Uma idéia infeliz... [II]

“O Legionário”, N.º 184, 10 de novembro de 1935

 

Afirmam os médicos que os sintomas das grandes moléstias são, às vezes, de insignificantes proporções. Pelo contrário, certas moléstias sem gravidade há que se manifestam em sintomas de aparência alarmante.

O mesmo se dá com alguns fenômenos sociais que, insignificantes na aparência, denotam tendências dignas do mais cauteloso exame.

A esta ordem de fatos pertence a indicação feita pela Câmara dos Deputados ao Sr. Prefeito Municipal, no sentido de ser substituído o nome da Avenida São João pelo de Avenida das Bandeiras.

Um congresso que mude os nomes religiosos das ruas para substituí-los por nomes profanos, embora respeitáveis, erra duplamente.

Em primeiro lugar, esta atitude, de aparência insignificante, revela um incontestável desamor à Igreja.

Realmente, alguém que substituísse na sua sala de visitas o retrato de um amigo antigo pelo de um amigo novo, não revelaria porventura desamor ao primeiro? Não procedeu assim a Câmara com a Igreja?

Em segundo lugar, os nomes de ruas e praças, bem como os monumentos públicos, têm uma profunda ação educadora sobre as massas. Daí a descristianização de nossos nomes de ruas ou de cidades, tendo embora conseqüências imediatas mínimas, terá importantes e nefasto efeito na formação das gerações vindouras.

Foi por esta razão, que publicamos em nosso último número algumas considerações a este respeito.

Com grande satisfação, recebemos a este propósito uma carta do Sr. Deputado Sebastião de Medeiros, que desmente a informação vinculada pela imprensa quotidiana, de que fora unânime a aprovação da indicação do Sr. Deputado Alfredo Ellis.

O Dr. Sebastião de Medeiros é um velho amigo do “O Legionário” para quem sempre temos abertas nossas colunas e nossa simpatia.

Reproduzimos, a seguir, a sua carta:

São Paulo, 27 de outubro de 1935.

Prezado Dr. Plinio Corrêa de Oliveira.

“Salve Maria! - Lendo, com o grande interesse de costume e não menor proveito, o “Legionário” de hoje, tive a minha atenção voltada para o comentário - “Uma idéia infeliz...”, - a respeito de recente deliberação da Assembléia Legislativa do Estado, no sentido de mudar-se a denominação da “Avenida São João” para “Avenida dos Bandeirantes”.

“Como um dos católicos, com assento naquela Assembléia, envolvidos no comentário, cabe-me o dever de prestar os seguintes esclarecimentos.

“1 - Não é exato que a proposição em apreço tenha sido admitida por unanimidade da Assembléia. Antes, a votação acusou a diferença de apenas dois ou três votos de maioria. Alguns deputados houve que fizeram expressa declaração de voto, contrária à aprovação, conforme se pode verificar no Diário da Assembléia.

“2 - Não se trata rigorosamente de um projeto de lei que estivesse sujeito a maiores exigências regimentais, mas apenas de uma simples indicação. Ora, proposições dessa natureza sempre são apresentadas no principio dos trabalhos da sessão, à hora do expediente e imediatamente discutidas e votadas com qualquer número, nem mesmo se exigindo a presença da maioria da Assembléia. A que nos preocupa foi logo votada, sem discussão, apenas a sessão foi declarada aberta.

“3 -  Relativamente a mim, quando entrei no recinto, retardado por outros deveres, a aprovação era já fato consumado. Se presente estivera, teria lembrado apenas estas duas razões:

a) preliminarmente, a impertinência da questão, que é de peculiar interesse do Município e não entra no quadro das atribuições privativas da Assembléia;

b) quanto ao mérito, invocaria o argumento da tradição e o respeito que se deve aos sentimentos religiosos do povo.

“4 - Cumpre, finalmente, não exagerar as conseqüência do ato da Assembléia. Quanto ao fundo: versa questão muito secundaria - simples mudança de nomes de rua - o que não envolve absolutamente nenhum dos princípios de ordem religiosa ou moral pelo qual nos batemos. Quanto à forma: o voto da Assembléia, tomado por maioria meramente ocasional, representa simples sugestão, sem nenhum caráter obrigatório, dirigida ao Prefeito da Capital. Este é inteiramente livre de dar à indicação o acolhimento que lhe aprouver, havendo razões para acreditar que não será aceita.

“5 - Finalmente, fará o prezado amigo a justiça de acreditar que os católicos que temos assento na Assembléia, mantemos, sem discrepância, permanente atitude de vigilância, atentos a todas as questões que possam interessar aos direitos da Igreja e às aspirações da consciência católica.

“Assim foi, mercê de Deus, na Constituição, onde, sem ruído, nem grandes debates, mas num porfiado esforço de catequese e presunção silenciosa, conseguimos ver atendidas as emendas que formulamos. Assim tem sido e continuará a ser na legislatura ordinária. Apenas, preciso é que para tanto nos acudam sempre os católicos com a segurança da sua simpatia e o apoio das suas orações e nos traga especialmente o amigo as inspirações da sua experiência e do formoso talento com que Deus o dotou.

Do irmão em Maria e servo em Cristo.

                                                                                Dr. Sebastião Medeiros