Legionário, N.º 586, 31 de outubro de 1943

7 DIAS EM REVISTA

O “Legionário” considera um dever essencial desenvolver constante vigilância no sentido de advertir os católicos contra as insídias tão numerosas, dos adversários contemporâneos da Santa Igreja. Mais de uma vez, temos dito que a injúria soez, a impiedade deslavada, a blasfêmia repugnante e desmascarada saíram inteiramente da moda nos arraiais anticatólicos. A tática de hoje não é mais a do punho cerrado do revolucionário de outrora. A perfídia melíflua, a insinuação florida mas iníqua, o manejo mentiroso e cínico, eis as grandes armas da impiedade contemporânea. Estão, pois, atrasados de vinte anos pelo menos, em seus métodos de observação e em sua estratégia apostólica os que ainda se obstinam em julgar das idéias, dos fatos e dos homens apenas segundo suas palavras claras e insofismáveis. Era isto muito bom para os tempos em que, [...] por exemplo, o Visconde do Rio Branco prendia Dom Vital, a Alemanha de Bismarck preparava a Kulturkampf, Cavur, Mazzini e Garibaldi faziam ferver contra a Santa Sé o anti-clericalismo carbonário, e a III República, organizada e dirigida por anti-clericais, dominava a França. Mas em nossos tempos, tudo isto já não existe. Para confirmar nossa tese, passamos a dar a nossos leitores um punhado de exemplos dos mais recentes e modernos.

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É impossível não começar pelo artigo do deão de Canterbury sob o titulo "Com quem está o Papa"? Em outros tempos, um autor animado de ódio tão truculento contra a Igreja teria feito consistir sua diatribe por alguma evocação aos manes das vítimas da inquisição para, em seguida, reeditar a mentira da Papisa Joana, e, por fim, afirmar em linguagem chamejante que o "velho polvo romano", inimigo irredutível "das luzes", "do progresso", da “liberdade humana", tentava mais uma vez, mas inutilmente - oh! sem dúvida! – “Embargar a marcha triunfal do carro da civilização", que prosseguirá seu caminho "sobre os escombros definitivamente pulverizados, do fanatismo da ignorância e da superstição". Era este o gosto anti-clerical do século XIX e das primeiras décadas do século XX. Neste último, já fervia a campanha comunista. As tiradas sonoras do século XIX, os escritores anticatólicos de avant-guerre teriam, pois, adicionado algumas afirmações picantes sobre "as fortunas imensas do Vaticano", destinadas, segundo todas as aparências, a "alimentar as adegas famosas dos Cardeais da Cúria Romana", enquanto, bem entendido, o "pobre povo" morria de fome.

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Mas isto tudo é velharia em matéria de proselitismo da impiedade. O último figurino do anti-clericalismo moderno está, a meu ver, no artigo publicado sob o título "Com quem está o Papa?".

Comentaremos em outra secção este artigo. Nos "7 dias em revista", queremos somente assinalar a multidão de elogios sob os quais se ocultam as afirmações serpentinas do conhecido "clérigo" anglicano. A Igreja, diz ele, é imortal, tem um prestígio maior do que nunca, traz suspensa a atenção do mundo inteiro. O estudo de sua conduta é "fascinante". O Vaticano tem uma diplomacia que o próprio Goebbels considera inigualável. Os dirigentes da Wilhemstrasse, afirma o deão, se sentiram como meninos diante dela. Ninguém trabalhou mais do que a Santa Sé, nestes últimos dez anos de vida diplomática e internacional. E assim os elogios se sucedem. Indiscutivelmente, a mais curiosa das afirmações do deão está na imortalidade da Igreja. Ele fala como um católico escudado na promessa divina da indefectibilidade do Catolicismo. Entretanto, é só analisar algumas das afirmações do famoso deão, e sua piedade salta de dentro das flores de sua literatura como cobras habilmente ocultas em um "bouquet". O Papa é um hipócrita, um calculista, um cínico. Aliás, não se deve dizer isto só deste Papa: há 20 séculos, a Sede de São Pedro vem sendo um ninho de virtuosos intrigantes. O mundo inteiro tem sido ludibriado pelos espertalhões do Vaticano. Mas... sente-se que o deão respira de alívio, cria vida nova e até já começa a ranger os dentes quando  escreve isto... o comunismo poderá bem derrotar a Igreja. É com um tom de voz rejuvenescida por essa esperança que o prócer "cristão" (!) encerra seu artigo. 

