Legionário, N.º 496, 15 de março de 1942

O PAPA, VIGÁRIO DE CRISTO: A maior força moral do mundo

Transcorreu no dia 12 passado o 3º aniversário da coroação do Sumo Pontífice, S. Santidade Pio XII.

Desde 12 de março de 1939 a convulsão do mundo todo, num crescendo contínuo, criou para a Igreja uma das épocas mais difíceis da história, pois o paganismo ameaça novamente a cristandade.

Nesses anos difíceis o Santo Padre, que já  era uma figura tão querida pelos fiéis dada sua atuação como Secretário de Estado, dominou inteiramente os corações católicos, e se impôs ainda mais à admiração do mundo, pela sabedoria com que vem governando a Igreja.

Júbilo que o transcurso daquela data causou a todos foi muito aumentado pela notícia de que, restabelecido da enfermidade que o atacara, S. Santidade Pio XII assistiu a Santa Missa na Capela Sixtina, no dia 12, e recomeçou a conceder audiências públicas, recebendo numerosos recém-casados e fiéis.

Um poeta latino escreveu estes versos tremendos: Tu regere imperio populos, Romanae memento! [Virgilio, Eneide 6, 851]. Lembra-te, ó Roma, que tua missão é governar, pela força, os povos.

Nós, que viemos ao mundo há dois mil anos após, bem sabemos como faliu essa apóstrofe de Virgílio. A Roma das grandes conquistas e das grandes usurpações, a Roma da força bruta, cujo carro de triunfo trilhou tanta vezes sobre a dignidade de povos subjugados e sobre o solo de países vencidos, esfacelou-se e sepultou-se nas próprias ruínas. Mas outra Roma surgiu sobre as cinzas da primeira. Uma Roma nova que triunfa, que conquista, não pela espada ou pela força, mas pelo coração e pelo amor. Se Virgílio conhecesse as maravilhas do amor, certamente seus versos seriam um profecia sublime: - Tu regere amore populos, Romane, memento! Lembra-te, ó Roma, que vencerás o mundo pelo amor!

E esse grande amor, esse grande coração, centro e força da Roma nova, é o Papa, o Vigário de Cristo. Pedro, primeiro Pontífice, ao receber do Mestre as chaves do reino do céu, recebia antes seu coração divino. Possuindo o coração de Cristo, capaz de amar a humanidade inteira, Pedro pode ser Cristo na terra. Clemente XIII, na constituição “Inexhaustum”, tem essa expressão singular: — Pedro é o sucessor de Cristo. Mas Pedro não poderia ser o sucessor de Cristo se não possuísse o coração de Cristo. Eis o mistério augusto que faz do Pontífice Romano o Pai universal dos povos, o próvido distribuidor do pão da verdade, o guia seguro nos caminhos tortuosos da paz e da justiça. Há vinte séculos a humanidade o reconhece como tal. Malgrado as lutas, as perseguições, as aberrações de todos os tempos, indivíduos e povos, grandes e pequenos, nos momentos de dor e infortúnio, voltam-se para Roma, apelando para Aquele, que sem distinção de casta ou de raça, a todos ouve, a todos acolhe, a todos consola e abençoa. A força moral do Pontífice é a mesma de sempre, de hoje, de ontem, de todos os períodos da sua história. Ele é o ponto de atração de todas as inteligências e de todos os corações. Sua majestade, sublime e excelsa entre todas, supera o humano, atinge o divino. Rei de um pequenino Estado, assenta-se sobre um trono que é a garantia de todos os tronos, porque é o grande infalível da moral que defende a ordem mais que os aparatos da força e a bravura dos exércitos.

