Legionário, N.º 766, 13 de abril de 1947

7 DIAS EM REVISTA

Registramos com suma satisfação o êxito obtido pelos Conservadores nas eleições municipais da Inglaterra, cujos resultados foram publicados na imprensa diária de domingo pp.

Os Conservadores não só continuaram na posse do mesmo número de cadeiras, mas conquistaram ainda cerca de cem das quais noventa perdidas pelos trabalhistas.

Evidentemente o significado deste fato é profundo. Pouco depois da guerra, o povo inglês afirmou seu propósito de enveredar pelo socialismo. Nas últimas eleições, confessou publicamente que tomou caminho errado, que considera realizados os prognósticos sombrios do sr Winston Churchill sobre o fracasso do gabinete trabalhista, e deseja a ascensão dos Conservadores ao poder.

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Isto posto, raciocinemos segundo a "dogmática" dos democratas. A opinião pública é que deve decidir dos destinos do país. Todo o governo só é legitimo na medida em que reflete a opinião. Por uma questão de fidelidade aos princípios democráticos, todo chefe de gabinete que recebe uma prova clara de que sua política não está agradando a opinião pública, ou modifica seu programa, ou pede sua demissão ao Rei.

Se não agir assim, o gabinete violara o que o espírito da democracia britânica tem de mais essencial, e, em lugar de órgão da opinião, não será senão uma camarilha legiferante sem qualquer autoridade legítima.

Se todos esses princípios valem para a Inglaterra em qualquer situação, a fortiori hão de valer para os dias anormais que atravessamos, no momento em que o gabinete socialista procura realizar um programa de profundas reformas sociais e econômicas, as quais acabarão por atingir a própria estrutura do Estado inglês. Em sã lógica democrática, jamais um programa deste alcance deve ser mantido e levado a cabo sem o beneplácito iniludível e decidido da opinião pública.

Pois não é ela o supremo órgão de direção do País?

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Se todo inglês formado segundo os cânones clássicos exige tal procedimento de qualquer partido político, a fortiori o deverá exigir do Partido Trabalhista que vive com a boca cheia da palavra "democracia", a declaração contra a "oligarquia dos gentleman", slogan habitual das campanhas socialistas.

Se a oligarquia dos gentleman é um mal, a dos sans-culotte, ou "descamisados", será um bem? Não, responderá qualquer pessoa sensata. Sim, dirão no fundo de seu coração os socialistas.

Quando vociferam contra a oligarquia dos gentleman, na aparência é contra a oligarquia que investem, na realidade é contra os gentleman. É contra a finura, a educação, a tradição, a compostura, tudo enfim que se chama limpeza, boas maneiras e civilização.

Em muitos sentidos, é este, a nosso ver o substratum da mentalidade socialista.

E, por isto mesmo, será para nós uma surpresa não pequena que os trabalhistas tomem a sério a democracia quando ela funciona em sentido diverso do "Labour Party", e peçam demissão à Coroa.

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Nestas notas, não podemos deixar de fazer um comentário a respeito do discurso do general De Gaulle. As críticas da imprensa francesa a respeito das palavras do grande chefe da Resistência – ao menos as críticas que as agências telegráficas houveram por bem veicular – foram tão confusas e desencontradas, que verdadeiramente devemos a nossos leitores uma palavra de orientação sobre o assunto. E isto tanto mais quanto, a despeito de todas as misérias da hora presente, a França continua a ocupar na civilização cristã e ocidental, um lugar que jamais lhe poderá ser tirado. É uma nação eleita; tudo quanto ali sucede tem no mundo inteiro profunda ressonância. Em matéria de idéias e gosto, olhar para a França é ver o mundo.

