Legionário, N.º 507, 31 de maio de 1942

“Filosofia da Educação”

O Rev.mo. Cônego Antônio Alves de Siqueira acaba de publicar um livro que corresponde plenamente à expectativa que seus amigos, e os católicos de S. Paulo de modo geral, alimentávamos, quanto à fecundidade de seu talento. Com efeito, acaba ele de dar a lume uma obra sobre “Filosofia da Educação” que, por seu alto valor e pela extraordinária atualidade do assunto de que trata, ocupa lugar de grande realce em toda a produção intelectual dos católicos brasileiros em nosso século.

Tudo quanto diz respeito à Pedagogia tem uma atualidade perene. No entanto, o extraordinário desenvolvimento que a matéria tem tido ultimamente, a complexidade a bem dizer inexaurível dos problemas que tem suscitado, a necessidade cada vez mais patente de encontrar nas fontes de uma Pedagogia sã os remédios de que o mundo contemporâneo carece, tudo isto concorre para dar aos estudos pedagógicos, em nossos dias, uma nota não apenas de atualidade, mas de verdadeira e angustiosa premência.

Melhor do que ninguém, pode um católico compreender isto. A Igreja é por excelência a grande educadora do gênero humano. E, por isto, a solicitude de seus Pontífices, de seus Doutores, de seus apóstolos se voltou sempre para as lides da educação, nelas vendo o terreno em que com maior fecundidade, com maior segurança, com maior durabilidade se poderiam colher os frutos do apostolado. Por isto, quando a ação dos homens não era suficiente, a própria Providência intervinha diretamente para estimular as atividades católicas no terreno do apostolado pedagógico. Daí o fato de encontrarmos, na Hagiografia, tantos Santos visivelmente suscitados por Deus para criar Ordens ou Congregações docentes, e confirmados em sua missão por meio de comunicações ou revelações divinas das mais insistentes e formais. Esta é a tradição multissecular da Igreja. Infelizmente, porém, no século passado, as emanações do sentimento romântico se infiltraram em certos círculos intelectuais católicos, e se generalizou neles a idéia de que a educação, como as demais obras de caridade, deveria ser essencial, ou antes exclusivamente uma obra do coração, onde a inteligência pouco ou nada tivesse que ver. Este pensamento, formalmente oposto à doutrina católica, é responsável por muitos insucessos ocorridos no terreno pedagógico. Na pedagogia, como em quaisquer obras de caridade espiritual ou corporal, tem certamente o sentimento um papel indiscutível. Mas seria ridículo imaginar que isto implica em subtrair à razão iluminada pela Fé as funções de verdadeira rectrix que de direito lhe toca. A pedagogia é uma ciência, e não apenas uma atividade mais ou menos nobilitada pelas digressões que sobre ela fizeram a poesia e o romance. Nos estudos educacionais, devem os católicos ocupar um lugar de vanguarda. Não se trata aí de um direito apenas, mas de um verdadeiro e gravíssimo dever. No mundo inteiro, tem os católicos desenvolvido neste sentido relevantíssimos esforços, e também no Brasil tem este campo de apostolado encontrado paladinos devotadíssimos, aos quais a causa da Igreja deve serviços inestimáveis. Mas ainda havia um coisa por fazer. Como orientar o pensamento de tantos e tantos pedagogos católicos, absortos pelas atividades profissionais quotidianas, através do dédalo inextricável da literatura pedagógica nacional e estrangeira? Como proporcionar aos pedagogos católicos brasileiros uma visão sólida, clara, substanciosa, dos princípios da pedagogia católica, e da posição em que perante estes princípios se colocam as mais recentes correntes do pensamento pedagógico mundial? Neste labirinto da pedagogia moderna, faltava-nos um guia seguro, de visão larga e profunda, de perspicácia penetrante e segura, que ao mesmo tempo nos ensinasse a evitar os escolhos e encontrar a rota da doutrina verdadeiramente ortodoxa. Ao mesmo tempo faltava-nos uma obra clara e segura para informar sobre nosso pensamento os que estão fora de nossos arraiais, provando-lhes o valor científico do pensamento educacional católico e atraindo-os assim para nosso grêmio.

Foi esta obra, que se propôs o Rev.mo. Cônego Antônio Alves de Siqueira.

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Quer na concepção geral do trabalho, quer no modo de o desenvolver, mostrou o autor de “Filosofia da Educação” uma indiscutível competência para a realização de tão vasto empreendimento. O próprio título da obra é, neste sentido, absolutamente significativo. O que nos faltava era precisamente uma “Filosofia da Educação”. Sem negar a relevante utilidade dos trabalhos de escolarização, é indiscutível que, sobretudo, o que nos faz falta são os princípios, princípios sólidos, seguros, substanciosos, que não transviam o estudioso nos meandros das questões de pormenor, mas lhe proporcionam uma visão de conjunto dentro da qual pode caber, sem desordem, sem perturbação, toda a riqueza dos problemas secundários. No trabalho que comentamos, os princípios estão expostos com notável profundeza, muito método, e uma grande clareza, poderosamente auxiliada pelo magnífico sumário que se encontra nas primeiras páginas do trabalho.

Em outros termos, o autor comunicou a seu trabalho toda a superioridade de um espírito profundamente formado na filosofia de S. Tomás de Aquino, da qual se mostra discípulo inteligente, erudito e fidelíssimo, quer na doutrina, quer no método. “Filosofia da Educação” é um livro que só pode ter brotado de profundas reflexões, um livro que foi todo ele solidamente pensado e estruturado antes de escrito, e que se reveste assim de um valor cada vez mais premente nos dias que correm.

Por outro lado, impressiona no livro a vastidão dos recursos de informação cultural do autor. Não é uma obra escrita sobre o joelho, mas produto de longas e meticulosas leituras, em que todos os horizontes da pedagogia contemporânea foram cuidadosamente esquadrinhados, com uma paixão pela objetividade das informações que só se explica por uma honestidade intelectual à toda a prova, e uma grande dedicação à obra.

Merece especial destaque o grande critério com que o Autor soube afirmar as relações entre a Filosofia e a Teologia no campo pedagógico, evitando certo unilateralismo que, em última análise, deixa transparecer claramente a influência naturalista de certas escolas ou correntes européias e norte-americanas. Em todas as páginas como aliás se podia ter a antecipada certeza dado os títulos do autor, respira o trabalho um perfume de doutrina sã e desassombrada, que infelizmente não se encontra em certos autores sedentos de conciliações imprudentes, de concessões precipitadas, e de uma paz que, em última análise, visa conciliar princípios inconciliáveis.

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Assim, prestou o Rev.mo. Cônego Antônio Alves de Siqueira um relevante serviço à Igreja e ao Brasil, com sua bela obra, e o LEGIONÁRIO se sente feliz em concorrer - modestamente embora - para a sua maior difusão.