Quem quisesse conhecer, em sua realidade, o poder moral do Pontífice, não deveria fazer mais que colocar-se, um dia só, nos primeiros degraus da escadaria que leva ao Vaticano. — Quem passa? Interrogaria, maravilhado, a todo instante. —  É um rico senhor, filho de além-mar. Viajou pelo mundo inteiro; visitou todas as maravilhas da terra. Reservou para o fim a maior de todas: antes de voltar para as ilhas da sua Bretanha ou para as capitais da sua América, quer ver o Papa de Roma. — Quem passa? — É uma irmã de caridade, com seu cândido véu esvoaçando ao vento. Deixou um orfanato, um asilo, uma escola no interior mais deserto da Índia: vem beijar os pés do Santo Padre, para voltar, feliz, entre os seus órfãos e consagrar-lhe a vida inteira. — Quem passa? — É um venerado prelado, de cabelos brancos, cheios de anos, alquebrado de fadigas. Vem do Canadá, das montanhas rochosas ou dos imensos pampas da América meridional. Vem ver o Santo Padre, implorar a sua benção. — Quem passa? — É o embaixador do mais poderoso soberano do mundo. É protestante, mas não se desdoura em homenagear o Septuagenário, que não é rei senão de um minúsculo Estado, mas que é o Pai universal de todos os povos. — Quem passa? — É um missionário do Japão, um religioso da Espanha, um missionário da África. Vêm para referir ao Vigário de Cristo o êxito de seus esforços, o fruto das suas fadigas apostólicas. — Quem passa, com todo esse aparato, com todo esse cortejo? — É um príncipe Cristão, descendente augusto dos antigos guerreiros que rechaçaram os bárbaros, que fizeram as cruzadas. Guardando nas veias o sangue, e no coração os sentimentos dos seus avós, não se peja de vir colocar aos pés do Doce Cristo na terra, o tributo do seu afeto, as homenagens dos seus súditos. — Quem passa? — É um peregrino da Polônia, é um monge da Armênia ou da Síria, é um homem de letras, é uma humilde filha do povo, é um livre pensador, é um capitão de armada. Todos sobem ansiosos aquelas escadas. Percorrem impacientes as salas do Vaticano, para ver o ancião vestido de branco, beijar-lhe as mãos e os pés, ouvir-lhe a voz, receber-lhe a benção. E depois, descem radiantes de alegria, voltam bem- aventurados para as sua terras, para as suas casas, para os seus afazeres, e jamais se esquecerão desse dia tão afortunado.

Essa é a história de todos os dias, de todas as semanas, de todos os meses, de todos os anos. Essa é a história de todos os séculos. Tal é a força misteriosa, centro da Roma nova que, partindo do Vaticano, irradia-se pelo mundo, toca os corações, tudo penetra, tudo move. E quando uma alma aflita ou dedicada não tiver a ventura de chegar-se ao Santo Padre para fazer uma queixa ou protestar o seu amor, ei-la mesma de longínquas paragens, lançando um olhar e um grito para o lado onde se ergue, farol de Justiça, a Cúpula de São Pedro. Felipe Augusto, rei de França, pretendendo repudiar a sua legítima esposa, Ingelburga, princesa da Dinamarca, une-se a Inez de Marania. A infeliz rainha, ao ver-se só, no exílio, longe dos seus, repudiada e desprezada pelo esposo infiel, prorrompe num grito de angustia, mas também de uma sublimidade sem par: — Roma! Roma! Oh como é belo esse grito da alma oprimida, da inocência, da vítima, invocando de Roma justiça.

  Em 1928, o Ex.mo. e Rev.mo. D. Constantino Butkiewiez, vítima do bolchevismo insolente, morria fuzilado. Os jornais haviam pedido uma “vítima católica para a Páscoa católica”, e Monsenhor Constantino foi o escolhido. Minutos antes de morrer, pediu que lhe concedessem a graça de escrever uma carta ao Papa. Vítima inocente da prepotência, no momento do supremo sacrifício, homenageava com seu afeto e com seu pensamento, Aquele que “ama a justiça e odeia a iniquidade” e por quem ia derramar seu sangue. Foi-lhe negada, impiedosamente a satisfação desse seu desejo. Com três tiros de revolver tombou o mártir e as suas últimas palavras pronunciadas entre o estertor da agonia foram estas:

— Transmiti as minhas homenagens a Pio XI e dizei-lhe que até ao extremo, permaneci fiel à Santa Sé.

E após tantas vítimas do comunismo, outros erros mais graves se ergueram, ameaçando a Cristandade e martirizando os verdadeiros católicos, em todos os países dominados, constituindo-se os paganizadores do mundo. É de todos os dias a história desses martírios, principalmente na Polônia católica, sob o jugo totalitário. É a Igreja, o Papa de Roma, o sustentáculo desses heróis cristãos.

Não parece  que estamos a ouvir, novamente, as narrações sublimes dos atos dos primeiros mártires que se entregavam aos suplícios, cantando hinos e enviando uma saudação afetuosa ao Pontífice de Roma?!

Eis a força moral do Pontífice. A mesma de ontem, a mesma de hoje; a mesma no passado, a mesma no futuro, a única capaz de salvar o mundo.

Bem poderíamos corrigir os versos de Virgílio dizendo:

Tu regere amore populos, Romanae memento.