Legionário, N.o 480, 23 de novembro de 1941

Contra as deturpações do Natal

Aproximando-se as festas de Natal, a Junta Arquidiocesana da Ação Católica, prepara uma grande campanha a fim de, quanto possível, substituir pelas comemorações de caráter estritamente religioso e familiar as reuniões mundanas e pagãs que cada vez mais se multiplicam nestes dias augustos estabelecidos pela Igreja para o culto especial do Menino Deus. Não é este o lugar para se fazer a discriminação das muitas providências e iniciativas que a Junta Arquidiocesana tomará a fim de que sua campanha de 1941 implique em real progresso sobre a de 1940, que já foi tão rica e tão fecunda. Também não é nosso propósito insistir hoje sobre o que ninguém ignora, isto é, sobre a miséria moral dos cotillons, reveillons, bailes e outras festas em que, sob pretexto de celebrar o nascimento de Jesus Cristo em Belém, matam-No em tantas e tantas almas. Tudo isto é muito conhecido e já tem sido fartamente lamentado. O que sobretudo nos parece necessário é mostrar as causas profundas deste mal, causas complexas  e poderosas, se bem que remotas, causas que por isto mesmo não podem ser extirpadas em uma simples campanha de Natal, mas exigem anos inteiros de atividade inteligente e metódica.

É óbvio que a principal causa da paganização do Natal consiste na atração sempre maior,que as diversões sensuais e pagãs exercem sobre a índole lasciva e desregrada do homem contemporâneo. A massa das pessoas que assim profanam o Natal não ignora, a respeito dessa data litúrgica, o essencial. Com efeito, quem ignorará que no dia 25 de Dezembro se festeja o nascimento do Salvador, do Homem-Deus que veio remir a humanidade? Se há tanta profanação do Natal, não se suponha pois que isto acontece porque uma série de pessoas muito boas, mas ignorantes, se esquecem das lições do Catecismo sobre o Natal, mais ou menos como um menino esqueceria uma lição de Geografia. A paganização do Natal não é um “equívoco”: é um pecado.

Entretanto, não deixa de ser verdadeiro que se se insistisse devidamente sobre o exato significado do Natal, quer do ponto de vista estritamente teológico, quer do ponto de vista histórico e social, muito menos campo para suas devastações encontraria no ânimo dos fiéis a paganização contemporânea.

Antes de tudo, é, pois, indispensável que todos tenham bem em mente o que significa precisamente a Encarnação, o papel que ela tem na economia de nossa salvação, a inapreciável honra que conferiu ao gênero humano, e a infinita bondade que Deus manifestou por meio dela. Muita literatura se tem procurado fazer sobre este assunto em certos jornais e revistas católicos. É muito louvável que se procure comover por esta forma a sensibilidade dos fiéis. Mas é sobretudo importante não esquecer que as emoções duráveis e eficazes resultam muito mais de conhecimentos precisos e claros, de convicções sólidas e substanciosas, do que dos artifícios da literatura ou da retórica.

Fala-se muito hoje em dia de civilização cristã, e esta augusta expressão, de que se tem usado e abusado nos discursos dos chefes de Estado contemporâneos,  passou a ser para muitas pessoas uma fórmula absolutamente oca. A imensa diferença, e, mais do que isso, o radical e insanável antagonismo que existe entre a Cidade de Deus, isto é a civilização católica, e a cidade do demônio, isto é toda e qualquer civilização acatólica, quem a compreende hoje em dia, na massa geral? Quem compreende que a festa de Natal é, em larga parte, a festa desta civilização que nasce em Belém, na própria gruta em que nasceu o Menino Deus? Noções esquecidas, noções ignoradas, ou às vezes noções vistas com miopia, que bem confirmam a exclamação da Escritura: “Diminutae sunt veritates a fillis hominum.

É toda a restauração de uma longa série de conceitos fundamentais que a despaganização das festas de Natal supõe, e é para este trabalho que convocamos o zelo de nossos leitores.