Legionário, N.º 412, 4 de agosto de 1940

As novas Paróquias

Os católicos, mais do que ninguém, sabem que as ordens da Autoridade se obedecem não apenas quando com elas concordam os súbditos, mas ainda, e sobretudo, quando não percebem as razões que a levaram a tomar esta ou aquela deliberação. Isto não obstante, é conveniente e meritório que os súbditos se habituem a perscrutar reverentemente as razões da Autoridade para, compreendendo-as melhor, lhes dêem mais pronta, mais minuciosa e mais fiel execução.

Dentro desta ordem de idéias, não me parece demais que o público católico compreenda e admire não apenas as razões que levaram o Ex.mo e Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano a multiplicar a celeridade fulminante de um “blitzkrieg”, mas ainda os sacrifícios heróicos que o Clero da Arquidiocese está fazendo para dar execução à vontade de S. Ex.a Rev.ma. Daí só poderá derivar uma colaboração cada vez mas fiel, mais entusiástica e mais generosa dos fiéis, com os esforços desenvolvidos pela Hierarquia Eclesiástica.

* * *

A multiplicação do número das Paróquias, que representa uma execução corajosamente célere e eficaz, não constitui o fruto de uma reflexão rápida furtiva, nem de um plano açodadamente concebido.

Esta medida constituía um velho e ardente anseio do jovem Prelado que, como Bispo Auxiliar, fora pela Providência colocado ao lado do imortal e sempre saudoso Dom Duarte. Expondo-o àquele grande Arcebispo, D. José Gaspar de Afonseca e Silva obteve sua generosa e paternal aquiescência e pouco antes da morte do venerando Metropolita já estavam traçados, com seu estudo, para serem promulgados sob sua autoridade, os limites de algumas Paróquias novas, que seriam as primeiras de uma longa série vindoura.

Elevado ulteriormente ao sólio arquiepiscopal, o Ex.mo e Rev.mo Sr. D. José Gaspar de Afonseca e Silva outra coisa não teve que fazer senão dar execução a este velho anseio, amadurecido ao cabo de longas reflexões e adotado com todo o calor com que se devem adotar e executar as resoluções imprescindíveis, imperiosamente impostas pela própria natureza das coisas.

Espantar-se-ão, por certo, muitos espíritos superficiais ao ver que, enquanto teve a propaganda protestante e espírita, enquanto a dureza da crise universal multiplica os problemas sociais e aumentam a gravidade dos que já existiam, enquanto tantas e tantas iniciativas apostólicas urgentes, que pareceriam reclamar recursos dos mais largos, progridem penosamente e à custa dos maiores sacrifícios, enquanto o apostolado de conquista das almas extraviadas pelos erros contemporâneos solicita tão imperiosamente o zelo e a dedicação de todas as almas realmente católicas, o novo Arcebispo esteja empenhando esforços e recursos sem conta na construção de numerosas igrejas, todas ou quase todas exigindo despesas amplas e não raramente apresentando uma nota de verdadeiro esplendor. Compreender-se-ia facilmente que suas vigílias se consumissem no estudo dos problemas relacionados com a conquista das almas que gemem fora da Igreja. Pelo contrário, o que se vê é que, se ele não descura disto, seus melhores esforços são empregados na solução de um problema de ordem interna, e meramente administrativo, ao menos na aparência, como seja a multiplicação das várias subdivisões eclesiásticas da Arquidiocese!

Com efeito, essa obra é de mera organização interna da Igreja. Indiscutivelmente, não atinge ela de modo imediato o apostolado de conquista. E, no entanto, não tenho a menor vacilação ao afirmar que ela constitui, e de modo eminente, uma bela, brilhante, profunda e durabilíssima obra de conquista das almas que se encontram fora do aprisco do Bom Pastor.

* * *

Entendamos. Não é próprio da Igreja fazer as coisas com superficialidade. E, por isto mesmo, o que caracteriza suas realizações é uma perfeita despreocupação quanto aos frutos imediatos e efêmeros das iniciativas que empreende. Impulsionada sempre por razões profundas, suas atividades se desenrolam segundo toda uma estrutura de concepções e planos intimamente relacionados com sua própria doutrina. Pode ser que muitos não compreendam imediatamente seus móveis, pois que é próprio do geral das pessoas não compreender as razões profundas dos acontecimentos. Mas a Igreja constrói para o futuro, e tem os olhos postos na eternidade. Só os resultados tangíveis, concretos, duráveis, capazes de desafiar séculos, lhe interessam. A espuma inconstante das popularidades de momento não A fascina. Ela não quer aplausos, quer conversões.

Todo o verdadeiro apostolado de conquista (aliás, qual o apostolado que não visa conquistar?) há de ser preparado por um trabalho interno. Essa verdade vale tanto para os indivíduos, quanto para as organizações que se consagram às atividades apostólicas. Ai do indivíduo que pretenda conquistar almas para a Igreja em detrimento da própria vida interior! Sem a preparação remota e profunda que esta dá ao apostolado, não haverá frutos que durem em sua atividade, e Dom Chautard não hesita em afirmar que ele expõe seriamente, em casos não raros, sua própria salvação. Assim também, ai da organização que se abalance às lutas do apostolado sem uma estrutura e preparação interior conveniente. De modo inevitável, a enorme carga das dificuldades vão se manifestar em desproporção com os parcos recursos existentes. E então, ou prevalece o excesso de otimismo e a organização começa a arcar com responsabilidades que mais cedo ou mais tarde a esmagarão, ou então o pessimismo tomará a dianteira, e reduzirá a associação a uma inércia que será para ela uma morte antecipada.

