Legionário, N.º 600, 6 de fevereiro de 1944

7 DIAS EM REVISTA

À medida que as operações militares para a liberdade da Itália se desenvolvem, a infeliz península vai sofrendo as conseqüências da política desastrada de Mussolini, abrindo as fronteiras de sua pátria para a invasão nazista.

Em todas as calamidades coletivas sofrem indistintamente os justos e os culpados. O Vaticano sempre representou na Itália o centro da resistência moral e ideológica ao totalitarismo dos "camisas pretas" e dos "camisas pardas". É por excelência o adversário do nazismo neo-pagão, a substância e a síntese de tudo quanto Hitler e seu bando de aventureiros, Mussolini e seu bando de charlatães odeiam. Tudo isso não obstante, o Vaticano começa a sofrer os riscos de um "golpe de mão" de procedência nazi-fascista, à medida que as tropas aliadas se aproximam da Cidade Eterna para dela enxotar seus indesejáveis ocupantes.

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Julgamos quase impossível um putsch nazista em grande estilo clássico, com as legiões pardas marchando pela cidade em demanda do Vaticano, seguidas de carro de assalto, e de todo o aparato próprio a tais lances. O nazismo, e sobretudo seus ocultos empreiteiros, têm demais sagacidade para agir de modo tão desmascarado e estúpido.

Mas infelizmente é muito menos impossível que, no tumulto dos dias de cerco, por entre arruaças populares fáceis de provocar com o auxílio de agitadores, dada a indignação dos romanos contra os nazistas, e a carência de víveres de que padece a cidade, no tumulto desses dias, dizíamos, é muito menos impossível que um bando de mercenários disfarçados em pessoas do povo, e largamente pagos, tente contra o Vaticano e contra a pessoa sagrada do Vigário de Nosso Senhor Jesus Cristo um crime que será o maior da História, desde o tempo em que os sucessores de São Pedro morriam nas arenas dos Césares.

Não é em vão que o Santo Padre tem aumentado de tal maneira os efetivos das tropas papais, e modernizado seu armamento. Se o Sumo Pontífice tomou providências de defesa, é porque há um risco de ataque. A possibilidade desse risco, infelizmente, não é senão por demais evidente.

Depois de consumado o crime, ninguém saberia quem o praticou. "Foram aventureiros sequiosos de roubar os tesouros do Vaticano" e estaria tudo dito.

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À distância, dispomos de muito pouco elemento para julgar uma situação tão complexa quanto a que se criou na zona romana com o desenvolvimento das operações de guerra nas cercanias da Cidade Sagrada.

Feita esta ressalva, achamos que, se a hipótese que acabamos de ventilar é bastante plausível para que rezemos, ofereçamos esmolas e expiações ininterruptas para que ela não se verifique, está entretanto, muito longe de ser a mais provável das conjecturas que se abrem nos horizontes políticos a respeito do destino de Roma.

Quando se ama muito a alguém, o risco mais remoto de um grave dano para essa pessoa leva-nos a providenciar com suma diligência para que o dano não ocorra. O Sumo Pontífice é nosso Pai. Amamo-lo como só à Igreja se ama. Por mais remoto que seja, o risco é grave. Como tal, merece o empenho de todos os nossos esforços junto a Deus, para que se obvie o mal.

Nem por isto devemos deixar de reconhecer que ele é pouco provável. A nosso ver, o Vaticano nada sofrerá. Hitler é mesmo capaz de determinar o abandono da Cidade Eterna sem combate, para se enfeitar com o gesto diante de todo o mundo. E há até um indício muito sensível disto. É que toda a legação nipônica acreditada junto ao Santo Padre se recolheu no Vaticano. Por que? Na hipótese de grandes distúrbios na cidade? Mas lá estão as tropas nazistas para garantir a legação japonesa, sua amiga. Na hipótese de bombardeios? Quem não vê que é improvável que eles ocorram em grande estilo como os de Londres? A ocupação repentina da cidade pelos aliados é o que melhor explica a atitude dos diplomatas nipônicos.

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No momento em que escrevemos, a Cristandade sente um alívio. Foi poupada Monte Cassino, o famoso santuário beneditino com sua histórica e gloriosa Abadia caput et mater de todos os mosteiros beneditinos do mundo.

Infelizmente, algumas bombas de procedência ignoradas atingiram Castel Gandolfo, residência de verão dos Pontífices Romanos, e parte integrante do Estado Pontifício.

Heranças da política exterior do Sr. Benito Mussolini.

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Não recebemos de boa mente o gesto da URSS, alterando a estrutura da federação das repúblicas soviéticas de que se constitui, no sentido de atribuir a cada uma das unidades maior autonomia.

É um golpe de prestidigitação como outro qualquer, como foi por exemplo a dissolução da III Internacional.

Com efeito, ninguém pode admitir que essas repúblicas soviéticas, que só existiram até aqui no papel e que não tem passado de dóceis províncias no inferno "staliniano", venham a ter daqui para o futuro liberdade maior. Qualquer que seja a lei que neste sentido se promulgue, a realidade política continuará a mesma: o Partido Comunista continuará a nomear os dirigentes de todas essas repúblicas, e só indicará para tais cargos agentes docílimos do "camarada" Stalin.

Qual a razão dessa farsa federativa agora ensaiada? Muito simples. Incorporar outras "repúblicas independentes" soviéticas a serem ulteriormente criadas à "comomwealth" bolchevista. Que tremam a Estônia, a Lituânia, e toda a Europa Central!

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Deixamos para nosso próximo número qualquer comentário acerca do recente discurso do Sr. Adolph Hitler. Mas não querermos deixar de publicar nesta seção o seguinte telegrama, sumamente significativo da influência que a política nazista ainda possui na península ibérica:

WASHINGTON, 28 (R) - O Departamento de Estado anunciou que o carregamento dos navios tanques espanhóis com produtos petrolíferos dos Estados Unidos para a Espanha foi suspenso.

Diz a declaração do Departamento de Estado:

"Essa medida foi tomada em virtude da orientação que toma a política espanhola. O governo espanhol mostrou claramente a sua relutância em satisfazer os pedidos razoáveis e importantes feitos por este departamento ao governo espanhol e há já algum tempo.

Alguns navios mercantes e belonaves italianos continuam internados nos portos espanhóis. A Espanha continua a permitir a exportação para a Alemanha de certos materiais vitais para a guerra, tais como o volfrâmio. Os agentes do "eixo" continuam muito ativos tanto na Espanha metropolitana como nos territórios espanhóis da África e em Tanger. Alguns membros da "Divisão Azul" parecem estar ainda envolvidos na guerra contra um dos nossos maiores aliados e notícias recentemente recebidas informam ter sido concluído um acordo financeiro entre o governo espanhol e a Alemanha, destinado a tornar valiosos para aquela nação créditos substanciais em pesetas, os quais a Alemanha inquestionavelmente espera aplicar no momento da espionagem e sabotagem no território espanhol e intensificar a oposição contra nós na península ibérica."

A declaração acrescenta:

"Esta ação foi levada a termo depois de prévias consultas com o governo britânico".