Legionário, N.o. 550,  21 de fevereiro de 1943

7 DIAS EM REVISTA

Todas as atenções estão voltadas, no presente momento, para as notícias concernentes à viagem que fez a Roma o Ex.mo Rev.mo Mons. Spellman, Arcebispo de New York. E não faltam razões para tal. Estando os Estados Unidos em guerra com a Itália, é digno de nota que o ilustre Prelado, transpondo territórios inimigos, vá avistar-se com o Santo Padre. Em si, o fato nado tem de surpreendente, já que, sendo o Santo Padre soberano independente da Cidade do Vaticano, a ele devem ter acesso livre, em qualquer época, os Pastores de todos os rebanhos que o Sucessor de São Pedro tem disseminados pelo mundo. Entretanto, tudo torna patente que só motivos especiais poderiam determinar tal viagem em um momento como este, e esta impressão se tornou mais forte com uma interpelação feita a este respeito por um representante do povo no Congresso yankee, interpelação que revela claramente que as atuais peculiaridades do ambiente político e social norte-americano são real verosimilhança à notícia de que o Ex.mo Rev.mo Mons. Spellman fora incumbido de missão da parte de seu governo. É certo que a interpelação do deputado americano teve uma resposta negativa ou ao menos evasiva. Mas, ainda que Mons. Spellman fosse incumbido de missão especial, a resposta do representante da Casa Branca não poderia ser outra.

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Tanto é isto verdade, que a imprensa do mundo inteiro tem os olhos voltados para a viagem do eminente prelado. E, fato ainda mais significativo, a recepção que S. Ex.a Rev.ma teve na Espanha parece confirmar o caráter oficial em que viaja.

Com efeito, se bem que nos Estados Unidos a Igreja esteja separada do Estado, um telegrama da Agência Reuters noticiou que S. Ex.a Rev.ma foi recebido oficialmente pelas autoridades civis de Barcelona, e conferenciou com o General Franco, na presença de S. Eminência o Cardeal-Arcebispo de Toledo, Primaz da Espanha, do Conde Jordana, Ministro do Exterior, e do embaixador norte-americano em Madri.

Este contato com o mundo diplomático dificilmente se poderia explicar se a viagem de Mons. Spellman fosse meramente relacionada com assuntos da diocese de New York.

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A primeira observação que fatos tão expressivos nos sugerem consiste em que a Igreja está tomando, nos Estados Unidos como no mundo inteiro, uma influência cada vez maior. Já se foi o tempo em que todos os acontecimentos podiam transcorrer à revelia dela, e em que a Liga das Nações, de pouco saudosa memória, negligenciava de inscrever a Santa Sé na lista de seus membros. É preciso contar hoje com a Igreja. A época do laicismo de Estado passou.

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Este fato nos conduz a uma conclusão talvez inesperada. Com efeito, ele demonstra que já se foi também tempo em que os escritores e políticos de toda espécie tinham liberdade de dizer ou escrever contra a Santa Igreja o que bem entendessem, acobertados pela mais absoluta impunidade; ou, mais ainda, o tempo em que enfiar em um artigo rabiscado às pressas uma meia dúzia de lugares comuns contra o catolicismo era o melhor meio de estreiar nas letras e na vida pública. Há, hoje, uma opinião católica poderosa e vigilante, que não perdoa façanhas como esta. E, por isto, da fase do ultraje gratúito e brutal contra a Igreja, passamos para a da tapeação. Antigamente, havia muita gente que cometia a vileza de atacar a Religião sem nenhuma convicção, só para fazer carreira. Hoje, a mesma vileza não desapareceu, mas mudou de tática: procura manejar o turíbulo com que outrora manejava o facho da revolução.

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Feita esta reflexão à margem do assunto, voltemos às notícias e boatos que a viagem do Ex.mo e Rev.mo Mons. Spellmann suscitou.

Sejam quais forem os verdadeiros móveis de tal viagem, o certo é que devemos repudiar decididamente como contrária ao decoro da Igreja qualquer versão no sentido de que o digno Arcebispo de New York ou o Santo Padre venham a patrocinar uma "paz a qualquer preço".

As tradições e princípios diplomáticos do Vaticano, hauridos diretamente, como é obvio, na doutrina católica, não comportam uma espécie de filantropismo político naturalista, que aponta na guerra como supremo mal a perda de vidas humanas, as desgraças materiais de toda a espécie e os prejuízos econômicos que ela acarreta.

Pelo contrário, a Santa Igreja mostra que o maior mal da guerra está nos prejuízos que ela traz às almas, porque a alma vale mais do que o corpo, e os interesses espirituais estão acima dos temporais. E, assim, uma "paz qualquer", paz do tipo "Chamberlain", que tenha como fruto a manutenção, em pé de guerra, das grandes heresias sociais contemporâneas, é uma paz que não se pode esperar da Santa Sé.

Paz com justiça, paz portanto em que, antes de tudo e acima de tudo se faça justiça à Igreja e às almas, é esta a paz que os boatos concernentes à viagem de Mons. Spellman devem fazer esperar.

Paz, portanto, que signifique para o Brasil e para todos os povos a vitória dos verdadeiros bens da única verdadeira civilização, que é a cristã católica, é esta a única paz que a Igreja nos quer ou pode dar.