Credo caduco

 

“O Legionário”, N.º 128, 17 de setembro de 1933

 

Venerável mas caduco, o Credo católico, segundo uma declaração do General Rabello,  publicado pelos jornais. Esta afirmação veio a público a propósito da construção de uma escola militar, em cujo conjunto o arquiteto havia encaixado uma capela.

Estamos certos de que se a visão intelectual do famoso militar não estivesse obstruída pela catarata do positivismo, não poderia deixar de encomiar altamente o pensamento do arquiteto, que atende aos mais profundos interesses do povo brasileiro.

Afirmamos sem receio que os dois problemas máximos com que o Brasil luta hoje em dia nada mais são senão as duas velhas chagas da Monarquia - que a República deixou progredir até à gangrena - o problema religioso e o problema militar.

O problema religioso - a questão religiosa, dizia-se na época - girava em torno das relações entre a Igreja e o Estado. No tempo da Monarquia, a Igreja era para o Estado um canário guardado em gaiola dourada, que tem a permissão de encher o ambiente com os seus trinados harmônicos, que é tratado com todo o mimo, mas que vê sua liberdade e suas possibilidades de um vôo mais alto impiedosamente tolhidas dentro das grades tristemente douradas da gaiola.

Não queremos de maneira nenhuma afirmar que se trate de uma situação atribuível à Monarquia como forma de governo. Decorria principalmente do velho regalismo de Pombal, cuidadosamente conservado no Brasil através de inúmeros lustros, dentro dos reservatórios de erros e heresias que eram, em toda a Monarquia lusitana e suas colônias, as universidades portuguesas.

O fato, porém, é que enquanto o Estado afirmava oficialmente sua crença nos ensinamentos da Igreja Católica, reservava para si o direito de, por meio do placet, não pôr em execução as determinações emanadas da autoridade inviolável da Santa Sé.

Por outro lado, as ordens religiosas, viveiros em que se cultiva a santidade e se prepara o clero, que deve ser, segundo os Evangelhos, o sal do mundo (cfr. Mt. 5, 13), eram feridas na raiz pela ingerência do Governo na sua constituição íntima, noviciados, etc.

E assim a árvore frondosa do Catolicismo definhava, não porque o machado herético a atacasse, mas porque as suas raízes eram corroídas pelo verme do regalismo e privadas de toda a irrigação indispensável. Montava-se guarda junto à árvore para que não fosse partida pelo machado do mau lenhador, mas negava-se-lhe água. E desta incoerência, o problema religioso surgiu, até que facilitou a queda da monarquia.

A questão militar nasceu no flanco ferido da Nação, que era a chaga aberta da questão religiosa.

Sem preparação religiosa suficiente, nossos militares eram desde cedo contaminados pelos ensinamentos liberais contrários a toda e qualquer disciplina, e pondo na força da espada ou das urnas toda a autoridade.

Daí um dissídio inevitável entre o elemento civil e o militar, dissídio este que  conduziu ao 15 de Novembro, abrindo para a Nação o inicio da era republicana.

A República, ou mais verdadeiramente os homens que estavam à testa da República, em lugar de sanearem os males da Monarquia, pareceram, neste particular, atrair para si a velha acusação que uma vez se lançou contra o Estado: o mal que fizeram, o fizeram bem feito; o bem que fizeram, o fizeram mal feito.

Assim é que o bem, isto é, a liberdade religiosa reconhecida à Igreja, foi [in]completo, procurando-se afastar o Catolicismo do ensino público e permitindo, pois, que a Nação formasse as gerações mais jovens dentro de um inteiro indiferentismo religioso.

O mal que ela fez, afastando o Catolicismo do ensino, ela o fez bem feito (ou seja, de modo completo), pois que suprimiu os últimos vestígios de influência católica na escola militar.

O resultado não se fez tardar. A questão militar foi assumindo uma gravidade cada vez maior, até chegar à situação atual de insatisfação geral, em que se encontram descontentes simultaneamente as classes armadas e o elemento civil, em grande parte por uma incompreensão recíproca de suas relações, incompreensão esta que só o ensinamento católico poderia dissipar.

Posto isto, não temos palavras suficientemente admirativas para exaltar a ação da Liga Eleitoral Católica, reivindicando energicamente a restauração do ensino religioso e das capelanias militares.

O Credo caduco que, para o General Rabello, é o Catolicismo, mostrará, se o Estado não lhe fechar as portas, que ele não é caduco porque não é velho, pois para as coisas eternas o tempo não existe, e a sua perene mocidade zomba dos homens e dos séculos.

E é do Credo caduco, que é antigo sem ser velho, que podemos esperar a seiva moral que há de dar nova mocidade ao nosso pobre Brasil que, na situação em que está, parece ser velho... sem ser antigo.