Legionário, N.º 407, 30 de junho de 1940

Ainda os Armistícios

Por maior que tenha sido a surpresa e o descontentamento geral, estamos certos que jamais se lamentará suficientemente a extensão catastrófica das cláusulas que os armistícios teuto-francês e franco-italiano contém.

Segundo as alegações oficiais do governo de Bordeaux, a cessação das hostilidades foi solicitada a fim de evitar uma rendição incondicional. Na realidade, porém, a rendição incondicional foi o único fruto tangível do armistício, pois que ele colocou a França em condições tais que quando, afinal, a conferência da paz se reunir, ela não terá um único recurso para se esquivar à imposição unilateral da vontade de um vencedor onipotente.

Do ponto de vista militar, o desarmamento francês é completo. Todas as indústrias de guerra, todo o material bélico, tudo enfim que poderia servir aos franceses como meio de resistência contra condições de paz excessivamente duras, tudo isto ficará sob mais rigoroso “controle” teuto-italiano, de sorte que a França ficará na impossibilidade de pensar em outra coisa senão a aceitação pura e simples de qualquer tratado.

Ao lado disto, o depauperamento será extraordinário. Com dois terços do solo ocupados, os franceses terão de manter à suas próprias expensas as forças estrangeiras ali estabelecidas. Para uma população que se encontra em ruínas, e que por isto mesmo terá de fazer pesados gastos de reparação de guerra, mais essa sobrecarga econômica será colossal.

Mas o que sobretudo alarma é que não se fala na data em que a conferência de paz deve ser reunida. Se ao menos essa conferência se reunisse logo, poder-se-ia esperar para dentro em breve a desocupação da parte do solo francês que o inimigo não arrebatasse. Mas a conferência parece ter sido relegada para as calendas grega, de sorte que este estado de coisas, tão vexatório e humilhante, não terminará provavelmente senão dentro de muito tempo.

O que a realidade nos mostra é, pois, uma França vencida, prostrada ao solo e humilhada duramente.

Humilhada? A desgraça não humilha ninguém. Não há razões, pois, para que os franceses se sintam vexados.

Realmente, a derrota não é uma humilhação. Mas o que é uma autêntica humilhação é que esse país glorioso tenha sido insultado em seu brio nacional exatamente por aquele em cuja senectude venerável, em cujas dragonas gloriosas e a  cujo patriotismo até ontem insuspeito ela havia confiado suas melhores possibilidades de vitória, depois de a entregar indefesa ao inimigo, ainda venha tripudiar sobre a memória dos que tombaram em guerra dizendo que não lutaram com o suficiente fervor e que à França falta o espírito de sacrifício.

Manda a realidade que se diga que, efetivamente, a França está sofrendo uma dura e prolongada hora de merecida expiação. Sem falar em outras razões que tornavam esta expiação uma necessidade, a limitação da natalidade era, em França, um dos maiores escândalos que a História registre.

Mas uma coisa que não se pode dizer do francês: que lhe falte coragem. Para o comprovar de modo insuspeito, basta ler o testemunho do Sr. Adolf Hitler. Em várias de suas recentes declarações não se fartou ele de elogiar o heroísmo dos franceses. De sorte que quando o mundo inteiro ia dando crédito à palavra de Pétain, foi o próprio chanceler alemão que se incumbiu de lhe dar solene desmentido.

Para a França insultada a Providência reservou esta reparação: o elogio de um adversário entretanto muito pouco cavalheiresco.

Aliás, quem ousaria dizer que a França não tem espírito de sacrifício! Se o Sr. Pétain duvidava disto, sua mesa repleta de telegramas do mundo inteiro, enviados pelas colônias francesas, provaria o contrário. De Londres, o rugido trágico e eloqüente do brio militar malferido do General De Gaulle prova bem o que pensam os franceses. E todo o mundo sente que, no interior da França, o descontentamento é forte. Por que, então, não se bate à França? Porque Pétain não o quis. Mas é aos franceses que falta o espírito de sacrifício!

Na realidade, há um lado mais doloroso nisto tudo. É que, em rigorosa conformidade com o que havíamos previsto, o litoral francês vai ser agora ocupado como ponto de vista de partida para uma ofensiva contra a Inglaterra, e a esquadra francesa só não vai ser empregada contra a antiga aliada porque há disto uma palavra formal do Sr. Hitler...

Assim, pois, vê-se que o armistício não se limitou a entregar a França à Alemanha. Fez mais: voltou a França contra a Inglaterra.

Dentro de alguns meses veremos um arremedo de França totalitária, ao lado dos seus antigos inimigos, repudiar todas as glórias da França católica e continuar, sob outra roupagem, as piores tradições da França revolucionária.

Mas Deus governa o mundo com sua Providência e saberá qual o instante propício para livrar franceses, ingleses, bem como alemães ou italianos, de tantos perigos atrás dos quais se embosca o neo-paganismo totalitário.