Legionário, Nº 679, 12 de agosto de 1945

7 DIAS EM REVISTA

Um TE DEUM de gratidão e de alívio se levanta de todos os corações, pelo término da segunda guerra mundial com a rendição do povo nipônico. É a última vitória que faltava, para consolidar inteiramente o triunfo das nações anti-totalitárias, o epílogo da longa luta suscitada pela consciência universal, contra o espírito de opressão, de forças, de estatolatria pagã, em nosso século.

Caiu o colosso amarelo. E caiu sem deixar saudades. Cai a máquina de dominação nipônica e sob os escombros dessa ruína o verdadeiro Japão encontrará perspectivas e possibilidades que até há pouco lhe estavam vedadas.

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Seria preciso todo um longo volume para descrever o drama japonês. Posto o pecado original, os grandes defeitos são o corolário necessário das grandes qualidades. Fora da Igreja, qualquer povo que seja grande há de se destacar igualmente pelo valor excepcional de suas qualidades... e pela especial relevância de seus defeitos. Sempre que o Catolicismo empreende a conversão de um povo, sua ação consiste, a um tempo, em conservar, sobrenaturalizar e levar a sua perfeição as qualidades desse povo, bem como em lhe combater, reduzir e eliminar os defeitos.

Sob a ação de S. Francisco Xavier e dos primeiros missionários, a alma japonesa desabrochou harmoniosamente ao sol do Catolicismo, e manifestou uma tal inclinação para a verdadeira Igreja, que não havia esperanças que não se pudessem justificar quanto às perspectivas de um Japão inteiramente católico. Entretanto, veio depois a expulsão, e o Japão se fechou a Jesus Cristo e ao Ocidente, durante séculos.

O isolamento se rompeu no século passado, e recomeçou a luta dúplice do Ocidente para a absorção do povo nipônico. Os missionários católicos, querendo conquistá-lo para Nosso Senhor. E os mercadores querendo conquistá-lo para Mafoma.

Lado a lado, a dupla ação do Ocidente no Japão se foi desenvolvendo. Uma, a da Igreja, produziu frutos suavíssimos. Outra, a do neo-paganismo ocidental, frutos amaríssimos. E, desses, o mais venenoso foi o imperialismo militar japonês.

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A ocidentalização do Império do Sol Levante encontrava, como é obvio, vivas resistências de parte das forças tradicionais do país. Havia um duplo paganismo contra o qual a Igreja tinha de lutar no Japão. O paganismo ocidental, a corrupção dos costumes, a concepção inteiramente laica da vida, comercialismo materialista, exagerado e desonesto. E o paganismo oriental: antigas superstições, costumes milenarmente radicados no país, e decorrentes das crenças gentílicas, etc. etc.

Em certo sentido parecia que essas duas forças foram opostas entre si, e que os homens e os ídolos deveriam ver com igual desconfiança tudo quanto mudasse seu antigo Japão: o missionário tanto quanto o técnico.

O nazismo operou o "milagre" de alterar esse quadro. Em contato com o neo-paganismo do III Reich, os nipônicos compreenderam que um povo pode ser inteiramente industrializado, hiper-moderno em todos os seus aspectos técnicos, mas, ao mesmo tempo, tão afeiçoado à rotina de suas velhas superstições, que as coloque, no vértice de sua organização super-industrializada, como símbolo supremo de toda a alma nacional. É o que Hitler e Rosenberg procuravam fazer com o velho e troglodítico Wotan, sob cujo vulto peloso e selvático, truculento, se organizava a mais refinada das oligarquias tecnocráticas contemporâneas.

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Estava encontrado o segredo. Estava descoberta a fórmula que, no Japão, ligaria em frente única os técnicos e os bonzos, os velhos daimios e os mais "modernos cavaleiros da indústria" do Japão. Frente única contra Jesus Cristo, para conservar bem pagão esse Japão do qual se poderia dizer ao cabo de uma longa evolução a famosa exclamação francesa "plus ça change, plus c'est la même chose".

Veio daí a camarilha de militares, de industriais, de bonzos e de grandes senhores, com a Família Imperial à testa, que no Japão tolhia de todos os modos a ação dos missionários estrangeiros e estimulava um nacionalismo rubicundo cujo termo era a separação completa entre a própria Cristandade japonesa e Roma. E, fora do Japão, apoiava o nazi-fascismo em sua tentativa de conquistar o mundo.

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Caiu o Japão. A dissociação de átomos insignificantes que caberiam várias vezes dentro do espaço ocupado por uma cabeça de alfinete, pôs por terra o maior império do Oriente.

Que virá agora? Está com a palavra a China. Passa para suas mãos o cetro do mundo amarelo. Que posição tomará ela perante o grande ideal da conquista da China para Jesus Cristo?

