Plinio Corrêa de Oliveira

 

Pela Igreja e pelo Brasil

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 3 de setembro de 1939, N. 364

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Escrevo na sexta-feira, a uma hora em que as notícias ainda são confusas e a única coisa que se sabe de positivo é a invasão do território polaco por tropas alemãs. No ar pairam numerosas interrogações de uma importância vital. Uma a uma, eu as examino detidamente, a ver se consigo desvendar a priori o curso dos acontecimentos. Mas estes se desenrolam com tanta rapidez que, possivelmente, o ambiente estará clareado antes mesmo de este artigo estar concluído. Devo, entretanto, entregar meu artigo quanto antes, que ocupações inadiáveis me impedirão de o fazer depois. Não tenho, pois, outro remédio senão oferecer aos meus leitores as impressões deste momento rápido, que vai ser definitivamente superado pelos momentos que se lhes seguirão dramaticamente. “Dramaticamente”, digo, porque ainda mesmo que a situação termine em um novo “Munique”, esta solução pacífica não deixará de ter seu aspecto dramático: o da capitulação definitiva do mundo ante seu novo feitor. E talvez seja mesmo esta a mais dramática das soluções.

*  *  *

A minha primeira interrogação é esta: o que fará a Itália?

Nada, absolutamente nada, nesta guerra, posso eu vislumbrar em seus interesses fundamentais e na índole de seu admirável povo, que explique a fidelidade inquebrantável ao eixo Roma-Berlim, caso a aliança Berlim-Moscou não seja novamente “camuflada” por algum estratagema diplomático.

Católica, e profundamente católica, a Itália além disto é latina, e profundamente latina. Mais ainda: por uma coincidência, é ela ao mesmo tempo a própria sede da Cristandade e da latinidade. Latinidade e Cristandade são, evidentemente, duas coisas absolutamente distintas. Isto, entretanto, não impede que a Itália seja a sede de uma e de outra.

Ora, a perdurar o conúbio Berlim-Moscou, o que poderá haver de mais anticatólico e de mais antilatino ao mesmo tempo do que esta associação de potências? Doutrinariamente, o eixo Berlim-Moscou é o eixo paganismo-ateísmo. Historicamente, é ele absolutamente alheio aos interesses latinos e italianos. Irá a Itália caminhar, entretanto, neste sentido?

Muitos indícios deixam prever que não. Profundamente católico, tendo, além disso, um senso vivíssimo dos valores históricos de seu patrimônio cultural, o povo italiano é perspicaz, inteligente, crítico e até mordaz. Seu pensamento vivo e impressionável não consome tempo para transformar as observações em idéias, e as idéias em atitudes. Não será fácil ao governo, caso ele queira seguir a orientação política que até aqui assumiu, arrastar atrás de si o povo italiano.

De mais a mais, ninguém ignora que a monarquia tem, na Itália, um incontestável prestígio. O rei, usando de suas atribuições, poderá exercer no curso dos acontecimentos uma ação salutar.

Finalmente, não se pode negar a Mussolini altas qualidades de estadista. Diante da pressão da opinião e possivelmente do Soberano, não saberá ele fazer calar suas simpatias tantas vezes proclamadas com ênfase apaixonada pelo nazismo e sacrificá-las aos mais altos interesses da humanidade? Devemos desejá-los, devemos esperá-los, devemos pedi-lo com ardente instância ao Criador, desde que de tal gesto advenham para o mundo em geral, e para os interesses da Igreja particularissimamente, os benefícios que tão calorosamente almejamos. O dia em que pudéssemos ver a Itália definitivamente reintegrada na política do pacto de Latrão seria para nós um dia de imenso júbilo. É verdade que o pacto de Latrão já está longe. Mas ninguém pode sustentar que o caminho que ele abriu está irretorquivelmente fechado.

Uma esperança sempre consola, ainda mesmo quando brilha pequenina no meio das trevas de graves angústias. É pequena assim nossa esperança. Mas ela brilha com o desejo de que Mussolini encontre o caminho de Damasco. Para Deus, nada é impossível... ainda mesmo quando as razões humanas para esperar são mínimas.

