Legionário, N.º 504, 10 de maio de 1942

As máscaras caíram

Se eu tivesse tido a desventura de ser dos que aplaudiram ou ao menos desculparam a inércia do governo de Vichy quando da penetração de tropas nipônicas na Indochina, sentiria uma confusão sem limites ao ver agora a atitude assumida pelo Marechal Pétain e seu governo perante a invasão de Madagascar pelas tropas inglesas. Com efeito, o grande argumento alegado pelos partidários de Vichy para justificarem a entrega da Indochina era a debilidade da guarnição francesa ali estabelecida. Essa debilidade foi contestada pelos próprios franceses residentes naquele domínio, que se indignaram com a inércia de Vichy. Entretanto, serviu de desculpa plausível — ao menos aos olhos de muitas pessoas — para a entrega inglória daquelas riquíssimas regiões. No caso de Madagascar, a situação é idêntica. No momento que escrevemos, as tropas inglesas já obtiveram resultados altamente significativos. A resistência vai patenteando cada vez mais sua inutilidade. As veleidades de Pétain e de Darlan redundaram simplesmente em uma inútil efusão de sangue. E, no entanto, a atitude de Vichy foi tão claramente quixotesca neste caso quanto havia sido “sancho-pancesca” — esse neologismo precisa ser empregado por indispensável em nossos dias — há alguns meses atrás, no caso da Indochina. Por que isto? Simplesmente porque o Sr. Pétain e Sr. Darlan, etc., são na realidade “eixistas” categóricos e devotados, e assim entregaram de boa mente ao Japão o que agora recusam em vão à Inglaterra.

* * *

Entre o “caso” da Indochina e o de Madagascar, no entanto, há uma diferença radical. Entregando a Indochina ao Japão, Pétain, que é um militar experimentado, bem sabia que não se limitava a entregar uma parcela do território imperial francês, mas que ao mesmo tempo punha nas mãos dos japoneses a chave das vitórias que culminaram com o esmagamento de Singapura. Ora, caída Singapura, o que obteria e o que obteve Pétain, senão um fortalecimento do nazismo que, quando chegar finalmente o dia da assinatura do tratado de paz com a França, se encontrará em condições de exigir cláusulas mais inclementes do que nunca? Assim, entregando a Indochina, Pétain outra coisa não fez senão firmar o látego nas mãos dos adversários do seu país e da civilização católica.

Pelo contrário, se entregasse Madagascar, Pétain debilitaria a situação do “eixo”, e conseguiria condições mais benignas para seu país.

Entretanto, o que fez Pétain? Ainda desta vez, agiu como um simples instrumento do totalitarismo.

* * *

Dir-se-á, talvez, que Pétain procedeu por esta forma porque se ordenasse aos franceses que se entregassem em Madagascar, já não poderia conter a pressão alemã sobre Vichy. Essa alegação é falsa. Em primeiro lugar, Pétain poderia ter telegrafado pro forma aos franceses de Madagascar. Mas por que fazê-lo com o ardor, com a arrogância, com a empáfia com que o fez? E, ademais, em que sentido pode ser ainda maior a pressão alemã sobre Vichy, quando à testa do governo da França chamada livre já se encontra um mero lacaio do totalitarismo, o Sr. Pierre Laval? Imagina porventura Pétain que se sua permanência à testa do governo prejudicasse os planos do “eixo” ele ainda ali se encontraria? Como é fácil exterminar um octogenário! Um grande susto, uma dose muito forte de calmante, mil coisas enfim podem fazer parar um coração que já bateu tanto... sobretudo em Verdun, onde, segundo Clemenceau, bateu demais!

Mas, dir-se-á, Pétain realmente convém ao “eixo” porque sua presença à testa das instituições evita uma insurreição geral. Daí, entretanto, não se deve inferir que a razão de sua permanência na direção da política de Vichy exprima necessariamente sua cumplicidade com o “eixo”. Como não? Percebe ele que um levante geral só não se opera porque sua presença coonesta situações e fatos que normalmente revoltariam os franceses? Então, qual é o seu dever, senão retirar-se imediatamente? Permanecendo, não é ele um cúmplice?

* * *

Mas, objetar-se-á, para pensar assim seria necessário que o velho Marechal tivesse uma vibratilidade, uma energia, uma capacidade de tomar atitudes e de pensar com vigor que lhe faltam hoje em dia. Sim? Ao menos estas qualidades não lhe faltaram quando soube incitar a uma morte inútil seus compatriotas de Madagascar, em torno de uma violência pouco comum.

* * *

Entretanto, dir-se-á por fim, não é certo que Pétain seja uma mera figura de proa. Conseguiu ele, permanecendo no poder, subtrair a direção da esquadra a Laval, conservando-a nas mãos de Darlan, do que decorre que o velho Marechal tentou um supremo esforço para pôr a frota francesa fora do alcance dos nazistas.

Estará realmente a frota francesa fora de alcance dos nazistas? Serão os sentimentos anti-ingleses de Darlan muito diversos dos de Laval? Leia-se o telegrama que mandou aos franceses de Madagascar:

“Mais uma vez os ingleses, em vez de combater os seus inimigos, procuram meios mais fáceis, atacando a colônia francesa longe da metrópole. O Marechal Pétain pediu-vos para defender Madagascar e sei que respondereis patrioticamente ao seu apelo. Defendei firmemente a honra de nossa bandeira até o limite das vossas possibilidades e fazei os ingleses pagar caro pelo seu ato de salteadores de estradas. Toda a França e seu Império estão convosco, de coração. Não esqueçais que os ingleses nos traíram na Flandres, que nos atacaram traiçoeiramente em Dacar e na Síria e que estão assassinando civis em Paris, procurando fazer com que as mulheres e crianças de Djibouti perecessem à fome. Estais defendendo a honra da França. Chegará o dia em que a Inglaterra pagará. É longa a vida da França”.

“Chegará o dia em que a Inglaterra pagará”... a que eqüivale isto, enquanto durarem as circunstâncias presentes, senão a dizer: “chegará o dia que o nazismo vencerá”?