Legionário, N.o 492, 15 de fevereiro de 1942

PEARL HARBOR E O CARNAVAL

Encontramo-nos hoje, mais uma vez, em pleno carnaval. Graças a Deus, de ano para ano decaem os festejos de Momo. Entretanto, é preciso que não nos iludamos sobre as verdadeiras proporções dessa decadência.

Certamente o carnaval de rua desaparece de modo cada vez mais acentuado, e este fato é digno de ser jubilosamente registrado. Em compensação, porém, o chamado "carnaval de salão" se espalha cada vez mais e, o que é pior, assume um aspecto sempre mais pagão. Infelizmente, nos dias de carnaval, não temos que lamentar apenas que os antros de perdição se abram mais largos do que nos outros dias, e atraiam a si maior número de vítimas - a perdição saiu de seus antros! Ela passou - sobretudo no carnaval - da ignorância dos lupanares para o ambiente hipocritamente denominado semi-familiar dos bailes de cinema com entrada paga, onde muitas famílias operárias perdem em três dias de festas mais do que as leis de assistência social lhes poderiam dar. Daí estendeu-se para os famosos "reveillons" de hotel, também eles farisaicamente denominados semi-familiares, que tão poderosamente trabalham pela destruição da família, apagando no conceito até mesmo de elementos da mais alta projeção social, as linhas divisórias profundas que separam a família do que não é senão aventura, libidinagem e corrupção.

Mas a corrupção não parou aí. Dói dizê-lo, mas se alguém entrasse de olhos vendados em certos bailes carnavalescos tipicamente familiares, e se só dentro do salão lhe fosse arrancada a venda, ser-lhe-ia muito difícil dizer, no primeiro golpe de vista, se o baile em que se encontrava era familiar ou não. Com efeito, o ritmo torpe da música, o sentido acanalhado das canções entoadas às vezes em voz alta por quase todos os assistentes, o desgoverno das danças, das atitudes e dos gestos, a mais completa "liberdade" dos trajes, estabelece entre esse ambiente familiar (familiar apenas no sentido especialíssimo de que é constituído por pessoas que costumam viver em família), e os ambientes não familiares uma similitude que sem susto podemos chamar alarmante.

Com efeito, repete-se por aí à saciedade, em discursos, em proclamações, em conferencias e em copiosos tratados de sociologia, que a família é a base da sociedade. Mas depois, quando se vê que a família se torna cada vez menos soi même, que ela se assemelha cada vez mais àquilo que é precisamente a caricatura e o contrário dela, quando se observa que cada vez mais ela se debilita, se dilui e se desgasta, ninguém se alarma. E se algum jornalista católico, tem a ousadia de descrever crua e radicalmente os ambientes carnavalescos, ainda são certos improvisados defensores da família os que se irritam com quadros tão implacavelmente realistas!

* * *

Lembro-me que quando era menino, certo professor jesuíta do colégio São Luiz me contou que um diplomata ou cônsul japonês, tendo assistido ao carnaval - que em sua pátria não se comemora - enviou ao seu governo a seguinte descrição: durante três dias ficam todos loucos e praticam os maiores absurdos; depois, repentinamente, o senso lhes volta e recobram juízo. A observação, que muito me impressionou na ocasião, é realmente interessante. Muitas pessoas já a tem feito. Entretanto, cumpre acentuar que ela não reflete toda realidade.

Com efeito, há uma regra de moral que afirma: "nada de péssimo se faz subitamente". É contra todas as regras da psicologia humana, supor que pessoas muito dignas, muito moralizadas, muito sensatas, conseguem depor inteiramente as suas idéias durante os três dias do carnaval, e depois repô-las, intactas, imaculadas, inteiriças, depois dos festejos de Momo. Idéias não são roupas que se vestem ou se despem. Se alguém procede, durante o carnaval, de modo extremamente leviano, é isto uma prova de que anteriormente já havia uma falha na couraça moral dessa pessoa. Por outro lado, se essa falha pode ter ocasionado a renúncia momentânea a certas atitudes e a certas idéias durante o carnaval, como é difícil voltar, depois, à primitiva linha de moral! Não nos iludamos. Erram, e erram miseravelmente, os que supõem que o carnaval constitui apenas um parêntesis de loucura. Ele é um tumor que explode, e através de suas secreções se pode bem avaliar todo o vulto da infecção que, de maneira mais ou menos disfarçada, já minava anteriormente o organismo. Três dias depois, esse tumor se cicatriza, na aparência. Fá-lo, entretanto, deixando uma base sempre mais profunda, sempre mais dolorosa, sempre mais perigosa para o tumor do ano que vem.

