Plinio Corrêa de Oliveira

 

Sofismas novos, erros velhos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 24 de agosto de 1941, N. 467

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A “Estrela do Mar”, excelente órgão da Confederação Nacional das Congregações Marianas, publicou há pouco um luminoso trabalho condenando com serena firmeza o pretenso “apostolado de infiltração” que os católicos fariam, frequentando bailes mundanos com o intuito de os moralizar. Quem conhece o grande discernimento e a notável prudência com que aquela revista é dirigida, não pode duvidar de que, se essa solução foi publicada de modo tão minucioso e claro, é porque correspondia a uma premente necessidade. Com efeito, a maior parte dos erros que viciavam a formação religiosa dos católicos brasileiros de há vinte ou trinta anos atrás está renascendo. Evidentemente, esses erros pretendem ajustar-se ao sabor dos novos tempos, e alegando argumentos muito diversos dos que, há algumas décadas, tanta popularidade lhes valeram. Mas só o que mudou foram os atavios dos erros. Estes conservavam, intrinsecamente, a mesma natureza. É a ressurreição de defuntos que assistimos. Mas de defuntos que, com aparência de saúde e de vida, nada perderam da podridão e do mofo que trazem da sepultura.

Por oposição aos católicos acomodatícios e relaxados, infelizmente tão frequentes entre nós, aos católicos (?) liberais que procuravam acomodar as idéias e o teor de vida de nosso século às máximas da Igreja, formou-se em nosso país uma geração espiritual de católicos completos, radicais nas suas convicções como no seu modo de viver, igualmente inimigos dos contrabandos doutrinários que pretendem conciliar a heresia com a verdade, e as escamoteações da moral, que visam acomodar as consciências piedosas com o mal.

Este movimento recebeu de Jackson de Figueiredo um impulso extraordinário. Sua nota dominante era uma sede devoradora de radicalismo santo, de autenticidade indiscutível, de austera intransigência. E, por isto, o inimigo supremo era para ele não o adversário declarado, mas o prosélito das doutrinas suspeitas, das heresias encobertas, das idéias que procuram situar-se na periferia da ortodoxia, dos costumes que procuram sofismar com a moral etc., etc. Para os católicos formados nessa escola, tinha um sentido preciso a palavra do Espírito Santo: “se fosses frio ou quente, eu te aceitaria, mas como és morno começo por vomitar-te de minha boca”.

Dentro desta ordem de idéias, considerava-se que, quanto mais completa a ruptura do católico com os costumes do mundo, quanto mais radical seu horror à paganização do século, tanto mais perfeita sua formação. Por isto mesmo, era com geral enlevo que se contemplava a formação, nas fileiras marianas, de toda uma geração de moços puros e fortes, que, repudiando decididamente qualquer cumplicidade com os erros do século, se afastavam inteiramente das diversões pagãs. E, pelo contrário, dava provas de um singular liberalismo o Congregado que procurasse acomodar sua consciência com o sentimento de regalo que lhe causasse a frequência de diversões imorais. Assim, a noção de católico completo, autêntico e radical comportava evidentemente uma ruptura decidida com tudo quanto, de qualquer maneira e ainda que de longe, fere a modéstia cristã.

Mas o erro sabe renascer com arte. Daí o fato de aparecer hoje em dia uma hábil e sinuosa explicação para uma conciliação entre o católico autêntico e o espírito do mundo, sob pretexto de apostolado de infiltração. Evidentemente, o excelente artigo da “Estrela do Mar” já fez justiça a esse erro. Membros da Ação Católica, Congregados Marianos, Vicentinos, Membros do Apostolado da Oração ou de Ordens Terceiras, todos lucram com a leitura desse excelente trabalho, cujas conclusões a todos se aplicam.

* * *

Secundando esse esforço altamente construtivo da Confederação Nacional das Congregações Marianas, construtivo no sentido mais legítimo e mais nobre dessa palavra hoje tão deformada por interpretações heréticas, quero denunciar mais alguns sintomas dessa ressurreição de defuntos.

Todos se lembram da situação verdadeiramente deprimente a que o orgulho das antigas irmandades e confrarias reduzia os Sacerdotes colocados em sua direção. Para os pobres Comissários, não havia peias que bastassem. Parece que cada irmandade considerava como seu problema n° 1 reduzir à impotência o respectivo Comissário: nas sessões da irmandade, assistia-lhe o modesto papel de ouvir tudo quanto se deliberasse, e apenas enunciar sua opinião quando estava em jogo alguma questão de doutrina nos problemas econômicos e administrativos, o mais leve aviso ou conselho que desse seria tido como uma perigosa intromissão em seara alheia; nas próprias funções sacerdotais, o espírito abominável das irmandades se refletia estabelecendo para o Sacerdote odiosas restrições, pois que em certas irmandades lhe era até negado o direito de guardar as chaves do Sacrário, enquanto em outras lhe era vedado tratar certos temas incômodos, como, por exemplo, o inferno, a emenda da vida, etc., etc.

