Legionário, N.o 564, 30 de maio de 1943

A Terceira Internacional

As opiniões se dividiram a respeito da interpretação que se deve dar ao ato do governo russo declarando dissolvido o órgão de direção da propaganda bolchevista no mundo inteiro.

Em si mesmo considerado, o ato quereria dizer que a Rússia desiste de promover a revolução bolchevista mundial por meio de um organismo especialmente destinado a este fim. Com efeito, é preciso não supor que o governo soviético tenha assumido o compromisso de, daqui para o futuro, não prestar o menor apoio à revolução mundial. O comunicado oficial russo explica que as exigências do próprio movimento comunista internacional tornariam nociva a existência de um órgão coordenador especializado. Este órgão correria o risco de asfixiar a autonomia dos vários partidos comunistas nacionais. Por isto, e no principal interesse da expansão bolchevista mundial, a III Internacional seria dissolvida.

Em outros termos, o comunismo russo, dissolvendo a III Internacional, não o faz porque deixe de desejar a expansão bolchevista. Fá-lo, pelo contrário, porque quer remover um obstáculo a esta expansão.

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Este o principal motivo apresentado pelos próprios comunistas. Qual o modo por que a opinião mundial acolheu o documento russo?

É curioso notar que, no público, não faltaram pessoas que sentissem a esperança de que a Rússia está em vias de abandonar o comunismo. O livro do Embaixador Davis criara ambiente para esta quimera. E ela persistiu, mais ainda solidificou-se, diante da conduta da URSS no presente caso.

É próprio das quimeras resistirem à evidência dos fatos. O governo soviético incumbiu-se ele próprio de desfazer a hipótese, declarando que não era a indiferença à revolução mundial, mas pelo contrário em benefício dessa revolução que a III Internacional se dissolvia. Houve mais. A URSS mostrou claramente que esse gesto não se podia atribuir a disposições de hoje, a rumos novos aparecidos agora, já que ela, há anos atrás, consentira de bom grado, em virtude das mesmas razões que hoje a movem, em desligar da III Internacional o partido comunista norte-americano, precisamente uma das unidades mais valorosas e importantes do partido comunista mundial.

Tudo isto não obstante, a mesma esperança persiste: quem sabe se a III Internacional dissolvida significa o comunismo repudiado ou ao menos mitigado na própria Rússia?

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E como receberam o fato os partidos comunistas do mundo inteiro?

É curioso observar este aspecto do problema. Com efeito, seria natural que, caso a extinção da III Internacional significasse o desinteresse russo pela revolução mundial, os corifeus desta revolução, no mundo inteiro, lançassem os mais altos brados, acusando o governo soviético de baixa traição à causa do proletariado internacional. No entanto nada disto sucedeu. Pelo contrário, todos os partidos comunistas receberam o fato com tranqüilidade. Não nos consta um lamento, um protesto, uma recriminação. Os comunistas do mundo inteiro acharam isto ótimo. Logo, deve-se entender que eles acharam que havia alguma segunda intenção atrás deste gesto.

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Mas, dir-se-á, estes são os fatos considerados na sua superfície. É esta a análise das atitudes oficiais, dos acontecimento de fachada. Política não se analisa assim. É preciso mais esprit de finesse.

Reflitamos. Indiscutivelmente, sem esprit de finesse, não se analisam os acontecimentos de política. Mas o esprit de finesse não nos levaria aí a considerações muito diferentes?

Se não devemos dar importância aos acontecimentos de fachada, mas só olhar o aspecto mais profundo dos fatos, devemos reconhecer que as raposas do Kremlin bem sabiam que o público se sentiria inclinado a ver, em sua recente atitude, um indício de que o bolchevismo está em declínio na própria Rússia. Ora, tendo causado essa impressão e sabendo de antemão que a causariam, quiseram efetivamente causá-la. Tudo isto posto, seria o caso de perguntar se realmente foi este o efeito que desejavam. Evidentemente sim. Mas, em caso afirmativo, o esprit de finesse não nos deveria levar a considerar o caso com suspicácia, procurando-lhe, não esta intenção óbvia, mas um segundo propósito, um desígnio oculto?

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E que desígnio? De todos os tempos, a propaganda comunista se fez de mentiras. Se os comunistas tivessem sido sempre adversários leais e corajosos, não haveria maior dificuldade em se admitir sua conversão. Mas, precisamente como os nazistas, eles foram sempre mentirosos insignes, traiçoeiros e pérfidos. Não seria o caso de se suspeitar que também ai andaram de má fé?

As vantagens que esta atitude acarreta são inúmeras. Em primeiro lugar, a guerra estimulou por toda a parte o sentimento nacional. Os partidos comunistas, filiados a uma internacional, tornavam-se com isto antipáticos. Fechando ou fingindo fechar a III Internacional, a Rússia despiu suas sucursais deste cunho antipático. Já veio um telegrama do Canadá anunciando que se pleiteava a reabertura daquele partido com tal fundamento.

Por outro lado, morto em aparência o próprio expansionismo comunista, a opinião mundial aceitaria com muito menor relutância uma dilatação territorial da Rússia na Europa.

Finalmente muitos ingênuos, iludidos pela hipótese de que a III Internacional estava fechada e o comunismo em declínio, tenderiam a aceitar de boa mente o caso de uma adesão a um comunismo mitigado.

Ora o que é um comunismo mitigado? Um comunismo disfarçado. Um comunismo que fará tudo para ser mais radical. Um comunismo idêntico ao socialismo condenado por Pio XI em termos tão severos que escreveu na Encíclica Quadragésimo Anno que o católico não pode ser ao mesmo tempo socialista e católico.

E este inimigo oculto será mil vezes mais perigoso que o comunismo cru.