Legionário, n.° 778, 6 de julho de 1947

7 DIAS EM REVISTA

Com a promulgação da Carta fundamental de nosso Estado no dia 9 de Julho, deverá estar concluída a constitucionalização de nossa vida. Não conhecemos a nova Constituição, mas não podemos deixar de acolher o fato com real e intensa satisfação, uma vez que do ponto de vista das reivindicações católicas, ela é irrepreensível como nos informa o importante edital da Cúria Metropolitana, que publicamos na 1ª página.

O Legionário, considerando o fato do ponto de vista temporal [...], não vê na democracia liberal a ordem das coisas mais conforme à índole e estrutura economico-social de nosso país. Contudo, não se pode negar que os defeitos da democracia liberal são visivelmente menores do que os da ditadura socialista da qual acabamos de emergir. E a passagem do mau para o menos mau já é um grande bem.

Os anos que ficam para traz não deixam saudades. Durante eles, o Brasil passou por uma verdadeira revolução social. A classe agrícola, tipicamente nacional, e portadora de nossas melhores tradições históricas, sofreu um verdadeiro martírio. O mesmo se deu com outra classe, intimamente ligada à dos agricultores, a dos proprietários de imóveis urbanos. Ao mesmo tempo, as chamadas categorias médias de funcionários intelectuais e técnicos - exceção feita talvez dos engenheiros - perderam inteiramente sua importância. Nos últimos anos, só houve no Brasil duas categorias de homens influentes: o tubarão geralmente estrangeiro, parvenu, ostentando um luxo vulgar, e o aventureiro político elevado aos galarins pelos obscuros manejos nos bastidores do palácio. O resto, tradição, educação [...], cultura, de nada valia. Quanto aos operários, uma legislação confusa, tumultuária, demagógica, os abasteceu em grande parte de ilusões, de ventos e de promessas, preparando seu espírito para as mais loucas reivindicações. Claro está que nada disto pode deixar saudades senão aos poucos beneficiários inconsoláveis, que continuarão a chorar os dias idos. É, pois, com ânimo alvissareiro, também do ponto de vista temporal, que aguardamos as grandes comemorações do dia 9 de julho.

* * *

Não se julgue, porém, que entramos sem apreensões nesta nova fase de nossa vida. Na esfera internacional, temos nossa soberania a defender, tarefa nada fácil nas convulsões do mundo contemporâneo. A situação financeira não é de rosas. A crise dos caracteres desgosta da política os melhores elementos do país. Ninguém sabe de que crimes e loucuras será capaz, de um momento para outro, a hidra comunista que está prestes a receber entre nós os últimos golpes. A instituição da família continua a decair entre nós assustadoramente, e quando a família decai, tudo decai.

O momento é de regozijo, mas também é de meditação, e de súplica. Peçamos a Deus que nos ajude a aproveitar a melhoria de condições políticas que nos trouxe esta fase de post-guerra.

*  *  *

Manda a justiça que elogiemos as boas ações até mesmo daqueles a quem impugnamos várias ações más. Tivemos ocasião de criticar freqüentemente atitudes da Constituinte italiana. Devemos elogiar hoje a resolução por ela tomada de estabelecer maior descentralização da estrutura administrativa do país.

Com efeito, a obra de 1870 foi exageradamente centralista. Sem falar na injustiça praticada com os Estados Pontifícios, e considerando o assunto do mero ponto de vista temporal, é certo que a riqueza de alma do povo italiano engendrara na península vários Estados com estrutura psicológica e social inteiramente própria. Vinculando num só todo estes Estados teria sido necessário conservá-los vivos e íntegros, como fez a Alemanha, também em 1870, com a Baviera, Saxonia, Wurtenberg e outros Estados "mediatisados". Pelo contrário, Cavour, Garibaldi e seus companheiros extinguiram todos os velhos e gloriosos, organismos da Itália tradicional. E a atitude da Constituinte italiana, reconhecendo ao país maior autonomia, de certo modo abre caminho a que se corrija este velho erro.

*  *  *

Enquanto o mundo inteiro se divide em dois grandes grupos de povos, dos quais um é dominado pela URSS, e outro liderado pelos EE.UU., a ONU vai afundando lentamente no esquecimento público. Consuma-se, assim, o grande fracasso dessa organização, fracasso este já há tempos previsto pelo Legionário.

Tudo isto não obstante, seus funcionários, em Lake Success, continuam a trabalhar pacientemente em levantar esse castelo de cartas. E, assim, a ONU assinou recentemente uma convenção de privilégios e imunidades com os EE.UU. Essa convenção - é curioso notá-lo - dota a ONU de uma situação bastante parecida com a que o Papa possui pelo próprio fato de ser o Soberano Pontífice, e que o Tratado de Latrão lhe reconhece.

* * *

Assim é que a sede da ONU é uma espécie de Estado independente, cujo território será governado, não por leis americanas mas por um regulamento próprio à guisa de Código Civil. Poderá ter serviços radio-telegráficos, de onda curta, próprios, poderá ter aeródromo próprio e selos postais próprios. Os funcionários da ONU terão em território americano todos os privilégios de diplomatas estrangeiros.

Mas que diferença entre esse pequeno "Vaticano" temporal impotente, esfrangalhado, natimorto, e a Santa Sé! [...]

*  *  *

Abd-el-Krim fez um discurso em que insistiu na independência de toda a África do Norte em relação à Europa.

Ao mesmo tempo, a chancelaria do Cairo esta preparando todos os documentos necessários para advogar junto a ONU o protetorado muçulmano do Egito sobre aquela região.