Legionário, N.o, 544, 10 de janeiro de 1943

A Pastoral Coletiva

Concluídas nossas considerações acerca do que sobre o jogo disse a Pastoral Coletiva, devemos tratar ainda dos decretos concernentes à família, que a Pastoral analisa com tão forte e serena linguagem.

Pode-se bem dizer que, ao contrário do arquitriclinio das bodas de Caná, a Pastoral Coletiva deixou para o fim o melhor vinho, reservando a atenção final dos leitores, e portanto mobilizando suas impressões mais duradouras e mais vivas, para o que concerne à defesa da família.

A Pastoral Coletiva trata particularmente de dois decretos-lei, o que tornou possível o reconhecimento dos filhos adulterinos e o que estabeleceu preferência, para efeito de promoção, em benefício dos funcionários solteiros com filhos, contra os solteiros sem filhos. Além disto, enuncia alguns princípios dos mais úteis e oportunos, sobre a conduta do Episcopado perante os casais que se arvoram em legitimamente constituídos em seguida a pretensas núpcias civis feitas depois de suspeitíssimas anulações de casamentos. E, finalmente, trata das leis adotadas pelo governo federal para reprimir os abusos verificados em matéria de anulação de casamento.

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Não é nosso propósito repetir, aqui, a argumentação luminosa desenvolvida pelo Episcopado Paulista acerca dos decretos concernentes aos filhos adulterinos e aos pais solteiros. Tão clara, elegante e convincente é ela, que nos limitamos a insistir vivamente com aqueles de nossos leitores, que porventura não tenham lido toda a Pastoral a que o façam quanto antes.

Entretanto, não quereríamos deixar de acentuar o estado de espírito com que o Episcopado abordou o problema.

Antes de tudo, é necessário pôr em evidência a rara isenção de ânimo com que se houve. Não o moveu o desejo de criticar pelo simples prazer da crítica. Pelo contrário, se teve de levantar sua voz em defesa da família, fê-lo a contragosto, acentuando claramente que muito maior seria seu prazer se lhe fosse lícito simplesmente aplaudir tudo quanto se faz, e pondo além disto, prazerosamente, em justo relevo o que de excelente tem sido feito ultimamente acerca de anulações de casamento. Desanimem pois os politiqueiros que quiseram ver na Pastoral lances partidários em favor ou contra quem quer que seja. A Pastoral teve em vista tão somente a defesa da sociedade doméstica, e certamente seus ilustres e virtuosos signatários estão dispostos a aplaudir com o maior calor tudo quanto se faça dentro da linha cristã apontada pelo luminoso documento que acabaram de dar a público.

É preciso acentuar que, se bem que o mais sagrado, nobre e fundamental dos deveres da hierarquia eclesiástica consista sempre em velar pelos direitos da Igreja, não é, neste caso, uma reivindicação de vantagens ou privilégios da Igreja que se faz. Os nossos bispos pediram que a legislação amparasse o instituto da família, velaram pela santidade do matrimônio, pela inviolabilidade do lar no qual não pode haver lugar para frutos de uniões adulterinas, pelos direitos da esposa legítima e dos filhos nascidos da união sacramental. Em benefício de quem? Da civilização cristã, do Brasil, da população nacional. Assim, pois, no calor de seu acento não se pode encontrar a veemência da paixão, mas exclusivamente o zelo dos pastores realmente desejosos do bem das ovelhas que o Espirito Santo lhes confiou.

Por isto mesmo, as vistas de nossos pastores não se voltaram exclusivamente para as leis, mas, em um terreno sempre estritamente apolítico, consideraram também os costumes sociais, e a tolerância exagerada com que consideram hoje certas pessoas os “casamentos” contraídos em consulados de aventura, para satisfazer aparências inteiramente inconsistentes.

A este propósito, as palavras de nossos bispos são taxativas e lapidares: devem os casais católicos fechar as portas a quantos vivam em união ilegítima, demarcando assim claramente o campo da famílias legítimas do das famílias irregularmente constituídas.

Se todos os fiéis forem dóceis à voz e ao exemplo de seus bispos que protestam jamais colocar os pés em reunião onde saibam dever comparecer algum casal constituído contra as leis de Deus, essa verdadeira praga social estará banida de nossa sociedade, e só com isto terá o episcopado paulista prestado ao Brasil um serviço digno de imortalizar o nome dos ilustres signatários, e principalmente do nobre autor da última Carta Pastoral.

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Assim, pois, nosso artigo se encerra com uma recomendação de ordem essencialmente prática. Devemos todos, pela palavra e pelo exemplo, promover ativamente a exclusão, das fileiras da boa sociedade de São Paulo, de famílias que Deus não abençoa porque constituídas sem o sacramento do matrimônio. Esta frente única dos católicos contra o divórcio, o qual lentamente penetrava em nossos costumes sociais e os minava é, sem dúvida, um dos maiores deveres do momento, e por seu cumprimento não se pode desinteressar a imprensa católica.

Ser-nos-ia grato dedicar, até, a este último assunto vários outros artigos. Mas esta série já por demais longa não se poderia encerrar sem que tratássemos de outro tema com que pretendemos dar por concluídos nossos artigos sobre a Pastoral: é a defesa da Pátria. Sobre ela escreveremos nosso próximo artigo, que será o último que sobre a Pastoral publicaremos.