Um Ano

“O Legionário”, N.º 175, 7 de julho de 1935

 

Um ano faz que foi promulgada solenemente a Constituição Federal. Há um ano, portanto, que temos ensino religioso, casamento religioso, capelanias militares e franca colaboração da Igreja com o Estado... mas tudo isto apenas em tese.

Enquanto se festeja ruidosamente o primeiro aniversário da Constituição - e “O Legionário” se associa de todo o coração a tais festejos, pois que a Constituição Federal foi realmente uma conquista - não será mau que os católicos examinem o fruto que tiraram das emendas que, tão laboriosamente, foram introduzidas em nossa magna carta.

Quem escreve estas linhas lembra-se perfeitamente de uma afirmação de Tristão de Ataíde, feita pouco depois de 16 de julho, e que lhe causou profunda impressão, pois que encerra uma verdade grave e evidente: “Até ontem, dizia ele, podíamos atribuir à imperfeição das leis vigentes o estado calamitoso em que se encontra o Brasil sob o ponto de vista moral. Hoje, porém, temos uma Constituição ideal, e de hoje em diante a imperfeição das leis não mais poderá servir de escusa à nossa situação, que passará a ser fruto exclusivo da indolência e da inércia dos católicos”. Quem ousará contestar afirmação tão evidentemente verdadeira?

Pois já lá vão três centenas de dias que nossa Constituição foi promulgada, e ainda nos encontramos quase no mesmo estado em que estávamos antes de 16 de Julho.

Não foi regulamentado o casamento religioso. Não foram introduzidas capelanias nas Forças Armadas. Não sabemos de nenhuma alteração no regime das relações entre a Igreja e o Estado a despeito da “colaboração recíproca” permitida pela Constituição. A única conquista que foi aproveitada foi o ensino religioso. E, assim mesmo, em alguns Estados ainda não foi efetuado, em outros começa apenas a ser posto em execução e finalmente, no nosso S. Paulo, um decreto matreiro o concedeu nas vésperas das eleições, e outro decreto, mais matreiro ainda, o regulamentou quando já estavam fora de perigo certos interesses, depois do prélio eleitoral, estatuindo que tal ensino apenas seria ministrado durante meia hora por semana!

E por que isto? Porque os católicos, que souberam apresentar-se coordenados e disciplinados em 1932, deixaram-se empolgar, em 1934, por ideais políticos febrilmente absorventes, que deixaram em segunda plana as preocupações de ordem religiosa.

Por que razão não foram ainda regulamentadas nossas conquistas? Porque a atual Câmara, que conta em seu seio com elementos de dedicação à Igreja, compõe-se, através da maioria dos seus representantes, de indiferentes. E estes indiferentes nenhum compromisso particular têm, em via de regra, com a consciência católica porque, antes da eleição, o eleitorado católico não lhe perguntou quais eram suas convicções religiosas, mas apenas quais seriam suas paixões políticas.

E aí está o resultado: a grande maioria de nossas conquistas é, até a presente data, inoperante. Congratulem-se por esta bela situação os católicos que puseram o facciosismo acima da Religião. Se é de politicagem que gostam, aí a têm, pois que, mais do que nunca, ela invadiu todas as camadas de nossa vida social.

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Se é negro o quadro quando olhamos para o Legislativo federal, ele se apresenta mais risonho do ponto de vista da Constituinte Estadual onde militam diversos católicos que, publicamente, têm proclamado sua Fé.

Não temos podido acompanhar muito de perto os trabalhos da Constituinte Estadual, cujas emendas têm sido publicadas muito imperfeitamente pelos jornais, máxime as da segunda discussão.

Há pontos interessantíssimos a sustentar, em prol da Igreja, dentro da órbita legislativa do Estado. Entre estes, avulta a garantia de que o ensino religioso não será ministrado senão, ao menos, durante uma hora semanal. Outra interessantíssima disposição seria a que isentasse de impostos estaduais e municipais todos os templos e edifícios dedicados a fins religiosos e beneficentes. Evitar-se-ia assim a reedição da tentativa de perseguição indireta, inventada pelo General Waldomiro de Lima. E assim muitas outras coisas haveria a empreender, em benefício da Igreja.

Mas se ainda é cedo para fazermos qualquer prenúncio, podemos no entanto apontar um auspiciosíssimo indício de que os constituintes católicos não se terão esquecido de nossos interesses fundamentais: a belíssima resistência oposta às tentativas do Sr. Pacheco e Silva, no sentido de introduzir o exame pre-nupcial obrigatório, em nossa carta fundamental.