Legionário, N.º 588, 14 de novembro de 1943

Mons. Manoel Koener

Um tema doloroso obriga-me a interromper os comentários que tinha encetado sobre o artigo "Com quem está o Papa", para erguer um protesto doloroso e formal contra o modo por que certa imprensa se tem ocupado da prisão do Exmo. Revmo. Monsenhor Manoel Koener, Administrador Apostólico da Foz de Iguaçu. Façamos alguma luz sobre o assunto.

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Existe por aí uma imprensa chauvinista que, de quando em vez, tenta levantar uma campanha contra os sacerdotes estrangeiros residentes no Brasil. Para esta imprensa, qualquer pretexto serve. Ora, é a defesa no território nacional contra invasores. Ora, é a luta contra a chamada "quinta coluna". Ora, finalmente, a alegação de que o clero estrangeiro ocupa cargos, posições, situações que com maior justiça caberiam ao clero nacional. Bem sabemos que ideologia move esta campanha de escândalos de imprensa. Ela traz consigo todo o desprestígio e toda a impotência das ideologias que passaram de época. A ancianidade inglória dos pressupostos doutrinários sobre que se baseia, torna ridícula sua fraqueza, e ridícula sobretudo a desproporção entre suas forças decadentes e o vulto do empreendimento a que se atira. Todos os estopins se tem apagado nas mãos trêmulas desses petroleiros. Não houve escândalo que alarmasse, nem calúnia que vingasse, nem manobra que causasse impressão maior. Tudo se tem resolvido em um grande alarido inicial, a que a opinião pública corresponde com a mais céptica indiferença. O povo brasileiro bem sabe que pode confiar no clero católico, tanto estrangeiro quanto nacional, e que se alguma irregularidade inteiramente excepcional porventura causasse a nossas autoridades civis merecida apreensão, elas encontrariam nas autoridades eclesiásticas todo o apoio, toda a solércia, toda a prontidão em tomar as medidas de sua alçada para fazer cessar qualquer abuso. Assim, as intervenções escandalosas de certa imprensa e de certos grupos só poderia redundar em barulho inútil em torno de assunto que nenhuma dificuldade oferece. O patriotismo e o espírito de Fé dos brasileiros só pode ver nesta campanha um grave insulto a seus brios.

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Ora, recentemente, certa imprensa levantou nova celeuma em torno da notícia de que fora preso e condenado o Exmo. Revmo. Mons. Manoel Koener, por deter armas proibidas.

Quais foram os fatos? Nossos colegas de "A União", órgão católico do Rio de Janeiro, publicaram a este respeito magnífico editorial, de que transcreveremos alguns tópicos.

Monsenhor Koener, - “como sacerdote que integra uma Congregação que tanto tem sofrido do hitlerismo – como aliás todas as Congregações Religiosas  - não é lícito admitir, superficialmente, que trabalhasse para o êxito de uma política reconhecidamente nefasta aos interesses da Igreja. Por outro lado, Monsenhor Koener acha-se no Brasil há mais de vinte anos e aqui desempenhou funções de relevo, como reitor do Ginásio Arnaldo, de Belo Horizonte, e reitor do Seminário que os PP. do Verbo Divino mantém em Sítio, Estado de Minas. Em 1940 foi nomeado Administrador Apostólico da Foz de Iguaçu. É um Sacerdote com um passado digno, componente de uma Congregação benemérita, que se arrasta pela rua da amargura, com a agravante de envolver na atmosfera de desconfiança e descrédito todos os Religiosos estrangeiros fixados no Brasil".

E mais adiante nosso colega prossegue: "Monsenhor Manoel Koener chegou à Foz do Iguaçu em 1940. Na residência dos padres, ampla e hospitaleira, hospedam-se os principais viajantes que transitam por aquelas paragens. Ali se hospedaram, em 1938, durante meses, turistas e pesquisadores estrangeiros, chefiados por um Arquiduque. Conduziam máquinas fotográficas, aparelhos de medição, espingardas, revólveres, cartuxos. Um dia partiram, assegurando regresso mais tarde. Pediram aos Religiosos que lhes guardassem duas malas. Os Religiosos concordaram em que as malas ficassem. Veio a guerra. Veio a desconfiança contra os súditos do Eixo. A polícia do Paraná varejou a residência da Prelazia. A mala apareceu. Dentro da mala, armamentos! Espanto para Monsenhor Koener. Espanto para os demais componentes da Congregação. Prisão de Monsenhor Koener que passou 5 dias num presídio comum. Posto em liberdade, Monsenhor Koener deixou o Paraná e veio aguardar a marcha dos acontecimentos em companhia de outros sacerdotes, em pleno Rio de Janeiro, na paróquia de Santo Cristo, de que é vigário um padre de sua Congregação. Aqui, a "Diretoria Geral de investigações, pela Seção de Vigilância e Capturas, conseguiu, contudo, descobrir o seu paradeiro" ... E Monsenhor Koener, passou a ser mimoseado com os títulos de espião, dirigente do Partido Nacional Socialista Alemão, renegado Monsenhor, etc., etc. ..."