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Que atitude tomará o “Legionário”? Se a situação se definisse claramente, como um conúbio marxistico-nazista sem a associação de qualquer outra potência governada por dirigentes católicos ou ao menos com uma situação suportável para os católicos, ninguém poderia vacilar. Mas é difícil que esta situação se apresente tão cruamente. Pelo contrário, muitos “despistamentos” teuto-russos podem aparecer para encobrir a solidariedade entre os dois regimes. Esperemos os despistamentos, verifiquemos qual será a configuração das alianças no caso de um alastramento do conflito em toda a Europa. E só depois disto nos pronunciaremos. Porque, mais uma vez insisto sobre o fato, é difícil que as coisas venham a se delinear publicamente com uma tal clareza doutrinária nos primeiros dias do conflito. Nada nos espantará nesta ordem de idéias. Até mesmo que a Rússia se finja, por algum tempo, de indiferente ao curso das coisas. Estamos na hora das trevas e das confusões. E será menos provável que o mal arranque definitivamente a máscara cuja ponta levantou por momentos, do que continue a representar por vezes o papel de Anjo de luz.

Repitamos, pois: uma ofensiva clara e exclusivamente nazistico-comunista contra a Europa nos encontraria como inimigos irredutíveis. Se, porém, pela confusão dos espíritos mal-intencionados e pela moleza daqueles que talvez não sejam fundamentalmente maus, alguns interesses legítimos se misturarem aos da dupla nazismo-comunista, só mesmo uma análise objetiva dos fatos poderá determinar nossa atitude.

*  *  *

Para a determinação de nossa atitude, como é obvio, devemos também atender para o que fizer a Santa Sé. Porque, para nós, o ponto nevrálgico da questão é este. Todas as nossas simpatias e antipatias serão orientadas exclusivamente segundo o tratamento dispensado pelos beligerantes à Santa Sé. Se me aparecesse um ser sobrenatural com o aspecto do mais luzente dos anjos e ele me dissesse qualquer coisa de mal ou me manifestasse o propósito de fazer qualquer coisa de mal contra o Vaticano, ele seria por mim prontamente caracterizado como um indiscutível demônio. Se, pelo contrário, e por absurdo, me aparecesse a possibilidade de cooperar com o próprio demônio - por absurdo, repito - em um sentido desejado pela Santa Sé, eu aceitaria a cooperação. A medida de todas as coisas é a defesa intransigente dos direitos da Igreja.

Nossa própria posição de católico faz de nós patriotas ardentes. Aos ditames de nossa Fé, não são, pois, alheios aos ditames do patriotismo. Mais do que nunca, o Brasil exige a solidariedade afetuosa de todos os seus filhos.

Em qualquer emergência, nosso lema será este: pela Igreja e pelo Brasil.

*  *  *

A estas considerações convém acrescentar outra, de suma importância.

Não sabemos o que um futuro provavelmente remoto exigirá de nós como brasileiros. Enquanto, porém, os imperativos do patriotismo não nos levar a tomar atitude, não será nossa Fé que nos vai atirar contra qualquer povo do mundo. Por mais que o “Legionário” seja anticomunista, não será anti-russo. E por mais que seja antinazista, não será anti-alemão.

Pelo contrário, em todas as suas manifestações antinazistas e anticomunistas, inclui ele sempre um ardente ato de amor para com os povos oprimidos pela ditadura do ateísmo ou do paganismo. Se somos antinazistas e anticomunistas, e se não podemos desejar a vitória mundial destas ideologias, é com o indefectível afeto de irmãos amantíssimos em Nosso Senhor Jesus Cristo que saudamos neste momento os católicos russos e alemães, cujo maior bem ardentemente desejamos. E o que pode ser este “maior bem” senão o triunfo deles sobre a heresia? Ainda mesmo com sacrifícios para a Pátria terrena?


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