Legionário, N.º 552, 7 de março de 1943

COMUNISMO (II)

Discursando no Parlamento Britânico, certo estadista disse, há pouco, que a Rússia evoluiu muito, e não podemos considerar suas instituições, muito menos radicais do que as que Lenine implantou, como indiscutivelmente inaceitáveis. A mesma impressão, acrescentou ele, experimentavam os ingleses do século XVIII ante a estrutura social e política igualitária adotada pelas colônias americanas recentemente libertadas do julgo inglês. No entanto, a evolução do mundo inteiro, a da própria Inglaterra, indicou que nesse sentido é que se encontravam os verdadeiros rumos do futuro. Parou aí o discurso. Mas não é difícil entrever que o facundo parlamentar entendia que a Inglaterra de hoje, cheia de prevenções contra a Rússia de Stalin, bem poderia ser levada a caminhar pelos mesmos trilhos no futuro.

Todas as notícias de jornal, para os que as sabem ler, indicam uma séria reação da opinião britânica contra as manobras socializantes de alguns de seus políticos. O plano Beveridge foi aprovado em termos que constituem uma verdadeira derrota para os extremistas do socialismo inglês. E o espírito tradicional dos súditos do Reino Unido oferecerá obstáculos não pequenos a qualquer esforço ou manobra política que se faça no sentido de extinguir o que a Inglaterra tem de mais honroso e mais tipicamente seu, isto é, o cunho aristocrático de suas instituições. Seria, pois, ridículo exagerar o alcance do discurso daquele parlamentar.

Nem por isto, entretanto, são destituídos de interesse alguns comentários sobre a insólita declaração daquele parlamentar inglês. Em nosso público, não falta quem esteja constantemente à cata dos mais leves sintomas de que uma idéia vai entrar em moda, para imediatamente a ela aderir. O comodismo ideológico de muita gente é, neste sentido, imensamente mais novidadeiro do que a dos "fãs" mais entusiasmados das modas européias ou americanas em matéria de indumentária. Não faltará, pois, quem suponha que a turbamulta dos escritores, professores, políticos e jornalistas que forjam pelo mundo inteiro a opinião pública se vai inclinar para esse "leit-motiv" de que a socialização do mundo é o caminho forçado de sua evolução política e social. E bastará tanto, para que em todos os quadrantes ideológicos - com que dor o dizemos - já os adesistas se ponham em movimento.

Se bem que, pois, possa vir a ser voz meramente isolada a daquele parlamentar, e é neste sentido que fazemos nossos melhores votos, é absolutamente indiscutível que a refutação de seu ponto de vista evitará que muita gente se desoriente.

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Diz nosso Parlamentar que a Rússia evoluiu. Evoluiu quanto? Em que sentido? Precisamente, o que é a Rússia de hoje? - Evoluiu é termo muito vago. Evoluir é caminhar. E tanto se pode um metro quanto um quilômetro. Quanto andou a Rússia soviética? Esta pergunta parece não lhe ter parecido fácil e cômoda de responder. O certo é que, para acalmar as apreensões justíssimas do público que o ouvia, limitou-se a dizer que a Rússia "evoluiu". A nós não nos tranqüiliza tão vaga afirmação. O regime soviético só se pode tornar aceitável de um modo: passando a ser precisamente o contrário de tudo que era. E, neste sentido, não nos referimos às relações entre a Igreja e a URSS, mas a própria organização do Estado, da família, da sociedade a da economia. Uma simples "evolução" parcial, minimalista, não nos contenta. E, sobretudo, não nos pode contentar uma evolução indeterminada, que provavelmente terá sido mais ou menos pequena.

Esta deve ser necessariamente a posição de qualquer católico sensato.

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De mais a mais, é curioso notar que as perspectivas que nosso parlamentar entreabriu não são muito simpáticas para os anticomunistas sinceros. Diz ele que o mundo deve rumar do regime da propriedade privada para o lusco-fusco do socialismo, assim, como já rumou do "Ancien Régime" anterior a 1789 para a liberal-democracia. É curioso. Quer dizer que, quando tivermos acedido a este sombrio convite, nosso parlamentar nos dirá mais uma vez que devemos evoluir do socialismo moderado para o comunismo radical. E, se não disser, será sumamente ilógico. Seja ele ilógico embora, não faltará quem procure tirar por ele as premissas de tão tristes conclusões. E o mundo se encontrará em pleno comunismo.

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Ninguém ignora que o “Legionário” é o mais fundamental, essencial e radicalmente anti-nazista dos jornais. Nossa campanha contra o totalitarismo é muito anterior aos dias que correm. Como sorrimos hoje em dia quando vemos às vezes explosões de anti-totalitarismos brotar de lábios que não há muito tempo só se abriam para censurar nossa atitude hostil aos regimes ditatoriais "soi-disant" da direita!

Por isto, tudo quanto direta ou indiretamente pode dar a impressão de totalitarismo deve ser tido como altamente suspeito aos olhos desta folha. Ora, francamente não sabemos que diferença se poderia ver entre uma URSS - um pouco evoluída - e o nacional-socialismo. Para que combater o nacional-socialismo então?

Todo anticomunista sincero e lógico deve ser, por força e por excelência, um anti-totalitário ferrenho. É, em nome da luta contra o totalitarismo que devemos livrar-nos cuidadosamente de opiniões como a do parlamentar inglês.

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Na realidade, a Igreja já definiu perfeitamente o que um católico deve pensar sobre os poderes do Estado, os direitos de corporação, da família, do proprietário, do empregado, e da pessoa humana em geral. Sobretudo, a Igreja já definiu perfeitamente os direitos de Deus, dentro da sociedade.

Quem hipertrofiar o papel do Estado será necessariamente socialista, quaisquer que sejam as máscaras que procure afivelar no rosto. E o fundo da vertente socialista é o comunismo.

Quem hipertrofiar os direitos do indivíduo ou dos outros grupos será necessariamente individualista, e o fundo dessa vertente é a anarquia.

Da anarquia completa, que seria o niilismo, ou da anarquia estável e organizada que é o totalitarismo, devemos libertar-nos formando para nós uma consciência católica vigorosa e firme, na qual não haja lugar para complacência para com erros de qualquer jaez.