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Em síntese, De Gaulle sustentou as seguintes teses:

a) a atual estrutura do Estado francês é incapaz de suportar a carga das dificuldades e problemas dos dias presentes. Perseverando neste caminho, a França se desagregará;

b) o mundo está dividido em dois blocos de potências, dominadas em última análise pela Rússia e pelos Estados Unidos. Se a França não agir com uma energia de que as atuais instituições a tornam incapaz, ela perderá sua categoria de potência mundial, para girar como satélite na órbita de um destes dois blocos;

c) por tudo isto, convém que as instituições sejam refundidas, e o poder seja entregue a um pulso enérgico.

Estas teses explícitas comportavam, como fundo de quadro, as seguintes proposições, mais ou menos implícitas:

a) na política interna como na política externa, a França precisa separar-se radicalmente de Moscou e da influência vermelha;

b) os atuais dirigentes franceses – os que estão no governo e os que, fora dos cargos oficiais, dirigem os partidos – são, em sua generalidade, homens medíocres que se afogam em suas próprias dissenções e arrastam consigo o Estado.

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Evidentemente, estas teses abrangem um panorama vasto, muitos de cujos aspectos só na própria França podem ser devidamente observados. Não temos, assim, a intenção de o examinar ponto por ponto. Uma coisa, porém, é indiscutível: o discurso do Sr. De Gaulle teve o mérito de constituir o primeiro pronunciamento autorizado francês contra a política de confusão entre comunistas e anticomunistas, que na França se pratica presentemente.

Sempre fomos favoráveis às atitudes definidas. Parece-nos uma afronta aos princípios mais imperativos do bom senso que se confundam os campos anticomunistas e comunistas. Nesta confusão só eles não se confundem; conservam seus quadros partidários, sua polícia secreta, sua espionagem, seus contatos financeiros e ideológicos de Moscou. E, no momento oportuno, farão de seus ingênuos aliados de hoje o que as feras do partido montagnard fizeram dos ingênuos e ridículos girondinos, durante a Revolução.

É para De Gaulle uma verdadeira glória, o haver desferido um golpe contra um estado de coisas tão confuso e perigoso.

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Deseja realmente o Sr. De Gaulle tornar-se um ditador? Os comunistas franceses, tão simpáticos a Hitler durante a tragédia da invasão, enchem-se agora de furores anti-ditatoriais que proclamam em todos os tons.

Diremos que não? Quem pode saber os verdadeiros intuitos do Sr. De Gaulle? Posta a situação como está, realmente parece não haver outra saída: ou a França se entrega a ele, ou vai ao naufrágio.

Não há outra solução? Haveria se o MRP tivesse outra mentalidade. Mas infelizmente os dirigentes desse partido são os girondinos de nossos dias. Deles não se pode esperar, na luta contra o comunismo, nem coerência, nem argúcia, nem energia.

Se eles fossem capazes de praticar a democracia sem fraquezas, como os dirigentes norte-americanos que propugnam pelo fechamento do Partido Comunista, talvez dessem origem a alguma solução que não fosse a hipotética ditadura do Sr. De Gaulle.

Mas se algum dia o MRP – conservados seus atuais dirigentes – for capaz de tal, terá havido no mundo um milagre de primeiríssima grandeza.

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Não queremos encerrar estas notas sem uma observação a respeito de assunto totalmente diverso.

Chegaram há pouco ao Brasil cinco bispos ou arcebispos cismáticos, vindos do Oriente especialmente para trabalhar na organização de sua igreja em nosso país.

Uma heresia a mais, neste país já chagado pela existência de toda a sorte de igrejas heterodoxas, centros espíritas, teosóficos, etc., não quer dizer muito. Mas, é perigoso que venha instalar-se entre nós uma seita cujas perigosas afinidades com os agentes soviéticos mascarados em arquimandritas, popes, etc., são evidentes. Ademais já tivemos ocasião de focalizar nesta mesma coluna as ligações que com todos estes elementos tem o ex-bispo de Maura. Tudo isto compõe um quadro. E este quadro, bem analisado, longe está de ser risonho...