Legionário, N.o 489, 25 de janeiro de 1942

O MUNDO DE PÓS-GUERRA

A "Folha" publicou, há pouco, um interessante artigo de uma jornalista inglesa, Freda Utley, que suscita, a respeito do mundo de pós-guerra, problemas dignos de atento exame.

Mostra aquela publicista britânica que a necessidade de preparar a guerra total contra o III Reich e o Japão está forçando as potências democráticas a intervir em todas as esferas da atividade privada. Este fenômeno é patente. Com efeito, "guerra total" significa a mobilização de todos os recursos nacionais. Logo significa, implicitamente, a direção e coordenação de todas as atividades pelo Estado. Portanto, implica no estabelecimento de uma ordem de coisas tipicamente totalitária. Não é preciso ter sequer dois grãos de talento para perceber que é este o único meio de vencer a coligação nazi-nipônica. Uma transitória imersão no totalitarismo é para todos os países anti-totalitários uma fundamental necessidade imposta pelas modernas condições de luta.

Até aí, as considerações da articulista são irrepreensíveis. Entretanto, não podemos dizer o mesmo de suas demais reflexões. Acentua ela — e nisto ainda estamos de acordo — que o liberalismo democrático fracassou inteiramente, pelo que não se pode pensar em um retorno às fórmulas políticas do século passado. Acrescenta — e nisto já estamos menos de acordo — que a profunda perturbação de todas as atividades sociais, que já se pode prever depois da guerra, será tão profunda, que os governos dos países democráticos não terão remédio senão praticar uma intervenção sistemática em todas as atividades sociais, individuais, sob pena de votar as massas populares das nações vencedoras — que dizer-se então das nações vencidas! — a uma verdadeira catástrofe. Tudo isto posto, - conclui a articulista - que o jogo inelutável, e por assim dizer mecânico das circunstâncias, arrastará o mundo democrático à adoção de processos de governo tipicamente totalitários de tal sorte que, vencedora no campo de batalha, a democracia correria o risco de soçobrar nos próprios gabinetes dos países vencedores.

Assim, desde já se entrevem futuros e grandes perigos para as democracias que deverão encontrar uma fórmula para sobreviver a esta nova crise. Que fórmula? A articulista não o sabe. Por isto, seu artigo termina com um apelo mais ou menos explícito para que todos trabalhem até que encontrem a panacéia de uma democracia que saiba não ser liberal, nem totalitária.

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Muito há de sensato no pessimismo destas previsões. Mas nem por isto achamos que elas se justificam inteiramente. Por mais profundas que sejam as comoções sociais de post-guerra nos países vencedores, elas não serão talvez muito mais fortes do que em 1918. Por outro lado, admitir que a salvaguarda dos interesses nacionais durante tais comoções exija necessariamente o sacrifício quase completo, ou quiçá completo, da autonomia das iniciativas particulares é um erro. Certamente, nos momentos de crise a autoridade precisa de ser reforçada. Mas, seria o caso de se perguntar se, depois de alguns anos de violentíssima torção de toda a vida econômica e social, a verdadeira sabedoria não consistiria, ao menos em larga escala, em abster-se em matéria econômica e social de novas intervenções falseadoras, permitindo que a liberdade e espontaneidade de ação dos particulares reconduzisse lentamente a sociedade a um regime real e não fictício, espontâneo e não forçado, vital e não apenas artificial.

Os que só vêem uma possibilidade de ordem e grandeza nos campos em que o Estado suprime inteiramente a liberdade das iniciativas individuais, adotam princípios tipicamente totalitários, e por uma curiosa inversão entendem que "todo o bem que os particulares fazem é mal feito; e todo o mal que fazem é bem feito". Sem que neguemos a importância da ação do Estado, salutar às vezes e indispensável outras, livre-nos Deus de chegar a tão hediondo e detestável excesso.

Mas está justamente aí o risco. Uma pessoa que se manifesta sincera e até ardentemente democrática como a Sra. Freda Utley, não percebe que, no fundo, é uma totalitária; uma alma cândida que crê romântica e ingenuamente na onipotência da ação saneadora do Estado, no valor infalível de suas panacéias jurídicas e orçamentárias, bem como na irremediável e universal inocuidade da ação particular em qualquer campo. De todos os lados, vemos aparecer mentalidades semelhantes à sua; pessoas que desejam ardentemente a queda do Sr. Hitler e de seus satélites, mas que, quando se ocupam do mundo de post-guerra, revelam sempre uma mentalidade tão imbuída de espírito totalitário que quando sonham em um mundo melhor, decorrente da vitória, não concebem uma ordem de coisas muito diversa da que o Sr. Hitler realizou.

É esta, na realidade, a grande tragédia. Por mais que o jogo mecânico das circunstâncias pareça justificar todas as apreensões, nenhuma sombra é tão escura e tão vasta, no quadro de nossas perspectivas, do que esta sedução ideológica, sub-reptícia por vezes e clara outras vezes, dos princípios totalitários no espírito até dos que com maior ardor os combatem.

Quando, abatido Napoleão, os soberanos europeus se reuniram em Viena com o louvável intuito de "pôr entre parêntesis a Revolução Francesa", o mesmo fenômeno se observou.

Com efeito, mesmo os homens mais empenhados em destruir a obra diabólica dos revolucionários, se mostraram muitas vezes profundamente afetados por seus princípios. E foi assim que essa assembléia de Reis aboliu — o único voto discordante foi do representante do Papa — o organismo que era a arquitrave do sistema monárquico europeu, isto é, o Santo Império Romano Alemão. (...)

Dar-se-á o mesmo quando se tratar de abater esse diabolicíssimo e genuiníssimo rebento da Revolução, que é o nazismo? Queira Deus que não. De qualquer maneira, não é fora de propósito que comecemos a nos ocupar do que, sobre o mundo de amanhã, deve pensar um católico autêntico.