Legionário, N.º 513, 12 de julho de 1942

Uma Providência Saneadora

De há muito que toda a opinião católica se vem indignando com os "casamentos" no México, no Uruguai, e em outros lugares que se tornam cada vez mais freqüentes em nossa sociedade.

Há algum tempo atrás, a embaixada do Uruguai no Rio de Janeiro baixou um comunicado em que explica que as autoridades uruguaias não se prestam a fraudes neste sentido, pelo que provavelmente os brasileiros desquitados que se "casam" no Uruguai na realidade não realizaram sequer a formalidade do contrato civil no Uruguai. A legislação socialista do México não autoriza, infelizmente, a esperança de que o mesmo se dê naquele país. De qualquer maneira, estamos absolutamente certos de que muitas pessoas que se "casam no México" também não foram ter lá. Dão um passeio qualquer e, de volta, anunciam as suas relações, em geral muito pouco exigentes, que se "casaram" neste ou naquele país.

No entanto, os anúncios publicados a este respeito em jornais brasileiros fazem supor que são muitas as pessoas que se servem efetivamente deste processo para "anular" seus casamentos e realizar outros, ou ao menos que, sob pretexto de "casamento" no México, obtenham papéis falsificados, atestando que eles estão casados.

Tais anúncios constituem verdadeiro ultraje à moralidade pública, e de há muito vem exigindo uma repressão. Julgamos, pois, interessantíssimo transcrever aqui trechos de uma decisão da Ordem dos Advogados, de que foi relator o Dr. Rui de Azevedo Sodré, e que constitui verdadeiro desagravo à dignidade pública.

Transcrevemos os tópicos essenciais:

"1 - Vistos, relatados e discutidos estes autos de processo disciplinar n. 601, desta Capital, em que se acha envolvido o Dr. Gaston Guilband, advogado em Buenos Aires, por denúncia, apresentada pelo advogado José Nabantino, acordam os membros da Ordem dos Advogados do Brasil, na Secção de São Paulo, por unanimidade de votos, aprovar as providências sugeridas nos itens 1 (um), 3 (três) e 5 (cinco) do relatório de fls. 12 usque 15, da Comissão de Disciplina que deste fica fazendo parte integrante, providências essas que adiante se indicarão pormenorizadamente.

2 - Trata-se na espécie do seguinte: o Dr. Guilband, que mantém, em Buenos Aires, uma das maiores organizações sul-americanas especializada em obter divórcios absolutos no México, de longa data vem enviando aos advogados de São Paulo circulares, acompanhadas de três impressos, propondo ao colega daqui, que lhe enviar casos de divórcio que "no preço de duzentos e quarenta dólares norte-americanos, está incluída para V.S. uma comissão confidencial de setenta e cinco dólares norte-americanos".

Os impressos contêm informações acerca do divórcio absoluto no México, referências bancárias sobre a honestidade do querelado e, por último, um longo questionário que o interessado no divórcio deverá preencher, e no qual deverá declarar qual a causa que quer alegar para o divórcio: "incompatibilidade de gênios", injúrias graves, maus tratamentos, adultério, abandono do lar por mais de 6 meses e outras causas.

3 - Provou a Comissão de Disciplina, nos autos, que a circular e os impressos redigidos em português eram enviados aos advogados desta Capital, em envelope comum, com selo nacional e com carimbo dos Correios desta Capital.

4 - Não satisfeito com essa insidiosa propaganda, o querelado passou a anunciar, abertamente, na imprensa diária desta Capital. Anuncia o divórcio e o novo casamento, sem o interessado afastar-se do lugar da sua residência (fls. 18). E o negócio se tornou de tal forma rendoso que outros advogados, também argentinos, passaram a anunciar a mesma especialidade criminosa como se infere do recorte do Jornal "A Gazeta" a fls. 17.