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Como se vê, muita habilidade. Mas uma habilidade até certo ponto inábil. Com efeito, por pouco que se tenha cabeça, percebe-se facilmente onde quer chegar o deão.

E o mesmo se diga de uma crítica publicada em apêndice do novo livro deste deão – O Cristianismo e a nova ordem social na Rússia – apêndice este em que, segundo os anúncios da editora, o “respeitado e renomado líder católico e filósofo Henry George” faz uma “convincente, justa, lógica, desassombrada e impressionante crítica à famosa encíclica Rerum Novarum. Não conhecemos tal “crítica”. Os adjetivos “desassombrada” e “impressionante” deixam transparecer que se trata de uma apreciação hostil. E ainda há audácia para dizer que esse “crítico” de um documento pontifício é “leader católico”.

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É isto bem típico de nossa época. Quer alguém atacar o Papa? Se é protestante indiscutível, como o deão, escreve um artigo agridoce. Se não é de uma hereticidade tão indiscutível quanto um pastor protestante, assume o título gratuito e fácil de "leader" católico. Assim, o Sr. Henry George é um "leader católico"!

"Leader", sim, talvez. Mas de socialistas. Seus trabalhos são conhecidíssimos como obra de insofismável socialismo. E a Encíclica "Quadragesimo Anno" já declarou que socialismo e Catolicismo são coisas incompatíveis. A obra do Sr. Henry George é tão católica quanto a do deão de Canterbury. Nem mais nem menos. Mas o estratagema é curioso. Sem pele de ovelha, não há mais lobo que saia à rua. É esta, como vemos, a moda de hoje.

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"De hoje", dissemos, e com razão. É uma moda de transição. Os velhos e antigos anti-clericais não sabem desempenhar bem seu novo mister de coroinhas. De quando em vez, escapa-lhes alguma injúria, alguma cara feia, flagrante violação do papel que procuram representar. Eles não possuem o que os franceses chamariam mais ou menos "le physique du rôle". Ao fazer o sinal da Cruz, cerram por vezes involuntariamente o punho, cuidando estar em uma assembléia comunista. Ou proclamam, por distração, a senha da sessão [...] da véspera, no momento em que lhes cumpriria dizer "ora pro nobis". O lobo não aprendeu ainda o passo da ovelha. E por vezes dá saltos bem estranhos...

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Moda mais fina, pois, mais eficaz, mais completa, é a que está sendo inaugurada em Moscou. É a fraude de alto estilo, impecável, alinhadíssima. Segundo o figurino que está sendo desenhado em Moscou, não há mais lobo que se reconheça. Os elementos mais "escolados" da III Internacional - que "não existe mais" - estão sendo adestrados. Um sábio moderantismo, um doce sentimento filantrópico, uma benigna política de "não intervenção" nos negócios dos países vizinhos, está sendo de supremo bom tom como arma de propaganda entre os melhores agitadores comunistas. Todos se amansaram. Todos passaram a ser ovelhas. E, como dissemos em nosso último número, para dissipar de vez as desconfianças, até arranjaram alguns cordeiros para lhes servirem de companheiros. Assim, poderão mais facilmente iludir.

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E a cena de ilusão já começou. Não afirmaremos que o arquimandrita de Moscou e o "bispo" protestante de York sejam cordeiros. Mas é pelo menos de cordeiros o título de cristão que ostentam. Stalin já fez questão de receber suas visitas, e providenciou para que até os últimos recantos da Birmânia ou do Canadá esta notícia chegasse. Mais recentemente, o cônsul geral dos sovietes em Washington - lobo autêntico - jantou candidamente com aristocratas da antiga corte russa... outro gênero de cordeiros, por sinal que até bem tosquiados. E, agora, os jornais nos dão a notícia curiosa de que o movimento em favor de uma Alemanha livre, instituído na Rússia, tem por chefe um conde, neto do ... Príncipe Otto von Bismarck, o Chanceler de Ferro. Um nobre autêntico, neto do homem que simbolizava todo o militarismo aristocrático dos "junkers", pessoa de confiança do comunismo. Oh manes de Nicolau II, o que direis de tudo isto!