Legionário, 25 de fevereiro de 1945

Nova era

Plinio Corrêa de Oliveira

Os últimos acontecimentos políticos tiveram, para a vida do País, uma importância transcendental, quer do ponto de vista material, quer ideológico. Habituado a considerar apenas os acontecimentos sob o ângulo de sua especial repercussão no terreno religioso, o LEGIONÁRIO se abstém de qualquer comentário estritamente temporal, não consentindo jamais em que em suas atitudes e opiniões influam as preferências legítimas que, evidentemente, podem ter os que o escrevem. Mas como católicos temos, evidentemente, uma palavra que dizer. E, por singular e feliz coincidência, esta palavra foi dita antes mesmo dos acontecimentos que devemos analisar. Não nos cabe senão lembrar aqui os conceitos do Santo Padre Pio XII, que publicamos em nossa última edição. Eles exprimem o que de mais útil e mais profundo a opinião católica tenha que dizer ao mundo moderno, no momento em que o arcabouço político de todos os povos, inclusive do nosso, vai ser submetido a exame.

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Em essência, a Igreja não opta por nenhuma forma de governo – monarquia, aristocracia ou democracia – desde que respeite o direito natural e divino.

A este propósito, parece-nos que nunca foi tão necessário que todos os católicos se unissem em torno do próprio conceito do direito natural e divino, e fizessem dele sua grande bandeira. De fato, o problema essencial consiste em saber se esse direito viverá ou não, se ele será instaurado em condições de durabilidade ou se sua implantação será uma efêmera reintegração de princípios fadados a ser deteriorados pelo primeiro tufão político ou ideológico que sopre novamente pelo mundo. E, como a respeito da conceituação desse direito os católicos não podem estar em desacordo – é matéria definida pela Igreja – todo o peso da opinião pode bem convergir neste sentido, com evidente vantagem para a Igreja e a civilização.

O que é propriamente o direito natural? Há tratados inteiros para definir esse conceito. E não é fácil colocá-lo ao alcance do público necessariamente heterogêneo, a que se dirige um jornal.

A criatura humana tem certos direitos que lhe vem de sua própria natureza. Assim, todo homem, pelo próprio fato de ser homem, tem o direito de não ser morto ou espancado injustamente. Esse direito lhe vem de sua própria condição de homem. E como a condição de homem lhe foi dada por Deus, esse direito lhe vem de Deus. Assim, pois, todos os homens têm esse direito porque são todos homens. Não foi o Estado, nem foi essa ou aquela corrente doutrinária, que lhe deu esse direito. O Estado apenas protege esse direito. Mas o direito à vida ou à integridade física nos vem de Deus. O Estado não o pode, portanto, retirar a ninguém. E, se o fizer, pode dar-se o caso da pessoa lesada ter até a obrigação de resistir ao próprio Estado. Mas o direito à vida e à integridade física não é nosso único direito natural. O homem tem direito a honra, a sua propriedade, a sua dignidade e, sobretudo, a sua integridade moral. Ninguém pode obrigar o homem à prática de uma ação imoral.

E isto é de direito natural. O mais sagrado dos direitos do homem consiste em professar, praticar e propagar livremente a Religião Católica. Ora, para a Igreja, é absolutamente essencial que estes direitos sejam respeitados pela legislação do Estado, qualquer que seja, aliás, sua forma de governo. É essa a razão profunda da incompatibilidade entre a Igreja de um lado, o nazismo e o comunismo de outro.

Neste sentido, devemos distinguir a atitude do Estado perante o problema da liberdade de culto, de sua atitude perante a civilização cristã. Um Estado pode conferir à Religião todas as facilidades de expansão do seu culto, mas ter um regime hostil ao Catolicismo. Ou pode criar dificuldades à expansão do culto católico e ter um regime compatível, ao menos em suas linhas gerais, com o da Igreja. Assim, por exemplo, houve tempo em que o nazismo favorecia a expansão do culto católico. Foi isto durante alguns meses apenas, depois da Concordata. Mesmo nesse período, o regime nazista era anticatólico, pois que visava a estruturação da sociedade contra as normas da moral católica, do direito natural. Por outro lado, Filipe, o Belo, de França, perseguiu a Igreja, tolhendo a expansão de seu culto em muitos pontos de vista. Mas o regime medieval francês, vigente ainda a seu tempo, era conforme as exigências e princípios da doutrina católica.

Ora, qualquer que seja a política religiosa do nazismo ou do comunismo, serão sempre regimes anti-católicos, porque sua essência é a negação dos direitos da pessoa humana. E, como tal, não poderia ser, de modo nenhum, compatível com o Catolicismo. Porque este é o tutor do direito natural. E o direito natural proscreve qualquer regime alicerçado na negação daquilo que o Papa tão bem distingue na Encíclica Mystici Corporis Christi: os direitos da pessoa, e a situação legal do indivíduo.

Ora, o que nós católicos devemos desejar, no momento presente, é sobretudo que os direitos da Igreja e da pessoa humana sejam respeitados. É-nos lícito divergir sobre a forma de governo que, dadas as condições concretas desse ou daquele país, melhor pode conduzir ao respeito de uma ou outra coisa. Não nos é licito discordar do ponto essencial: a saber, que o fim a ser desejado por qualquer forma de governo, é este.

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Acrescentemos de passagem, que este é o melhor meio que temos para trabalhar em prol da prosperidade, ainda mesmo material, do país. O esplendor da Igreja, a segurança de sua situação, a perfeição da ordem natural nas relações jurídicas e sociais, são o elemento indispensável para a grandeza mesmo temporal de um país. A tal ponto que Santo Agostinho pode dizer que a Igreja, instituída para conduzir os homens ao Céu, influencia de modo tão completo e feliz a vida temporal, que se diria quase que ela foi instituída só para tornar felizes os homens, neste mundo.

O dever patriótico no momento é, pois, um: trabalhar pela plena observância do direito natural e do direito divino, dentro das diretrizes que a Hierarquia haja por bem dar-nos a este respeito.