É o que acima de tudo nos importa, nesse momento histórico.

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E, já que chagamos a este ponto, digamos mais uma palavra. No júbilo da vitória, vemos uma nuvem. É a entrada cínica da Rússia, no teatro das operações bélicas, no último momento, para ter um pretexto que justifique exigências à Molotov, ou seja, exigências brutais em torno da mesa da paz.

Acabou, com a queda do Japão, o último elemento da tripeça totalitária. Agora, nossa grande preocupação, o desejo de todos os momentos para nós, deve ser a derrocada do comunismo russo.

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Sim, desse comunismo internacional que vitimou a Rússia e que ameaçava estender seus tentáculos sobre todos os países.

No momento, o Brasil parece alvo de uma predileção especial da parte da propaganda soviética. Propaganda feita toda ela de mentiras, que nos fala da tolerância e da liberdade quando, segundo toda a evidência, ela conspira para nos trazer perseguição e tirania.

No seu discurso no Pacaembu, o ex-capitão Luiz Carlos Prestes falava em tolerância de opiniões. Nossos confrades da "União" fizeram um comentário muito oportuno, acerca de um dos dispositivos dos estatutos do Partido Comunista Brasileiro. É o art. 13 que proíbe a todos os membros do Partido relações pessoais, políticas ou familiares, com trotzkistas ou inimigos do operariado e do povo.

Haverá liberdade no regime soviético-brasileiro. Isto está fora de dúvida. Mas uma liberdade tal, que quem divergir dos comunistas em certos pontos doutrinários para se dizer trotzkista, será na sociedade "livre" do comunismo indígena, um pária, um leproso, que deverá ser evitado por todos. Só? Daí a prender o homem, quem não percebe que vai uma distância mínima?

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E agora perguntamos: se a divergência de alguém - do autor destas linhas por exemplo - for incomparavelmente maior do que a de um trotzkista contra o comunismo, que lhe sucederá?

Se, para uma divergência doutrinária relativamente pequena a pena é tal, o que será ela para uma divergência incomparavelmente maior, como a de um partidário convicto e irredutível da propriedade individual, da família, da civilização cristã?

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Mentiras sobre mentiras. Tudo são mentiras nessas promessas de liberdade.

Vejamos um exemplo absolutamente típico.

Ao mesmo tempo em que a famigerada Aliança Nacional Libertadora preparava a sinistra Revolução de 1935, ela ocultava seu caráter comunista. E muitos dos seus próceres sustentavam até agora que ela não era comunista. Vejamos o que disse o "camarada" Astrogildo Pereira naquele estilo de demagogo catraieiro tão do sabor dos comunistas:

"Só caluniadores profissionais ou imbecis incuráveis poderiam apregoar - e eles assim procederam, com encanzinamento no caso da Aliança Nacional Libertadora - que essa última era uma organização de caráter comunista, composta unicamente de comunistas, com um programa especificamente comunista".

No estádio do Vasco da Gama, o ex-capitão L. C. Prestes exclamou entretanto: "O Partido Comunista do Brasil é o meu partido. Foi ele o organizador e dirigente do glorioso movimento da Aliança Nacional Libertadora".

Em qual dos dois acreditar?

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Prometeu o camarada Prestes toda a liberdade de religião. Ao mesmo tempo porém, a emissora de Moscou e o Pravda atacavam furiosamente o Vaticano. Suponhamos que algum católico, sob regime "prestista" quisesse protestar. Tolerar-lhe-iam a expansão? Parece pouco provável. Pois, se o Vaticano é acusado de nazi-fascismo, o que é um absurdo tão grande quanto dizer-se que o sol é preto, é evidente que a mesma acusação se fará contra os particulares que o defendem contra o comunismo.

E para os nazi-fascistas... cadeia ao menos.

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Nazi-fascistas? O que significa isto? Em nossa linguagem, algo de muito claro e preciso, todos os simpatizantes do regime nazi-fascista. Na linguagem bolchevista, algo de muito suspeito e impreciso.

De fato, o bolchevismo é tão parecido com o fascismo, que até isto existe entre eles de comum:

a) para os fascistas, todo o anti-fascista era comunista;

b) para o comunista, todo o anticomunista é fascista.

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Não quereríamos encerrar esta nota, sem fazer uma pergunta. Quem é que do alto de um prédio atirava, em dias da semana passada, às centenas, uns papeluchos amarrotados, de um amarelo desbotado, em que se liam, carimbados, os seguintes dizeres: "O Clero ridiculariza Deus e explora o povo". Será preciso muita argúcia para perceber que eram aqueles mesmos que nos prometeram liberdade religiosa?