Plinio Corrêa de Oliveira

 

Pan-cristianismo, flores e punhais

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 17 de outubro de 1943, N. 584

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Aludindo à próxima conferência anglo-russo-americana, um jornal soviético se manifestou indignado por haver alguns órgãos da imprensa aliada publicado que o problema dos limites russos e da organização dos Balcãs seriam ventilados durante aquele conclave político. Os limites dos Estados Unidos, bem como a situação da Califórnia não será discutido nessa conferência: por que, então, discutir os da Rússia ou tratar dos Balcãs, indagou o jornal soviético.

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Precisaríamos realmente ter chegado a estes dias de escandaloso cinismo e completa confusão, para que um argumento tal fosse alegado em letra de forma. Os limites americanos não decorrem desta guerra, nem podem ser alterados por qualquer operação militar em curso no momento atual. A Rússia, pelo contrário, pode dilatar mais ou menos os seus limites, conforme o maior ou menor progresso de suas forças. Quanto quererá reivindicar para si, além da linha russo-polonesa de antes da guerra? O problema interessa e interessa profundamente, tanto mais quanto a questão da independência polonesa, de vital importância para todos os corações católicos, está em jogo neste assunto. E a URSS não pode esquivar-se a tratar do assunto.

E quanto aos Balcãs, compará-los politicamente à Califórnia é absurdo manifesto. A Califórnia pertence pacificamente aos Estados Unidos. Os Balcãs constituem uma série de monarquias independentes. Os Balcãs para a Rússia como a Califórnia para os Estados Unidos é fórmula que significa: os Balcãs são uma colônia russa.

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Com isto, e com muito mais do que isto, pode consolar-se sem dúvida o "arcebispo" protestante de York, que acaba de regressar de Moscou.

Entra pelos olhos que se prepara uma imensa ofensiva de confusionismo religioso, sob a capa de "interconfessionalismo", para depois da guerra.

O "interconfessionalismo é um estado de espírito, um "morbus" do sentimento, uma estratégia, uma doutrina que consiste em fazer abstração tão completa quanto possível dos limites que separam as várias religiões, a fim de lançar a todas em uma obra comum de reconstrução e reerguimento social, em que todas teriam iguais direitos, iguais tarefas, igual posição.

Em outros termos, "todas as religiões são boas", "todas as religiões são verdadeiras", e outros chavões deste estilo, que a boca de um católico consciencioso não ousaria jamais repetir, tomam corpo nesta estratégia, nesta tendência, nestes frenesis sentimentais, e entram encarnados em opiniões e atitudes erradas, em lugares onde, explicitamente expostos, jamais lograriam acolhida.

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Ora, o "arcebispo" de York, tanto quanto o "arcebispo" de Londres, ou o deão de Canterbury, se dedicam a este proselitismo. Procuram uma aproximação entre as igrejas cismática e protestante anglicana. O "arcebispo" de York acaba de declarar que as duas igrejas vivem na mais perfeita camaradagem. Camaradagem! Divergem em doutrinas, divergem em estrutura, divergem em tudo, mas são boas "camaradas". Camaradas, como gente que não é séria, nada leva sério, nem mesmo seus próprios princípios, e que, por sobre o escombro de todas as coisas sérias, estende-se o véu pudico de uma fácil "camaradagem".

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O que entretanto releva notar, é que, por sua vez, a igreja cismática estabelecida na Rússia vive na maior "camaradagem" com os soviéticos. E como duas "camaradas" de uma terceira devem ser "camaradas" entre si, a igreja anglicana é "camarada" dos sovietes.

E isto se chama Cristianismo! E seria com um Cristianismo de tal maneira adulterado e desfigurado a ponto de ser uma blasfêmia viva, que se quereria que nós, católicos, apostólicos, romanos, houvéssemos de entrar, em contato para a "construção da cidade futura"!

Um absurdo destes, uma tão violenta colisão com a lógica, só poderia ser preparada nas oficinas de erro do Ministério da Propaganda nazista, ou nas retortas do grande laboratório de erros do Kremlin. Só de uma destas fontes poderia vir toxina tão funesta aos ideais cristãos.

O cinismo é bem a nota distintiva da heresia parda, como da heresia vermelha.

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E é precisamente por isto, que tem oportunidade, cabimento, profunda razão de ser, uma "charge" espirituosa publicada na "Folha da Noite", na semana p.p. pelo conhecido desenhista "Belmonte". Trata-se de dois pequenos quadros justapostos. O primeiro, encimado com os dizeres 1939, apresenta os ditadores soviéticos e nazista trocando cortesias. Cada qual oferece ao outro uma pequena flor, às ocultas, cada um tem na mão um punhal para vibrar no outro. No quadrinho seguinte, onde se leem os dizeres "em 1943", a cena é diversa. Ambos os ditadores lutam com os punhais à vista. E, com a outra mão, tem ambos ocultos uma florzinha, que reciprocamente se oferecerão na primeira ocasião.

Passamos da fase da florzinha para a do punhal. E talvez voltemos ainda, da do punhal para a da florzinha!


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