Legionário, Nš 727, 14 de julho de 1946

7 Dias em Revista

Feito o balanço do que se passou na longa e prolixa reunião em que os "Quatro Grandes" fizeram em Paris, a impressão que se tem é bastante confusa. Não houve durante a reunião crises espetaculares. Houve, é certo, alguns atritos em que os ânimos se acaloraram bastante. Mas em nenhum momento sentimos aquela impressão de iminência de guerra, que o mundo inteiro experimentou, por exemplo nos dias mais críticos do "caso" iraniano. Além do mais, é incontestável que bom número de questões se resolveu. Todas essas questões tinham sua importância, e o próprio fato de ter sido possível encontrar, na solução de cada uma delas, um termo médio capaz de satisfazer as conveniências das duas partes, mostra uma elasticidade de propósitos com que a Paz só pode lucrar. Este o lado positivo do balanço.

* * *

Tudo bem pesado, o que resultou de mais importante, de toda a Conferência, foi a solução do caso de Trieste. Mas houve mesmo solução? É o que não se pode afirmar.

Ninguém ignora que a "Iugoslávia" não é mais, hoje em dia, o nome de uma nação: é um mero rótulo. O que existe de concreto, em Belgrado, não é Tito, é Stalin. Dando, pois, às coisas os seus nomes, pode-se afirmar que a URSS quer ter a hegemonia do Adriático, e deseja despojar a Itália dos territórios que possui em certa parte do Adriático Oriental, antes da guerra. Os ingleses e americanos, desejando cortar o passo à aspiração soviética, tem empenho em que a Itália continue a dominar o Adriático. Os interesses italianos são, assim, afins com os verdadeiros interesses das potências ocidentais, o que explica que as democracias tenham criado obstáculos à realização do desideratum da URSS.

Definido assim o problema, ao que se chegou em concreto? Trieste constituirá uma cidade livre. Não pertencerá nem a Itália, nem a Iugoslávia. A solução é, ponto por ponto, idêntica a que se fez em 1918 de Dantzig uma cidade livre, que vacilava como um pêndulo, entre a influência alemã e polonesa. E por isto mesmo, podemos dizer que a solução adotada em Paris para o caso de Trieste abriu no mapa europeu um "novo Dantizg"... ou seja, uma ferida.

De fato, ninguém se ilude em que o pequeno Estado Livre será minado por influências comunistas e anticomunistas e acabará pertencendo ao primeiro grupo bastante ousado municiado e rico que consiga apoderar-se de Trieste.

O problema, pois, não foi resolvido, foi adiado. O resultado conseguido pelos "quatro grandes" foi, portanto, magro... e perigoso.

O LEGIONÁRIO jamais entrou em questões territoriais e meramente temporais. Mas, hoje, é obrigado a entrar nelas de cheio, pois que o problema que está em foco transcende, de muito, o pequeno "caso" político do Adriático.

Com efeito, toda a defesa do Ocidente cristão está em jogo. E com ela está em jogo também a defesa da própria civilização cristã, ou dos últimos frangalhos da civilização cristã que ainda existem.

Sim, frangalhos. Mas frangalhos que amamos um a um, com veneração e ternura, como os antigos judeus que amavam o templo, as pedras do Templo e até a poeira em que as pedras das ruínas se desfaziam.

Um destes frangalhos, o menor, o mais deformado e roto deles, vale mais do que o mundo inteiro, e é legitimo dizer que em comparação com ele todo o ouro e prata do mundo não são senão escorias e lixo, como dizia São Paulo. E, por isto, as questões que, diretamente ou indiretamente, se relacionam a preservação e restauração da civilização católica transcendem de muito, como importância, a todas as outras questões da terra.

* * *

Ora, é inegável que a Itália é um país católico. Enquanto se abre no flanco deste pais uma chaga, trata-se de amputar seu poderio colonial. Em outros termos a Itália fica desarmada e diminuída perante os sovietes mais fortes do que nunca.

Como pode um católico olhar este fato sem pesar e sem apreensão?

* * *

Quanto ao caso alemão, nada foi resolvido. É o caso mais delicado do mundo. Trata-se de saber até quando a URSS se sentirá no direito de permanecer no coração da Europa, fazendo de senzalas as mais prósperas e gloriosas cidades da Europa central.

A importância deste problema é tão óbvia que dispensa comentários. E perto dele os pequenos problemas ficam como fumaça. O pequeno ativo alcançado na conferência dos "quatro grandes" some. E nós nos perguntamos a nós mesmos o que será do futuro do mundo.

* * *

E enquanto isto, começa a ferver novamente o vulcão chinês...