Legionário, N.º 425, 3 de novembro de 1940

DEGRELLE

Penso que todos os leitores do “Legionário” ainda devem estar lembrados da figura espetacular de Leon Degrelle, “leader” fascista belga, que a algum tempo figurava no cartaz dos mais momentosos acontecimentos internacionais.

Jovem ainda, ativo, vivo, ousado, Degrelle iniciou nos meios católicos belgas, um movimento chamado “rexista” por ter como centro de culto Cristo Rei. Esse movimento, se bem que inscrevesse em seu estandarte uma tão admirável devoção, afetava todas as características das místicas falsas de nosso século, místicas vivas, explosivas, inquietas, alucinantes, que quando se esgueiram no espírito de alguém, aí penetram, não com os sinais característicos das operações do Espírito Santo, mas com todas as marcas das neuroses mais ou menos aparentadas com o preternatural.

    Uma falsa mística, propagada por detrás de um rótulo tão apto a empolgar os espíritos retos, como seja a devoção a Cristo Rei, causou na Bélgica ruínas sem conta, no terreno espiritual. Em virtude de emanações miasmáticas do ambiente liberal, havia em certas organizações católicas belgas uma tal ou qual modorra, um tal ou qual afrouxamento, que sem afetar a substância do movimento religioso, entretanto, tiravam a este algo de sua fecundidade. Surgindo o rexismo, esta modorra se sacudiu, e a febre que começava a circular com ele pelas veias do movimento católico, a atividade, o entusiasmo, o messianismo desmedido, que ele gerava, eram tomados por muitos como promissores indícios de restauração e saúde.

Aludimos ao messianismo. Essa falsa mística deveria gerar evidentemente uma concepção falsa de todas as coisas. Daí, uma concepção falsa do panorama social. Intencionalmente, Degrelle e seus órgãos de propaganda faziam circular boatos inquietadores. Como um leão que ruge em torno de sua presa, diziam eles parafraseando o Apóstolo São Paulo, o comunismo rondava em torno da Bélgica. Cheiro de conspiração pelo ar. Misteriosas cartas anônimas contendo terríveis ameaças. Bombas descobertas aqui ou acolá, exatamente nos centros de vida católica mais propensas a se tornarem rexistas. Boatos de perigos surdos, vagos aterradores, que irromperiam de um modo ou outro, dentro em muito breve, sob a forma de catastróficas realidades. Todo o aparato de boatos de que hoje serve a quinta coluna, tudo isto era utilizado e posto em cena em benefício do rexismo. Como meio de salvação, evidentemente só um: a adesão completa, incondicional, integral, à orientação rexista. Hesitar, examinar, discutir a doutrina do “duce belga era já abrir as portas ao comunismo. Quanto a esperar do movimento católico alguma salvação para a Bélgica, triste ilusão! Diziam os rexistas que esse movimento estava inteiramente infiltrado pela maçonaria e pelos agentes secretos comunistas, de sorte que os mais promissores resultados da Ação Católica Belga, inclusive os triunfos jocistas do Cônego Gardyn, eram considerados elementos de profilaxia anticomunista perfeitamente infantis, caso não se aceitasse o concurso salvador de Leon Degrelle.

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Basta ter dois dedos de senso católico, para notar os consideráveis inconvenientes que decorrem, para a Religião, de um tal estado de espírito que redunda em última análise, em um naturalismo cru, prenunciador seguro dos erros os mais funestos, e, aliás, já em si erro funestíssimo.

Percebeu-o com clareza S.E. o Cardeal Van Roye, Arcebispo de Malines, a mais alta figura de todo o Episcopado na Bélgica.

Com um vigor de resolução que lembra S. Gregorio o Grande, para não falar no exemplo mais recente de Pio XI, o Cardeal Van Roye, exatamente e quando a campanha de boatos atingia, na Bélgica, ao auge, condenou o rexismo, embargando-lhe seriamente a propaganda em todos os meios católicos.

A condenação era um verdadeiro desafio. De fato, o eminente Prelado, com seu gesto, punha a prova a disciplina dos católicos a ver de que lado penderiam, se do lado da hierarquia que representa indefectivelmente o Salvador, ou do lado do falso messias, cuja silhueta moral era talhada segundo o triste figurino do Sr. Hitler.

No desafio, graças a Deus a Autoridade Eclesiástica foi estrondosamente vitoriosa. O Rexismo parecia um perigo imenso: condenado, não levou às urnas senão uma fraquíssima porcentagem eleitoral, e de lá para cá não tem feito senão agonizar... isto ao menos até a invasão alemã.

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Tocamos, com estas palavras, no âmago da questão. Não faltaram espíritos perspicazes que denunciaram a solidariedade de Degrelle com Hitler. Os mesmos processos ululantes de propaganda; a mesma retórica exaltada, messiânica ou antes pseudo messiânica e unilateral; o mesmo personalismo exagerado que concentrava na pessoa do chefe do partido todas as virtudes e todos os méritos da ideologia; o mesmo programa vago, flutuante, impreciso na aparência, mas que continha em suas dobras os mais funestos germens de heresia; tudo isto constituía entre o rexismo e o nazismo um tal elo de fraternidade, que se chegava a perguntar se o nacionalista rubicundo e exagerado que era o Sr. Degrelle, não poderia bem ser um simples agente do Sr. Hitler.

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O “Legionário” já aventou [uma] vez essa hipótese, que aceitou e defendeu sem vacilação. Nunca hesitou nossa folha em colocar Degrelle ao lado de Quisling, Mosley, Seys-Inquart, e outros, na mesma categoria em que figuram ainda o atual chefe do governo rumeno, bem como os Srs. Horia Sima, Serrano Suner, etc. etc.

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 Uma rápida notícia, publicada pela Folha da Manhã desta cidade, jornal que é o maior consumidor das notícias da agencia germanisante T.O., e por isso mesmo muito insuspeito para os totalitários, vem confirmar nossa notícia: os rexistas dirigem agora um jornal recém-fundado, Brusseller-Zeitung, que se publica na capital belga, e que advoga a formação de um novo Estado, o Dietsch, que não seria outra coisa senão pequena potência a ser governada pela Alemanha indiretamente, uma Slovaquiazinha qualquer, perdida pelo litoral do Mar do Norte.

    Caiu a máscara... Para que comentar o fato?