* * *

Esta folha já tem escrito muito a respeito da quinta-coluna. Mais ou menos por toda parte ela tem feito terríveis devastações. A margem do Reno como no litoral do Oceano Pacífico, em Viena como em Oslo ou Pearl Harbor, tem ela obtido para as forças totalitárias mais triunfos do que todos os tanques, todos os canhões ou todos os generais de que o "eixo" dispõe.

O que é esta quinta-coluna, misteriosa e extensa, cujos dados mágicos e impalpáveis encontram sempre, no momento decisivo, no lugar decisivo, no posto indispensável, o homem serviçal e flexível que abre sorrateiramente as portas das mais intransponíveis fortificações, anestesia e transforma em inofensivas cobaias, os mais valentes leões de guerra e fere de sonolenta cegueira os mais dinâmicos e perspicazes estadistas? A que realidade trágica e satanicamente profunda corresponde esse grande mysterium iniquitatis?

Não causa surpresa que os fariseus tenham encontrado um Judas. Mas, que o perfil diabólico do Iscariotes se multiplique indefinidamente, espalhando-se nas águas do Sena, esgueirando-se entre os fiordes brumosos da Noruega, tramando sorrateiramente em Praga como em Ancara, e obtendo vitórias que são verdadeiros golpes de prestidigitação quer na Líbia, quer nas Filipinas ou em Singapura, eis aí uma novidade desconcertante cujo raio de ação parece transcender a órbita dos recursos humanos.

De nossa parte, estamos certos de que o substratum humano mais profundo da quinta-coluna não é fornecido nem pelos aventureiros, nem pelos oportunistas, nem pelos traidores vulgares que a peso de ouro sacrificam seus mais sagrados deveres. Há demais trabalho, demais inteligência, demais êxito nesse vasto plano para que façamos ao oportunista a honra de o apontar como seu autor. Só um idealismo ardente e satânico como o que animava, outrora, os propagandistas da Revolução Francesa e do Comunismo, pode explicar tantas e tais vitórias.

Mas, esse pequeno punhado de idealistas de nada valeria se não encontrasse a seu serviço toda uma coorte de oportunistas, de imediatistas, de brilhantes ratés e de inconsoláveis fracassados, dispostos a tudo, prontos a tudo, a todos os riscos como a todas as infâmias, para manter a fachada ilusória de uma situação social já esboroada, de uma reputação já comprometida ou de uma tradição já maculada. Aí, nesse bas-fond humano, é que se encontram todos os agentes da quinta-coluna, todos os miseráveis que servirão de instrumentos a essa catástrofe em marcha que é o totalitarismo. E os três dias de carnaval são o momento oportuno, a ocasião insubstituível e incomparável para o aumento desta triste coorte de aleijados morais que prejudicaram mais o mundo contemporâneo do que todos os armamentos fabricados pelo III Reich.

* * *

Sem subestimar o trabalho da quinta-coluna japonesa e, sobretudo, da quinta-coluna americana em Pearl Harbor, queremos acentuar um fato frisante. O inquérito oficial yankee [sobre o ataque sofrido, revela] um estado de impreparação completa, e que na própria noite da catástrofe, um grande baile desviava as atenções dos responsáveis do terreno da luta para o da lascívia. Esse fato não se deu sem causas profundas. Todos os países contemporâneos tem suas Capris, suas Pompéias, suas Cápuas... A dos Estados Unidos era, ao menos em larga escala, no Extremo Oriente. As possessões yankees ali existentes, e especialmente Hawai, eram apresentadas como lugares de volúpias orientais, capciosas e esquisitas, fantasticamente intensas e analgésicas. Era com esta mentalidade que muita gente ia ter lá, e, com isto que poderíamos chamar o "espírito de Hawai" que, segundo se apurou, muitos militares ali viviam em guarnição. Conta-se que depois do desastre (...) encheram de dizeres Remember Pearl Harbor. Como seria mais justo escrever Remember Hawai!

Hawai é um símbolo, é uma mentalidade, é uma ordem de idéias - ou antes - uma desordem de idéias. Foi desse complexo psicológico que resultou em boa parte o êxito da quinta-coluna.

Terminamos na apreciação de um pequeno fato nacional este comentário por demais extenso. Lemos em um matutino desta capital que em uma das cidades mais ilustres e tradicionais de nosso estado, onde ainda existem remanescentes de uma sociedade antiga, profundamente imbuída das tradições cristãs, se realizará um baile de carnaval chamado “Noite em Hawai”, decorando-se não somente o parque como ainda a piscina do local em que a festa se realizará. Não queremos antecipar hipóteses sobre o verdadeiro vulto e o verdadeiro caráter desta festa. Aliás, nem sabemos qual o elemento que a promove. Mas o rótulo diz muito... Como seria agradável poder colocar nesse baile grandes letreiros onde se lesse Remember Pearl Harbor!