Ainda o Carnaval

“O Legionário”, N.º 166, 3 de março de 1935

 

É muito interessante a situação de um governo que oficializa determinada festa ou cerimônia. Se ele toma essa medida é porque a festa, que passa assim à categoria de nacional, estadual, municipal, etc., é suficientemente digna e elevada moralmente para poder merecer a atenção governamental; é porque ela contribui eficientemente para o bem-estar, não só material, como principalmente espiritual do povo, para sua educação, para o seu aperfeiçoamento. Assim deve ser entendida, por qualquer pessoa de mediano senso comum, uma medida desse teor, tomada pelo governo de qualquer país, província ou municipalidade.

Deixemos a tese e passemos ao fato. A Prefeitura desta Capital oficializou no ano corrente, e parece que pretende fazer nos seguintes, os festejos do carnaval. Deve tê-lo feito, portanto, na convicção de que essa festa é um modelo de dignidade, de honra, de sublimidade moral! Enganou-se porém. E a prova deste engano não partiu de nenhum reacionário de quatro costados ou de algum misantropo, avesso a toda a alegria do próximo. Partiu do próprio governo de que faz parte o senhor Prefeito Municipal.

Em primeiro lugar a voz da magistratura, “impoluta, incorrupta, honesta, serena magistratura”, no dizer mil vezes repetido dos homens que estão no poder, e nós endossamos plenamente essas palavras. O Dr. Eduardo de Oliveira Cruz, Juiz de Menores, baixou uma portaria estabelecendo normas e proibições diversas para os menores até 21 anos, os quais devem, assim, limitar-se à assistência de determinadas festas carnavalescas, sendo-lhes interditas as demais, mesmo quando oficializadas!... É portanto o responsável pelo bom ambiente moral e material dos jovens, dividindo as festas de carnaval em dois grupos, um dos quais não pode ser assistido pelos menores de 21 anos, que assim se exporiam a graves prejuízos em sua formação moral e física. E note-se que essas festas são apoiadas pela Prefeitura Municipal!...

Mas a elas podem comparecer sem receio os adultos, dirá a Prefeitura, que concordando com o Juizado de Menores, reconhecerá que há, na verdade, cenas carnavalescas cuja prática não fica bem aos olhos de uma criança ou de um moço. A isso corrigiríamos nós dizendo que aquilo que uma criança ou um moço não podem ver, também não é digno de ser visto por um adulto. Mas isso não vem ao caso. Vamos anotar apenas mais um pequenino engano da Prefeitura. E é a Superintendência de Ordem Política e Social que lho vem recordar, limitando a liberdade dos foliões, aos quais não será permitido o porte de armas. E afirma que “tornará efetiva a fiscalização junto às casas onde se realizarem festejos carnavalescos”. Esse aviso da referida Superintendência, vem mostrar que as ocasiões de atritos, e as possibilidades de crime são numerosas em todos os lugares onde se pratica o carnaval. Não há portanto paz, não há portanto segurança, seja moral, seja física. E à Prefeitura, que se equivocara completamente, só lhe restava depois disto contribuir ativamente para a felicidade da população trabalhando pela extinção de festa tão perigosa, que não pode ser assistida, nem por menores, nem por adultos...

Assim não fez porém. Preferiu continuar no caminho errado, dando mão forte aos vendedores do vício, aos desmandos da imoralidade. E num retrospecto vivo, apresentam-se à imaginação as civilizações que desapareceram na dissolução dos costumes e na materialização do homem. E o “Mane, Thecel, Phares do festim de Balthazar aparece sempre vivo, inapagável das paredes dos festins modernos, onde é a lembrança da eternidade imutável. Mas, ao mesmo tempo, uma finíssima flor da espiritualidade cristã vem dar a resposta da verdadeira mocidade, da verdadeira virilidade: é o Retiro Espiritual. São os moços, os homens, que exaltam o espírito e esmagam a carne; eles vão reunir-se aos pés de Jesus, vão meditar a eternidade, vão assentar solidamente sua vida interior, no silêncio e na solidão; eis a que vão fazer os Retirantes do carnaval que hoje começa.