Legionário, Nº 714, 14 de abril de 1946

A questão iraniana

Acabou ou não acabou a questão iraniana? É o que ninguém poderia responder ao certo. Na ONU, a crise foi dada por resolvida. Mas a legitimidade desta solução foi contestada por vozes tão autorizadas, que a opinião pública ficou em suspenso. O ministro do exterior da Austrália denunciou a solução como uma burla. Alguns dos mais autorizados órgãos londrinos opinaram no mesmo sentido. Do Irã vêm protestos, procedentes sobretudo do partido conservador. Este alega que a presença de tropas russas em território iraniano não é o único meio de pressão internacional. A simples ameaça de se repetir a incursão soviética já é de per si um espectro suficientemente apavorante, para mover em qualquer direção a política externa do Irã. O tratado russo-iraniano foi assinado em uma atmosfera de conturbação profunda. Não era este o momento para obter do Irã um consentimento que o mundo inteiro julgasse realmente livre. E a prova de que não era livre o consentimento se poderia encontrar no próprio tratado, alegam os conservadores iranianos. Com efeito o tratado consagra a autonomia do Azerbeidjan. Perguntam eles: Porque isto? O que é o Azerbeidjan? Uma província persa. Sua autonomia o que vem a ser? Uma questão interna persa. Por que motivo figura no tratado esta autonomia? Porque a URSS deseja que o Azerbeidjan seja autônomo. Porque esta autonomia se estabelecerá? Porque a URSS exigiu a cláusula desse tratado. Logo, porque se resolve no sentido autonomista este problema interno iraniano? Porque a URSS assina o que quer. E, no fim deste raciocínio, os conservadores iranianos perguntam: é fato então, que o Irã é uma nação livre, que resolve como entende os seus problemas internos? Como é óbvio, só há uma resposta possível: não.

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O ambiente de mal-estar que tudo isto causa, a decepção que a opinião mundial sente diante de tudo isto, se acentua por afirmações e atitudes realmente singulares de certas potências. Nós, brasileiros, nós que somos com nosso imenso território, nosso imenso futuro, nossa população tão pequena, entretanto classificada na ONU de "pequena nação", nós não podemos deixar de refletir sobre este assunto.

Com efeito, para nós, o valor da ONU está em que, como organismo internacional, é capaz de proteger o direito dos fracos. Se isto deixar de ser, se a ONU se transformar num espetáculo internacional em que, mais ou menos veladamente, os fortes imponham suas decisões aos fracos, então não veremos mais nos liames que nos ligam ao organismo internacional garantias, direitos, laços fraternais, mas... algemas de escravo. É esta a realidade, e só está.

Ora, no "intermezzo" da questão iraniana, enquanto as tropas soviéticas ainda não acabaram de abandonar o território persa, e a questão iraniana continua na ordem do dia, o que vemos? Que os "Quatro Grandes" - felizmente a França já figura neste "Quatuor" onde pelos menos a latinidade e o mundo católico têm uma representante - se reunirão em Paris para confabular.

O que vem a ser esta reunião de grandes? Decididas por eles, no mistério dos gabinetes do Luxemburgo, as questões internacionais, do que valerá o voto dos pequenos, ou soi-disant pequenos?

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Enquanto isto se dá, morre melancólica e turbulentamente, como viveu a Liga das Nações de Genebra. A ONU está em plena crise, enquanto agoniza sua antecessora genebrina. Como fundo de pano para a atual situação internacional, ao lado da questão iraniana ainda fumegante, divisamos outros problemas. Já está noticiado que a URSS tem reivindicações a fazer na Itália, ou antes nas colônias italianas. Que a URSS não está contente com a solução - aliás excelente - do caso grego. Que a URSS não quer aceitar as eleições japonesas. Tudo isto dará o que falar. E, para aumentar a matéria para a briga, está o caso espanhol.

Não seria interessante que a ONU voltasse um pouco os olhos para o ocaso de Genebra, e procurasse evitar em sua estrutura os mesmos erros que levaram à ruína o instituto oriundo da paz de Versalhes?

Evidentemente sim. Mas ninguém pensa nisto.

A este propósito, lembramo-nos do Evangelho: "Jerusalém, Jerusalém, se tu ao menos soubesse quem te pode dar a paz!" Realmente, como os judeus, temos a Paz entre nós, e entre nós não há paz.

A Paz, nos tempos de Cristo, era Cristo presente. Hoje, a Paz é Pedro. Se o mundo contemporâneo compreendesse que a Liga e a ONU têm de ruir porque não se fundam sobre a única coluna, sobre a Pedra, sobre Pedro!

Mas que espanto há em que nações atéias, pagãs ou protestantes não vejam isto, se inúmeros católicos parecem também não sentir esta situação?