Aos brasileiros, que nunca saíram do Brasil, através de uma série de artifícios, conseguem os manipuladores de divórcios atribuir um domicílio no estrangeiro, que nunca tiveram, aos que apenas turisticamente visitaram aquele país, por certo não se pode deixar de reconhecer que agiram visando fraudar a sua lei nacional, que não admite o divórcio. Em ambos os casos, portanto, há manifesta fraude à lei e, por via de conseqüência, a sentença estrangeira não poderia ser homologada, nem para fins patrimoniais.

8 - As sentenças estrangeiras de divórcio homologadas pelo Supremo Tribunal Federal apenas para efeitos patrimoniais visavam hipóteses em que a lei nacional de um dos cônjuges permitia o divórcio. Admitindo-o a lei nacional de ambos os cônjuges, a tendência da jurisprudência do Supremo é no sentido de ser a sentença estrangeira homologada para todos os efeitos (Vide Jurisprudência, Diário da Justiça, apenso ao n.161, de 11-11-1941).

No caso de cônjuges de nacionalidade brasileira seria um contra-senso falar-se em sentença de direito, não só diante da indissolubilidade do vínculo matrimonial estabelecida pelo Código Civil e proclamada pela Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937, como pela inexistência de semelhante instituto em nosso sistema jurídico.

Nulos, pois, como são de pleno direito os divórcios decretados pela justiça mexicana com relação a cidadãos brasileiros, visto como são realizados com fraude à lei, a propaganda que os mesmos se vem fazendo em nosso país, assume a característica de um verdadeiro ato ilícito que cumpre ser reprimido.

11 - Trata-se, na verdade, de propaganda insidiosa, feita por um estrangeiro, de atos contrários não só aos bons costumes, como também e principalmente contra a ordem social.

A família, preceitua o art. 121 da Constituição de 1937, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.

Protegendo-a, não pode o Poder Público tolerar a propaganda de atos contrários à sua constituição e tais atos, sendo classificados como criminosos - art.- 22 e parágrafo 2º da Lei n.º 36 de 8 de abril de 1935; art. 21 da Lei n.º 136, de 14-12-1935; art. 1º do Decreto-lei n. 431, de 13-5-1938, - exigem pronta e imediata punição.

A lei pune a propaganda de processos para subverter a ordem social, relativamente aos direitos e garantias da família, assegurados pela Constituição.

No caso, essa punição se torna difícil, dado tratar-se de um estrangeiro. A lei, porém, prevendo essa hipótese, preceitua, no citado art. 21 da lei 136, a proibição da entrada livre no país ao estrangeiro incurso nas suas penalidades.

12 - Por outro lado, os autos fornecem elementos para que a ação da Ordem se torne eficaz, coibindo esse inominável atentado às nossas leis fundamentais, além do aspecto ignominioso da gorgeta que, disfarçadamente denominada "comissão confidencial", é oferecida aos advogados paulistas que arranjarem e encaminharem a ele, querelado, os papéis dos candidatos a divórcios.

13 - Ponderadas todas estas circunstâncias, os membros do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, na Secção de São Paulo, por unanimidade de votos, acordam aprovar as seguintes providências sugeridas pela Comissão de Disciplina:

a) Oficiar ao Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda solicitando as necessárias providências para que não mais sejam publicados na imprensa deste Estado anúncios sobre divórcio e novo casamento, por atentarem contra as nossas leis, aos nossos bons costumes, à moral de nosso povo;

b) remeter estes autos, em original, à Procuradoria Geral do Estado para que um Promotor Público por ela designado, em colaboração com o Diretor dos Correios e Telégrafos e a Polícia do Estado, apure a procedência das incriminadas circulares e impressos e se possível proceda criminalmente contra os colaboradores, agentes, cúmplices, enfim;

c) ficam a Comissão de Disciplina autorizada a fornecer novos elementos, caso os obtenha, ao órgão do Ministério Público a quem este processo for distribuído a fim de auxiliar, por todos os meios, a sua atuação no caso".