O primeiro triunfo

“O Legionário”, N.º 145, 13 de maio de 1934

Iniciada a votação do projeto constitucional, a emenda do preâmbulo da Constituição, invocando o nome de Deus, foi a primeira a ser aprovada pela significativa diferença de cento e onze votos. É assim, desde o primeiro passo para uma Constituição definitiva, depois de tantas peripécias de subcomissões e emendas de todos os lados, que a população católica brasileira, ou melhor, pura e simplesmente o povo brasileiro vê as suas mais caras e supremas reivindicações serem reconhecidas pelos legisladores constituintes de hoje, que por tal forma se dispõem a reparar a obra demolidora do nosso primeiro período republicano.

Organizada a Liga Eleitoral Católica para defender as reivindicações religiosas na vida política do País, entrou [ela] em fogo pela primeira vez, precisamente no momento em que toda a nação se preparava para receber dos seus deputados uma nova carta constitucional, isto é, para entrar em uma nova ordem política.

A gravidade da situação era evidente aos olhos de todo o mundo. Enquanto se ia alongando o período relativamente escasso do regime ditatorial que se sucedeu à Revolução de 1930, ia-se formando uma atmosfera carregada, produzida pelas apreensões crescentes e pela balbúrdia governamental. Nesse estado de espírito, as palavras “Constituição” e “Lei” se foram tornando, em certos ambientes, verdadeiros “fetiches” que todo o mundo invocava como panacéia salvadora e infalível, mesmo sem saber do que se tratava. Começou-se, então, a pedir uma Constituição sem outras preocupações que não fossem a de sair do regime discricionário. Assim sendo, a aspiração por uma ordem legal, em si justíssima e merecedora de todos os aplausos, começou, porém, a se desvirtuar do sentido em que sempre deve ser dirigida.

O que seria uma Constituição feita às pressas, com as forças políticas improvisadas de um momento para outro e os eleitores abandonados cada qual a si mesmo, o que eqüivale a dizer, àqueles que, pelas circunstâncias do momento, pudessem deles dispor como lhes aprouvesse?

Esse era, realmente, o problema constitucional que tínhamos por frente. E a nós, católicos, dois exemplos nos advertiam continuamente do perigo de uma improvisação constitucional: um, de ordem histórica, o da nossa Constituinte de 1891; outro, de ordem presente, o da Espanha recentemente republicanizada. Lembrávamo-nos do modo pelo qual fora feita a Constituição de 1891 (bons tempos a levem para sempre!). Uma minoria que se apossara do poder viera impor a um povo católico uma Constituição positivista e laicista. E olhávamos também para a católica Espanha, que recebera dos seus neolegisladores uma carta magna socialista e anticlerical.

Era natural, portanto, que tivéssemos nossas prevenções e nossos cuidados com aquela pletora de leis e Constituição que começava a dominar o País, e sobretudo São Paulo. Por outro lado, as legiões bolchevizantes, que elementos adventícios iam organizando, tendo por si as graças do governo; as constantes proclamações revolucionárias dos novos governantes; o desenvolvimento da propaganda socialista e suas incursões no nosso incipiente sindicalismo; tudo isso, acrescido à inquietação geral dos dias turvos de 1930 a 1932, nos forçava a tomar o partido da constitucionalização imediata.

Estávamos, assim, entre a espada e a parede, quando surgiu a Liga Eleitoral Católica. Era o ponto de apoio que nos faltava. E, começando o alistamento eleitoral, a LEC desenvolveu uma atividade magnífica por todo o Brasil, do extremo norte ao confim dos guascas.

Já nos sentíamos fortes, porque unidos numa organização capaz de exigir dos candidatos à Constituinte o respeito e a proclamação dos nossos direitos. Forte e capaz, porque era a voz do Episcopado que se fazia ouvir, como uma palavra de esperança e tranqüilidade para aqueles que, em meio das tormentas revolucionárias, ansiavam há muito tempo - há quarenta anos, podemos dizer - por uma ordem pública que viesse reconciliar o Estado e a consciência cristã da Nação, pondo termo, ao mesmo tempo, ao revolucionarismo latente ou patente em que vivíamos desde 15 de novembro de 1889.

* * *

Logo começaram os céticos a sorrir com desdém. Qual! está tudo perdido! Vocês ainda pensam que os políticos vão respeitar compromissos? Isso é ingenuidade de quem nunca se meteu em política... Estão perdendo o seu tempo...

E quando os católicos se “mobilizaram” para a primeira grande [pugna] da Liga, as eleições de 3 de maio tiveram de lutar não só contra os seus inimigos declarados, mas ainda contra esses eternos descontentes e indisciplinados.

A luta foi “canja”, como se costuma dizer... Tais adversários não davam para a saída... E só um candidato católico, em São Paulo, obteve o dobro da votação do segundo colocado, com o maior número de votos em todo o País. Foi uma magnífica demonstração da disciplina e coesão dos católicos de nossa terra.

Mas a grande tarefa ia começar ainda. Os céticos continuavam a sorrir... de tanta força desperdiçada. E já saboreavam previamente a nossa desilusão.

Mas, desde o início dos seus trabalhos, a Assembléia Constituinte mostrou que possuía muitos deputados católicos decididos e valorosos, que não se cansavam de trabalhar pela razão de ser de sua eleição.

No primeiro dia da votação do projeto constitucional e das emendas existentes, 168 deputados decidem, contra 57, a invocação do nome de Deus na Constituição.

Um triunfo tão esmagador, em torno de um ponto que nem sequer fazia parte do “programa mínimo” da Liga Eleitoral Católica, é quase o indício seguro de que as demais reivindicações dos deputados católicos na Assembléia serão vitoriosas.

Diante de um primeiro passo como esse, não nos é lícito descrer da obra que está sendo elaborada. Ela, certamente, há de contribuir para a restauração do reinado de Cristo na sociedade, que depende, quanto à nossa parte, da obediência constante e irrestrita aos chefes da Igreja que nos apontam o caminho da salvação.