A estes excelentes argumentos, teríamos, de nossa parte, outro a acrescentar. O Arquiduque Felix de Habsburg é uma vítima do nazismo. O governo Schuschnigg dera a todos os membros da antiga família imperial austríaca o direito de regressar à Pátria, e lhas restituíra a fortuna roubada pelos socialistas. Com o "Anschluss", a miséria se abateu novamente sobre os Habsburgs, e o mundo inteiro presenciou, comovido, o êxodo da Imperatriz Zita e de sua numerosa prole, para o Canadá, através das aventuras que mais uma vez fazem da ilustre e infortunada soberana uma verdadeira figura de tragédia clássica, e isto não só pela grandeza de seu infortúnio, como pela nobreza da alma que na maior adversidade tem sabido revelar. Recentemente, tentou-se uma campanha de difamação contra o Arquiduque Felix quando de sua segunda vinda ao Brasil. Nossas autoridades de tal maneira desprezaram a campanha, que deixaram desembarcar o Arquiduque. O que de terrível poderiam ter assim algumas armas de caça por ele deixadas no Paraná há anos atrás? Todas as circunstâncias parecem aí muito favoráveis.

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O que, sobretudo, é muito curioso, é que antes mesmo de a justiça temporal ter dito uma palavra definitiva segundo a lei civil, sobre o assunto, a questão se considera por certa imprensa inteiramente julgada. E já serve de ponto de partida para os mais violentos ataques. Por isto, é com toda a razão que a "União" conclui: "Acontecimentos posteriores provarão a inocência desse Missionário sobre cuja pessoa se lança o labéu de traidor. Mas o que importa assinalar, desde já, é que no fundo dos comentários que se bordam à margem do assunto reponta a tendência de criar um clima contrário à ação dos Missionários estrangeiros no Brasil. E é preciso, ainda uma vez, pôr um ponto final nessa questão. Ninguém discute a necessidade de um trabalho fecundo e persistente em prol da formação de um clero nacional. Oxalá a Providência derrame bênçãos sem conta sobre os lares brasileiros para que estes encaminhem jovens para os nossos seminários. Oxalá não venhamos a precisar amanhã, como precisamos ontem e como precisamos hoje, do sacrifício e da abnegação do padre estrangeiro. Mas enquanto não soar essa hora deixemos de veleidades e nem de longe fomentemos essa divisão e alimentemos a discórdia, à base de uma desconfiança ridícula e à força  de uma atitude sem caridade e sem amor, sem compreensão do espírito universal da Igreja e sem considerar a verdadeira situação do país. E é precisamente no dia das Missões que elevamos a nossa voz em defesa de uma figura ilustre de missionário, componente de uma Congregação que tem contribuído para a educação de jovens brasileiros, num esforço que vem de longe,.... [erro tipográfico] argamassando na própria razão de ser do ideal missionário. O prazer sádico que atira à lama o nome de Mons. Manoel Koener é o mesmo que salpicaria a honra de um Religioso de qualquer Congregação, a batina secular de um dos nossos padres. E os católicos  -  tão simplórios no acreditar! - não aceitem, de plano, o primeiro artiguete que se lhes apresentar com cores sensacionalistas, visando separar o povo dos que têm a missão de guiá-lo: "Ide e ensinai!"

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Não quereríamos encerrar estes comentários sem fornecer sobre o Exmo. e Revmo. Monsenhor Koener alguns dados biográficos que bem podem mostrar qual tem sido sua vida de devotamento à Igreja:

Nascido em 1885, na Silésia, Alemanha, S. Excia. conta hoje 58 anos, dos quais gastou 33 ao serviço da Igreja. Foi primeiro missionário em Moçambique, África, e era como o pai dos negros daquela colônia portuguesa. Em 1921 veio para o Brasil depois de algum tempo de estadia na Europa. Em nossa pátria ocupou cargos de grande responsabilidade, em Minas Gerais e no Estado Rio, subiu de professor a prefeito geral, deste cargo a reitor do colégio Arnaldo em Belo Horizonte, por fim a provincial da Congregação do Verbo Divino no Brasil. A confiança absoluta nele depositada pelos superiores é sancionada por um prestígio enorme de que sua Ex.a, desfruta ainda hoje em todos os lugares onde trabalhou, sobretudo em Belo Horizonte, onde foi e é o conselheiro e amigo das melhores famílias mineiras. Em 1940 a Santa Sé veio dar uma prova brilhante de sua confiança em S. Revma., nomeando-o Administrador Apostólico da Missão da Foz do Iguaçu. S. Ex.a se dedicou completamente a esta tarefa, tendo conseguido já reorganizar duas ótimas escolas para os filhos dos índios, caboclos e colonos daquelas brenhas, dando educação e instrução a 240 filhos da selva. Estava empenhando em reorganizar todo o trabalho da missão e desbravar a parte norte do território, ainda completamente inexplorado, quando a tempestade da guerra o privou do auxílio de seus confrades europeus que tiveram de abandonar a zona fronteiriça com o Paraguai. Arcava S. Ex.a sozinho com o pastoreio da zona da fronteira, quando a segunda borrasca o envolveu.

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Estamos, pois, certos de que ele só terá a lucrar com um exame meticuloso de todos os elementos da questão, perante a suprema alçada judiciária do país, diante da qual se discute a questão.

E com isto mais uma vez se desmascarará certa imprensa escandalosa!