que podem ter em matéria de economia, de política, etc., a orientação que bem entenderem, continuando a ser bons católicos se freqüentam assiduamente as igrejas.

Evidentemente, tais pessoas, sempre que se trata de uma intervenção da Igreja nos assuntos acima, toleram a custo ou mesmo se revoltam explicitamente contra ela. E o pretexto clássico de tais revoltas é que  a Igreja está interferindo em questões alheias à sua alçada.

Muitas vezes, esta má fé se entrincheira em um inexplicável cipoal de subtilezas a respeito das intervenções eleitorais dos católicos, servindo-lhes qualquer atitude mais enérgica destes últimos de pretexto para afirmar que eles estão tendo ação partidária, e portanto alheia.

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O documento dos Bispos Argentinos repudia, como é natural, esta mentalidade rançosa e estreita.

Pio XI escreveu certa vez aos Bispos Argentinos que a Ação Católica deve intervir na política sempre que tiver algum interesse relacionado com ela. E como as escolas, o trabalho, a família e mil outros terrenos de transcendental importância para a Ação Católica se encontram sob a dependência da legislação do parlamento, a Ação Católica deve estraçalhar resolutamente as teias de aranha doutrinárias que coarctavam sua ação, e intervir resolutamente nas feituras das leis.

Por isto o Episcopado Argentino indicou à Ação Católica uma dupla ação: 1) enumerar alguns projetos de lei em estudo no Parlamento que deverão ser por este aprovadas mediante pressão da A.C., no Parlamento; 2) desenvolver uma intensa campanha no seio da opinião pública, a fim de a por em pé de guerra contra os inimigos das reivindicações sociais católicas que existem no Parlamento.

Com isto, na Argentina, a intervenção da opinião católica na vida pública passará a ser doravante sustentada e penetrante, estendendo-se desde o âmago das comissões legislativas do Congresso Federal e dos Congressos Provinciais até a praça pública.

Não pára aqui, porém, a atividade da Ação Católica Argentina, segundo as diretrizes do Episcopado. Além disto, ela se situa no foco dos mais ardentes e intrincados problemas contemporâneos, e ali intervém marcando os rumos da civilização americana por meio de um combate decisivo ao totalitarismo, o que no próximo artigo analisaremos.