A situação não poderia ser nem mais inconveniente, nem mais injusta. A própria dignidade do caráter sacerdotal exige que, sempre que em um ambiente esteja um Sacerdote, a pessoa de confiança da Igreja seja ele. As graças de estado, o cunho sacramental da Ordem, a longa formação recebida em Seminário etc., tudo isto constitui um acervo de garantias que justifica largamente essa asserção. Ora, por sua natureza, as irmandades e associações de fiéis são depositários dos mais altos interesses espirituais da Igreja. Esta não quer, não pode e não deve ser indiferente ao que fazem as associações de leigos. E, por isto mesmo, o Sacerdote tem naturalmente indicado seu lugar em qualquer associação em que se encontre: ele é a autoridade indiscutível, o árbitro supremo dentro do sodalício, o diretor por excelência, ante cuja autoridade, em qualquer assunto, todos devem inclinar-se.

Exatamente por isto, é próprio do perfil espiritual do católico autêntico um inflexível e amoroso espírito de disciplina para com o Sacerdote. Dotado de uma personalidade forte, saberá o católico autêntico arcar com quaisquer responsabilidades e tomar quaisquer iniciativas. Mas sempre que o Diretor de sua associação lhe mandar executar coisa diversa do que desejaria, é com perfeita serenidade que ele saberá inclinar-se e obedecer sem discutir.

No entanto, quem ousaria negar que esse espírito hoje morto na maior parte das irmandades renasce em certas concepções acerca da situação do Assistente Eclesiástico na Ação Católica? Alguns entendem que o Assistente tem apenas um direito de veto puramente doutrinário. Caso nada se diga ou se resolva contra a doutrina católica, seu papel é calar-se, respeitosamente. Outros lhe concedem o direito de voto também nas outras questões. Mas um simples voto individual, que pode ser derrotado pela maioria. São os mais generosos, os mais indulgentes, em uma palavra os mais clericais...

Quem pode não ver que é velho e surradíssimo anticlericalismo maçônico que renasce nestas concepções? Quem pode não perceber que, se por absurdo prevalecessem na Ação Católica estes conceitos, o Assistente Eclesiástico estaria reduzido ao papel do mais desarmado e apagado dos Comissários das Irmandades maçonizadas do século passado? Pelo temor que em certos círculos parece formar-se de uma exagerada influência do Sacerdote na Ação Católica, quem não perceberia que está criando novo alento o brado de Gambetta: “o clericalismo, eis o inimigo!”

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O grande chavão dos liberalões do século passado era que, se é bom ser-se católico, o exagero constitui sempre um grave perigo. Por isso, o tipo ideal de católico era o que fosse bem comportadinho perante os desmandos do século: desbotado nas idéias, desbotado nas palavras, desbotado nas atitudes, o católico deveria tomar, na sociedade contemporânea, a posição humilde e secundária que em certos romances tem o filho ilegítimo ou o parente pobre. Jamais seus lábios se deveriam abrir para proferir uma condenação ardente, ou apóstrofe veemente, uma réplica fulgurante. Isso não quadrava bem com sua condição de indivíduo atrasado e antiquado, que a sociedade, por mera bondade, ainda suportava. Sua eterna posição deveria ser de a de um indivíduo invariavelmente agachado diante de tudo e de todos, pronto a todas as defecções sob pretexto de caridade e humildade.

Exatamente por isto, todas as atitudes contrárias ao respeito humano, todos os gestos santamente chocantes, que combatessem a pestilência dos maus ambientes pelo “escândalo” do bom exemplo, todas as atitudes que revelassem uma intrepidez na fé e um heroísmo na virtude, eram severamente proscritas.

Quem diria que tudo isso começa hoje a renascer novamente? Quem diria que, sob pretexto da infiltração, há quem sustente que o católico deve evitar de arvorar claramente o pendão da Fé, que deve evitar todas as atitudes ou todas as opiniões capazes de desagradar a corrupção do século, que ele deve, para atrair as almas a Cristo, esconder cuidadosamente que ele pertence à Igreja de Cristo, e que, em lugar de proclamar a doutrina de Cristo para fazer com que as almas se encantem com seu perfume, deve ocultar sua fé, e insinuá-la como uma mercadoria de contrabando! Ó São Paulo, que entrava de chofre no areópago a fim pregar Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado! Evidentemente, há situações excepcionais que impõem uma regra de conduta imensamente moderada. Mas quem não veria a geral deserção que essa conduta acarretaria, caso ela fosse apregoada como regra universal de procedimento?

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Tudo isto mostra que os mornos estão levando a cabo uma ofensiva, e que esta ofensiva está ganhando terreno. Sob pretextos novos é o velho erro que renasce, apoiado desta vez - fenômeno surpreendente - por figuras de internacional reputação intelectual e moral.

Mas, graças a Deus, essa onda será efêmera, e a Igreja, esclarecendo os transviados, condenará esse neomodernismo religioso que Pio X com tão santa energia abateu.


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