Corpo Místico instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo para a salvação das almas, a Igreja nunca se esquece de que ela é uma imensa organização vivificada pela seiva da graça, e que, se bem que a promessa divina lhe assegure de modo indubitável a indefectibilidade, o resultado mais ou menos extenso de seus esforços está em função, ao menos em parte, da observância destas regras. E é exatamente por isto que vemos a Santa Igreja velar, com um zelo extremo, pela perfeita organização de seus próprios quadros. Tudo quanto se refere à vida interna da Igreja foi por ela minuciosa e admiravelmente regulado, com uma sabedoria que traz claramente em si a marca da inspiração divina. Quem a visse entregue amorosamente a essa tarefa poderia, talvez, julgá-la esquecida das relevantíssimas funções do apostolado junto a tantos pagãos e neo-pagãos. Mas esta impressão só poderia aflorar em um espírito superficial. O apostolado exige absolutamente toda essa preparação anterior, de sorte que, se para assim proceder a Igreja outras razões não tivesse, esta bastaria apenas para tal.

* * *

É a este pensamento profundo que se prende todo o plano da multiplicação das Paróquias na Arquidiocese.

Enganam-se os que supõe que todo o combate aos erros que assolam nossa época se cifra na tarefa de vociferar contra eles. Indiscutivelmente, os erros devem ser combatidos com aquela constância heróica que o Espírito Santo descreve quando incita o fiel a combater pela Fé condenando os erros “em tempo oportuno e inoportuno”. Mas há um outro trabalho de que nunca poderemos esquecer. Não há melhor barreira para os nervos do que intensificar nos fiéis a vida da graça. Uma Arquidiocese em que todos os fiéis estejam unidos à Santa Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo como os sarmentos à vinha, poderá sem dúvida ser flagelada pelas maiores provações, e batida pelos ventos da mais intensa propagando herética. Mas, ligada a Jesus Cristo, ela crescerá no perigo, se desenvolverá no sofrimento, e triunfará de seus inimigos, ainda mesmo que banhada no sangue dos mártires.

Pelo contrário, se for tíbio nos fiéis o amor à Igreja, se for fraca a sua piedade, superficial sua vida interior, relaxada sua prática dos mandamentos, não haverá o que ela não possa recear.

É bom golpear o erro. Mas de todos os golpes, nenhum podemos desferir mais certeiro, nem mais profundo, do que unirmo-nos, pelo estudo da doutrina católica, pela freqüência dos Sacramentos e pela meditação, à Santa Igreja de Deus.

Assim, a multiplicação das Paróquias não é senão a multiplicação dos luzeiros que, pela cidade afora, irão irradiar a luz divina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Onde outrora se estendiam regiões imensas, densamente habitadas por uma população que o mais zeloso dos Párocos não poderia atingir inteiramente, hoje começam a se acender fachos de vida religiosa, que, desenvolvendo-se aos poucos, multiplicarão, em torno de cada nova Igreja, os centros de influência e irradiação da Religião Católica. Em cada Paróquia florescerão associações novas, e a Ação Católica, que é a grande obra do momento e a menina dos olhos do Arcebispo, lançará raízes pujantes. Em cada uma delas, a Obra das vocações começará o recrutamento benemérito dos novos levitas do Senhor. Em cada uma, a Propaganda Fide começará o trabalho pelas missões longínquas e tão dignas de apoio. Em cada uma, as Pias Uniões e Congregações Marianas irão, como obras auxiliares da A. C., regenerar a juventude, e as Conferências Vicentinas irão auxiliar a pobreza. Ao par disto, as Escolas Paroquiais e as obras beneficentes de todos os matizes e feitios multiplicarão, sob a influência da Igreja, a ação nas classes desprotegidas. E tudo isto se operará sem que nenhum prejuízo sofram as obras já existentes nas Paróquias antigas.

É ou não é este o trabalho máximo que as circunstâncias pareciam exigir no momento?

* * *

Compreendeu admiravelmente o Rev.mo Clero da Arquidiocese. Com uma abnegação que só o mais puro zelo pela glória de Deus pode explicar, os Párocos das antigas Paróquias assistiram contentes ao desmembramento de seus territórios, e os Sacerdotes incumbidos de Paróquias novas aceitaram o encargo heróico de as fazerem surgir por assim dizer do nada.

A muita gente poderá ter parecido temerário o plano do Sr. Arcebispo Metropolitano. Essa gente não conhecia a dedicação, o zelo, o espírito de heroísmo e de sacrifício do Clero da Arquidiocese.

O que agora é necessário é que os leigos não se limitem a assistir com simpatia platônica a tantos e tão heróicos esforços. Há três formas de apostolado neste assunto. O primeiro, é o da oração. É o mais importante. E ao mesmo tempo todos podem prestar. Qual o fiel que não pode incluir em suas orações uma prece por estes Sacerdotes heróicos que aceitaram tão árdua missão? Qual deles não poderá pedir a Nosso Senhor que fecunde tantos labores e aplaine caminhos por vezes tão íngremes? O segundo apostolado é o do trabalho. Não poucos o podem prestar, e estão por isto mesmo na obrigação de o prestar. Mas há um outro trabalho que só poucos podem fazer. É o apostolado do dinheiro. E por isso mesmo que são poucos os que, tendo dinheiro, tem também bastante espírito de Fé para compreender que devem ser generosos, é chegada a hora em que todos os generosos devem passar a ser generosíssimos, e todos os parcimoniosos devem mais do que nunca começar a ser generosos.

Generosidade na oração, no trabalho e na esmola, eis para nós, leigos, o grande dever do momento.